*Marinês Restelatto Dotti
Sumário: 1. Introdução. 2. Regime geral de licitações e contratações públicas. 3. Introdução da modalidade pregão no ordenamento normativo brasileiro. 4. Regime diferenciado de contratações públicas – RDC. 5. Regime jurídico de licitações e contratações das empresas estatais. 6. A regra da licitação. 7. Um novo regime jurídico de licitações. 8. Considerações a respeito do Projeto de Lei nº 1292, de 1995. 9. Regime jurídico de licitações e moldura regulamentar de procedimentos únicos, no âmbito de todos os Poderes das três esferas da federação. 10. Modelo procedimental do pregão. 11. Limitação de preços nas contratações públicas. 12. Conclusão
1. Introdução
Dispõe o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal de 1988 que, ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
A mesma Constituição que estabelece a regra da prévia licitação para a contratação de obras, serviços, compras e para as alienações de bens da administração pública dispõe, em seu art. 22, inciso XXVII, a competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, inciso XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, inciso III.
Em cumprimento ao insculpido na Constituição Federal foi publicada, em 21 de junho de 1993, a Lei nº 8.666, instituidora de normas gerais para licitações e contratos da administração pública e revogadora do Decreto-lei nº 2.300, de 21 de novembro de 1986, antigo estatuto jurídico das licitações e contratações da administração pública federal.
Apresentar um panorama dos vinte e cinco anos do regime geral de licitações e contratações, das principais características do regime diferenciado de contratações públicas e da modalidade licitatória denominada pregão, instituídos nesse período, em cotejo com o projeto de lei que almeja revogá-los, é o propósito deste estudo.
2. Regime geral de licitações e contratações públicas
Visando regulamentar o inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal, foi apresentado no Congresso Nacional, no ano de 1991, o Projeto de Lei nº 1491.
Priorizou-se, à época, a moldura de um regime jurídico de licitações que alcançasse, primordialmente, as contratações de obras e serviços de engenharia. Tal moldura é extraída dos vários dispositivos do Projeto de Lei atinentes à elaboração e características dos projetos básico e executivo; cronograma físico-financeiro; planilhas de formação de custos; e aplicabilidade dos regimes de execução indireta.
O Projeto de Lei ocupou-se, também, mas em menor grau, das compras e alienações da administração pública, do aluguel de equipamentos e utilização de programas de informática, das contratações diretas, da gestão (alterações, prorrogações, reequilíbrio econômico-financeiro e rescisão) e fiscalização dos contratos e das ações de controle sobre os atos administrativos praticados com base no regime que se pretendia implementar.
Completados vinte e cinco anos da conversão do Projeto de Lei nº 1491 na Lei nº 8.666/1993, verifica-se que seu texto original não foi capaz de regulamentar, por completo, o regime geral de licitações e contratações públicas. Situações vivenciadas pela administração pública impuseram alterações/acréscimos no texto da Lei, como, a título ilustrativo, os dispositivos atinentes à contratação de serviço de natureza continuada, à prestação de garantia contratual e novas situações ensejadoras de dispensa de licitação.
Ainda, normas foram introduzidas na ordem jurídica brasileira visando à implementação de políticas públicas constitucionalmente estabelecidas, alcançando as licitações e contratações regulamentadas pelo regime geral como, por exemplo, as que estabelecem: o tratamento diferenciado às entidades de menor porte; a aplicação de margem de preferência a produtos manufaturados e serviços nacionais que atendam a normas técnicas brasileiras; exigências, como requisitos de habilitação, de declaração de que o licitante não emprega menor em situação irregular e de regularidade trabalhista; benefícios decorrentes do cumprimento da reserva de cargos prevista em lei para pessoa com deficiência ou para reabilitado da Previdência Social; e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável.
Mantiveram-se inalteráveis, no texto da Lei, as modalidades licitatórias originais: concorrência, tomada de preços, convite, concurso e leilão.
Importante registro é o de que os valores aplicáveis à definição das modalidades licitatórias (concorrência, tomada de preços e convite) foram atualizados no ano de 1998, ou seja, há 20 anos, nada obstante o art. 120 da Lei nº 8.666/1993 autorizar o Poder Executivo Federal a revisá-los, anualmente, observada a variação geral dos preços do mercado, no período.
3. Introdução da modalidade pregão no ordenamento normativo brasileiro
A experiência na utilização das modalidades convencionais previstas na Lei nº 8.666/1993 (concorrência, tomada de preços e convite) revelou a frustração quanto à desejável celeridade nas licitações processadas sob esse regime. Relacionam-se os principais motivos: o exame dos documentos de habilitação de todos os participantes do certame; a fase de habilitação antecedendo a de exame e julgamento de propostas; a análise das propostas de todos os licitantes habilitados; a existência de duas fases recursais; e os longos prazos mínimos exigidos entre a publicação dos avisos de editais e a realização dos eventos.
A idealização de um novo modelo de licitação, mais célere, fez-se necessária.
Foi publicada, então, a Medida Provisória nº 2.182-18/01, instituidora, no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, nos termos do art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, da modalidade licitatória denominada pregão, cabível para a contratação de bens e serviços classificados como comuns. Veio a ser convertida na Lei nº 10.520/2002, cujo art. 2º, §1º, prevê a possibilidade de realização do pregão mediante a utilização de recursos de tecnologia da informação, consoante regulamentação específica.
Suas principais caraterísticas podem ser assim resumidas: cabimento qualquer que seja o valor estimado do bem ou serviço, desde que seja comum; inversão das etapas de habilitação e de julgamento de propostas de preço, passando esta a ocorrer antes daquela; exame dos documentos de habilitação apenas do licitante cuja proposta foi classificada em primeiro lugar; disputa de preços através de lances sucessivos, em forma verbal (pregão presencial) ou por via eletrônica; interposição de recurso administrativo após a fase de habilitação; e critério de julgamento baseado, exclusivamente, no menor preço[1].
4. Regime diferenciado de contratações públicas - RDC
Passados 18 anos da vigência da Lei nº 8.666/1993, mais precisamente em 04 de agosto de 2011, foi publicada a Lei nº 12.462, instituidora do regime diferenciado de contratações públicas, inicialmente[2] concebido para atender licitações e contratos necessários à realização dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, da Copa das Confederações da Federação Internacional de Futebol Associação - Fifa 2013, da Copa do Mundo Fifa 2014 e de obras de infraestrutura e de contratação de serviços para os aeroportos das capitais dos Estados da Federação distantes até 350 km (trezentos e cinquenta quilômetros) das cidades sedes dos mundiais.
Ponderou-se, à época da concepção do regime diferenciado de contratações públicas, à necessidade de um regime de licitações e contratações públicas que privilegiasse resultados e, ainda, a celeridade processual para a consecução dos objetivos a serem alcançados com a realização dos grandes eventos esportivos.
Visando à implementação do primeiro objetivo (resultados), foram contemplados no regime diferenciado da Lei nº 12.462/2011, entre outros, os seguintes instrumentos: (a) a possibilidade, na contratação de obras e serviços, inclusive de engenharia, de estabelecer-se a remuneração variável (art. 10) vinculada ao desempenho da sociedade empresária contratada, com base em metas, padrões de qualidade, critérios de sustentabilidade ambiental e prazo de entrega, previamente definidos no instrumento convocatório e no contrato; (b) a adoção de critério de julgamento baseado no maior retorno econômico (art. 23), utilizado, exclusivamente, para a celebração de contratos de eficiência, de forma a selecionar ofertas proporcionadoras de maior economia para a administração pública; (c) a possibilidade de contratação de mais de uma empresa para a execução de um mesmo serviço (art. 11); e (d) a adoção do regime de contratação integrada (art. 9º), aplicável a obra ou serviço de engenharia de natureza predominantemente intelectual e de inovação tecnológica do objeto ou, ainda, na hipótese de ser executado com diferentes metodologias ou tecnologias de domínio restrito no mercado, regime este que se diferencia dos demais (empreitada integral, empreitada por preço global, empreitada por preço unitário e tarefa) por transferir à sociedade empresária contratada, vencedora da disputa, os encargos de elaborar e desenvolver os projetos básico e executivo, a execução das obras e serviços de engenharia, a montagem, a realização de testes, a pré-operação e todas as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto à administração pública.
Mais recentemente foi inserida na Lei nº 12.462/2011 a possibilidade de a administração pública celebrar contratos denominados de “construção ajustada”, “locação sob medida” ou de “operação built to suit” (art. 47-A) e, ainda, o emprego de mecanismos privados de resolução de disputas, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei nº 9.307/1996, e a mediação, para dirimir conflitos decorrentes de sua execução ou a ela relacionados (art. 44-A).
Visando à implementação do segundo objetivo citado (celeridade processual), foram instituídas as seguintes ferramentas na Lei nº 12.462/2011: (a) o estabelecimento de um procedimento ordinário (art. 12), idêntico ao do pregão, caracterizado pelas seguintes fases, nesta ordem: preparatória; publicação do instrumento convocatório; apresentação de propostas ou lances; julgamento; habilitação; recursal; e encerramento; (b) a realização da licitação preferencialmente sob a forma eletrônica (art. 13); (c) a fixação de prazos mínimos para apresentação de propostas, contados a partir da data de publicação do instrumento convocatório (art. 15), prazos esses reduzidos em relação aos da Lei nº 8.666/1993; e (d) a possibilidade de adoção dos modos de disputa aberto e fechado, o quais podem ser combinados na forma instituída em regulamento e desde que previstos no edital da licitação.
Destaque-se, ainda, que o regime diferenciado de contratações públicas da Lei nº 12.462/2011 incorporou ao seu texto a jurisprudência do Tribunal de Contas da União, aperfeiçoando-o em relação ao regime geral da Lei nº 8.666/1993. São alguns exemplos: (a) a possibilidade de indicação de marca ou modelo no edital da licitação na hipótese de a descrição do objeto a ser licitado ser melhor compreendida pela identificação de determinada marca ou modelo apto a servir como referência, situação atrativa do acréscimo obrigatório da expressão “ou similar ou de melhor qualidade”; (b) a solicitação de certificação da qualidade do produto ou do processo de fabricação, inclusive sob o aspecto ambiental, por qualquer instituição oficial competente ou por entidade credenciada; (c) a exigência de amostra do bem no procedimento de pré-qualificação e, ainda, na fase de julgamento das propostas ou lances, desde que justificada a necessidade de sua apresentação; (d) a possibilidade de realização de procedimento de pré-qualificação permanente anterior à licitação destinado a identificar fornecedores que reúnam condições de habilitação exigidas para o fornecimento de bem ou a execução de serviço ou obra nos prazos, locais e condições previamente estabelecidos e, ainda, destinado a identificar bens que atendam às exigências técnicas e de qualidade; (e) a adoção de rito ordinário idêntico ao do pregão, admitindo-se, nesse procedimento, os seguintes critérios de julgamento de propostas: menor preço ou maior desconto; combinação técnica e preço; melhor técnica ou conteúdo artístico; maior oferta de preço; ou maior retorno econômico; (f) a padronização de instrumentos convocatórios e minutas de contratos, previamente aprovados pelo órgão jurídico competente; (g) a implementação de catálogo eletrônico de padronização de compras, serviços e obras em sistema informatizado, de gerenciamento centralizado, destinado a permitir a padronização de itens a serem adquiridos pela administração pública; (h) a vedação à contratação direta de pessoa jurídica na qual haja administrador ou sócio com poder de direção que mantenha relação de parentesco, inclusive por afinidade, até o terceiro grau civil com detentor de cargo em comissão ou função de confiança que atue na área responsável pela demanda ou contratação e, ainda, autoridade hierarquicamente superior no âmbito de cada órgão ou entidade da administração pública; e (i) no caso de obras ou serviços de engenharia, a incidência linear de percentual de desconto apresentado pelo licitante sobre os preços de todos os itens do orçamento estimado constante do edital.
5. Regime jurídico de licitações e contratações das empresas estatais
Extrai-se de julgado do Tribunal de Contas da União um histórico referente à legislação aplicável às licitações e contratações das empresas estatais. Assim:
Em primeiro lugar, relembrando a legislação pertinente às estatais no tocante aos procedimentos licitatórios, tinha-se o então vigente Decreto-lei nº 2.300/1986, que, ao estabelecer a submissão a seus ditames pela administração centralizada e autárquica, deixou expresso que as empresas estatais poderiam editar regulamentos próprios, desde que respeitados os princípios básicos da licitação (art. 86).
A flexibilidade ali permitida foi alterada, no entanto, quando do advento da Constituição de 1988, que, em seu art. 37 (redação original), inciso XXI, impôs de forma genérica às entidades da administração indireta observância às normas legais sobre licitação. Ao mesmo tempo, sujeitou a empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica ao regime jurídico próprio das empresas privadas (art. 173, § 1º, na redação original).
Com a edição da Lei nº 8.666/1993, definiu-se que as disposições ali contidas alcançariam as empresas estatais e, nessa conformidade, seus regulamentos deveriam estar, portanto, compatíveis com o texto legal (artigos 118 e 119).
Posteriormente, mediante a Emenda Constitucional nº 19/1998, o § 1º do art. 173 passou a ter a seguinte redação:
Art. 173....................................................................................
§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:
...................................................................................................
III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública. (Acórdão nº 624/2003 – Plenário, Rel. Min. Guilherme Palmeira, Processo nº 000.214/1997-3).
Dezoito anos após a publicação da Emenda Constitucional nº 19, de 1998, em cumprimento ao disposto no art. 22, inciso XXVII, da Constituição Federal sobreveio a Lei nº 13.303 por aquela prometida, dispondo sobre o estatuto jurídico das empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, impulsionada, sobretudo, pelos escândalos de corrupção envolvendo licitações e contratações realizadas por algumas dessas entidades.
O Título II da Lei nº 13.303/2016 dispõe sobre as licitações e contratações das empresas estatais, contudo, não concebe um sistema inovador. Ao contrário, a chamada Lei das Estatais incorpora procedimentos previstos na Lei nº 12.462/2011, a qual dispõe sobre o regime diferenciado de contratações públicas – RDC, na Lei nº 10.520/2002, instituidora da modalidade de licitação denominada pregão, e na Lei nº 8.666/1993, que estabelece normas gerais sobre licitações e contratações administrativas. O novo estatuto contempla, pois, ordens normativas já experimentadas e concêntricas, ou seja, sob o ponto de vista jurídico coexistem um regime especial, o da Lei nº 12.462/2011, um geral, o da Lei nº 8.666/1993, e o procedimento do pregão, da Lei nº 10.520/2002, a disciplinar as licitações e contratações dessas entidades.
De destacar-se que o regime jurídico de licitações e contratações instituído pela Lei nº 13.303/2016 consagra os princípios da celeridade processual – que já emoldurava a legislação regente da modalidade pregão, editada a partir de 2002, em vista de a apresentação de lances ou propostas e a verificação de sua efetividade antecederem a fase de habilitação, de o exame de documentos de habilitação ser feito apenas do licitante provisoriamente classificado em primeiro lugar, e da existência de recurso administrativo único -, da ampla competitividade - pela adoção preferencial do formato eletrônico - e da economicidade – alicerçado pela disputa que se realiza por meio de etapa de lances.
O novel estatuto privilegia nas licitações das empresas estatais, portanto, o rito do pregão, conforme se depreende de seu art. 51, decerto que levando em conta os resultados por até aqui mensurados — redução do tempo de processamento, simplificação do procedimento e obtenção de propostas mais vantajosa
6. A regra da licitação
Há, portanto, três regimes jurídicos de licitações e contratações vigentes no ordenamento normativo brasileiro: o tradicional ou geral, da Lei nº 8.666/1993; o especial ou diferenciado, da Lei nº 12.462/2011; e o das empresas estatais, da Lei nº 13.303/2016, este instituído em cumprimento ao disposto no art. 173, § 1°, inciso III, c/c o art. 22, inciso XXVII, ambos da Constituição Federal.
Extrai-se dos três regimes, em cumprimento ao art. 37, inciso XXI, da Carta Maior que a regra é licitar a contratação de bens, obras e serviços de interesse da administração pública e, ainda, a alienação de seus bens, excepcionando-se a contratação direta, ou seja, a contratação sem licitação, também quando a entidade contratante é pessoa jurídica empresarial integrante da administração pública indireta, qualquer que seja o objeto de sua finalidade institucional.
E não poderia ser diferente. A função da licitação é a de viabilizar, por meio da mais ampla disputa, envolvendo o maior número possível de agentes econômicos capacitados, a busca da proposta mais vantajosa para a administração pública.
A adoção de um procedimento para a contratação de bens, obras e serviços de interesse para a administração pública e, ainda, para a alienação de seus bens, móveis e imóveis, visa conferir previsibilidade, segurança, acesso igualitário à disputa, além de permitir aos órgãos de controle, interno e externo, sindicar os atos administrativos praticados no processo, amparados pelas normas de regência.
7. Um novo regime jurídico de licitações
Vinte e cinco anos da publicação da Lei nº 8.666/1993 discute-se se esse modelo deve manter-se; se necessita, apenas, de aperfeiçoamentos; ou, ainda, se deve prosperar um novo regime jurídico de licitações e contratações públicas.
Em relação à segunda alternativa (aperfeiçoamentos do regime jurídico de licitações e contratações da Lei nº 8.666/1993), registre-se que tramitou no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 7709, de 2007, cujas proposições principais eram as seguintes:
a) redução de custos direcionados à publicação dos avisos de editais, substituindo-se a publicação na imprensa oficial pela publicação em sítios eletrônicos oficiais da administração licitante;
b) instituição do Cadastro Nacional de Registro de Preços, que seria disponibilizado às unidades administrativas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
c) introdução de dispositivo tendente a impedir a participação em licitações de pessoas físicas e jurídicas que tivessem praticado atos contrários à ordem pública e declaradas suspensas de licitar e contratar, ainda que participantes de outra pessoa jurídica;
d) possibilidade de inversão de fases (abertura dos envelopes contendo a proposta de preços precedendo a abertura dos envelopes contendo a documentação de habilitação) também nas modalidades convencionais de licitação (concorrência, tomada de preços e convite); e
e) unificação dos recursos administrativos, após a fase de habilitação.
Vejam-se que algumas das proposições do Projeto de Lei nº 7709, de 2007, visavam aproximar o procedimento licitatório ao modelo do pregão, instituído pela Lei nº 10.520/2002, em vista dos ganhos de eficiência e eficácia advindos da utilização dessa modalidade licitatória.
Ainda no que tange à alternativa de realizarem-se aperfeiçoamentos no regime jurídico de licitações e contratações da Lei nº 8.666/1993, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei do Senado nº 319, de 2017, o qual visa alterar aquele diploma para o efeito de introduzir, na contratação de obras e serviços, inclusive de engenharia, a remuneração variável vinculada ao desempenho da contratada, com base em metas, padrões de qualidade, critérios de sustentabilidade ambiental e prazo de entrega previamente definidos no instrumento convocatório e no contrato, em similaridade à remuneração variável prevista no art. 10 da Lei nº 12.462/2011.
Sobre a última alternativa apontada em linhas anteriores deste estudo, qual seja a implementação de um novo regime jurídico de licitações e contratações públicas, registre-se que atualmente tramita no Senado Federal o Projeto de Lei nº 1292, de 1995, que almeja estabelecer normas gerais de licitações e contratos administrativos no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a par de revogar a Lei nº 8.666/1993 (Lei Geral das Licitações), a Lei nº 10.520/2002 (que instituiu a modalidade pregão) e os artigos 1º a 47 da Lei nº 12.462/2011 (regime diferenciado de contratações públicas – RDC).
Referido Projeto de Lei contempla institutos do regime geral da Lei nº 8.666/1993, do regime diferenciado da Lei nº 12.462/2011, do regime jurídico de licitações e contratos das empresas estatais, previsto na Lei nº 13.303/2016 e, ainda, mantém a modalidade licitatória denominada pregão.
Da Lei nº 8.666/1993 permanecem, no Projeto de Lei, as modalidades licitatórias concorrência, leilão e concurso. Da Lei nº 12.462/2011, o Projeto de Lei importa, entre outros institutos: o regime de contratação integrada; a remuneração variável; a possibilidade de contratação de mais de uma empresa ou instituição para executar o mesmo serviço; a realização de pré-qualificação para selecionar, previamente, licitantes que reúnam condições de habilitação para participar de futura licitação ou de licitação vinculada a programas de obras ou de serviços objetivamente definidos e, ainda, para selecionar bens que atendam às exigências técnicas ou de qualidade estabelecidas pela administração; e, também, o critério de julgamento baseado no maior retorno econômico. Da Lei nº 13.303/2016 o Projeto de Lei faz uso do regime de contratação semi-integrada - aplicável às contratações de obras, serviços e fornecimentos cujos valores ultrapassem os previstos para os contratos de que trata a Lei nº 11.079/2004, instituidora de normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública – e da possibilidade de o instrumento convocatório contemplar matriz de alocação de riscos entre o contratante e o contratado.
8. Considerações a respeito do Projeto de Lei nº 1292, de 1995
Destacam-se, a seguir, aspectos positivos e negativos do Projeto de Lei nº 1292, de 1995.
Os primeiros, ditos positivos, referem-se: (a) à maior participação da sociedade na formulação do objeto da contratação pretendido pela administração pública e, também, de seus contornos, por meio da realização de audiência pública, de consulta pública e dos procedimentos denominados de manifestação de interesse e diálogo competitivo; (b) à significativa regulamentação baseada na jurisprudência do Tribunal de Contas da União; e (c) à instituição de diretriz impulsionadora da capacitação e qualificação de agentes públicos atuantes nesses processos.
Aspecto negativo do Projeto de Lei refere-se à impossibilidade de utilização do pregão nas contratações de obras de engenharia. Veja-se que o regime diferenciado de contratações públicas, cujo rito procedimental é o mesmo do pregão (art. 12 da Lei nº 12.462/2011), encontra aplicabilidade às contratações de objetos de natureza predominantemente intelectual e de inovação tecnológica ou técnica (art. 20, §1º, I, da Lei) e, ainda, às contratações de obras e serviços de engenharia, independentemente da classificação e do valor estimado. Qual seria, então, o inconveniente de admitir-se o pregão nas contratações de obras de engenharia quando o experimentado regime diferenciado de contratações públicas já demonstrou tal viabilidade e, ainda, por meio da utilização de critérios de julgamento alternativos (ex.: menor preço, melhor técnica ou combinação técnica e preço) para a escolha da proposta mais vantajosa?
No Projeto de Lei nº 1292, de 1995, há, ainda, o peculiar caso das modalidades pregão e concorrência, ambas aplicáveis às licitações que visem a contratação de serviço comum de engenharia: qual o sentido de manter-se a previsão dessas duas modalidades no novo marco legal, aplicáveis ao mesmo objeto (serviço comum de engenharia), quando o rito procedimental é o mesmo para ambas? Isso acarretará dúvida por parte dos agentes públicos que atuam nos processos de licitação, ou seja, dúvida sobre qual modalidade licitatória será a adequada para o caso específico, ensejando apontamentos pelos órgãos de controle quando a solução adotada não for a acertada.
Perceba-se, pois, que não há avanços no Projeto de Lei em relação aos tópicos citados, diante dos já experimentados e comprovados ganhos advindos da utilização do regime diferenciado de contratações públicas e da adoção da modalidade pregão.
A utilização do pregão, sobretudo o eletrônico, tem trazido resultados positivos para a otimização dos gastos públicos, elevando o teor de controle dos atos administrativos pelos participantes do certame e pela sociedade em geral, por conseguinte tendendo a reduzir a incidência de fraudes nos procedimentos licitatórios.
A extensão do formato eletrônico[3] do pregão proporciona celeridade processual, transparência às contratações públicas e a busca da proposta mais vantajosa para a administração. A utilização desse formato, sublinhe-se, não exime o gestor público do dever funcional de observância dos princípios que regem a atividade administrativa estatal, o fiel cumprimento do devido processo legal e a garantia da ampla defesa e do contraditório, também princípios constitucionais (CF/88, art. 5, LIV e LV).
Acertadamente o regime diferenciado de contratações públicas da Lei nº 12.462/2011 não estabeleceu modalidades licitatórias como o fez a Lei nº 8.666/1993 e o Projeto de Lei nº 1292, de 1995. Diferentemente desses regimes, o RDC fixou um rito ordinário para o processamento das licitações (art. 12), incluindo-se obras e serviços de engenharia, idêntico ao do pregão (cujas fases são, nesta ordem: preparatória; publicação do instrumento convocatório; apresentação de propostas ou lances; julgamento; habilitação; recursal; e encerramento), realizado preferencialmente no formato eletrônico (art. 13), admitindo-se, sob esse rito ordinário, os seguintes critérios de julgamento de propostas: menor preço ou maior desconto; combinação técnica e preço; melhor técnica ou conteúdo artístico; maior oferta de preço; e maior retorno econômico (art. 18).
Depreende-se, pois, que o rito ordinário da Lei nº 12.462/2011, o mesmo do pregão, compatibiliza-se com critérios de julgamento alternativos (ex.: melhor técnica, combinação técnica e preço e maior oferta) e não somente com o de menor preço como previsto no art. 4º, inciso X, da Lei nº 10.520/2002 (Lei do Pregão).
No mesmo sentido caminhou a Lei nº 13.303/2016, instituidora do regime jurídico de licitações e contratações das empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias, ao estabelecer em seu art. 32, inciso IV, a adoção preferencial da modalidade pregão nas aquisições de bens e serviços comuns. Se o gestor dispõe de modalidade licitatória que supera todas as demais em qualidade e presteza, será ato de gestão antieconômica, violador do princípio da eficiência, optar por qualquer outra modalidade quando cabível for o pregão.
Além disso, o art. 51 da Lei nº 13.303/2016 fixou um rito ordinário para o processamento das licitações (compras, obras, serviços e alienações), quando não utilizada a modalidade licitatória pregão regida pela Lei nº 10.520/2002, cujas fases, na mesma ordem do pregão, são: preparação; divulgação; apresentação de lances ou propostas, conforme o modo de disputa adotado; julgamento; verificação de efetividade dos lances ou propostas; negociação; habilitação; interposição de recursos; adjudicação do objeto; e homologação do resultado ou revogação do procedimento. Dito rito ordinário, assim como ocorre no regime diferenciado de contratações públicas, admite os seguintes critérios de julgamento de propostas: menor preço; maior desconto; combinação técnica e preço; melhor técnica; melhor conteúdo artístico; maior oferta de preço; maior retorno econômico; e, ainda, melhor destinação de bens alienados.
9. Regime jurídico de licitações e moldura regulamentar de procedimentos únicos, no âmbito de todos os Poderes das três esferas da federação
A Constituição Federal atribuiu à União a competência privativa para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 22, inciso XXVII).
Preleciona Mello[4], que normas gerais são as que estabelecem diretrizes, que firmam princípios, que modelam apenas o suficiente para identificar a tipicidade de um instituto jurídico ou de um objeto legislado, conferindo-lhe um tratamento apenas delineador da compostura de seu regime, sem entrar em particularidades, minúcias ou especificações peculiarizadoras.
A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados, ou seja, os Estados da federação podem legislar sobre licitações e contratações públicas, mas de forma suplementar, sem afrontar as normas gerais expedidas, em caráter privativo, pela União (art. 24, §2º). Lei complementar poderá, ainda, autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas de licitações e contratações públicas (art. 22, parágrafo único). A mesma competência suplementar é conferida aos Municípios por força do disposto no art. 30, inciso II, da Constituição Federal.
Como destacado em linhas anteriores deste estudo, existem no ordenamento normativo brasileiro dois regimes jurídicos aplicáveis às licitações e contratações de órgãos e entidades da administração pública direta e indireta: o primeiro, dito geral ou tradicional, da Lei nº 8.666/1993; o segundo, dito especial ou diferenciado, da Lei nº 12.462/2011. No âmbito das empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias aplica-se um regime jurídico próprio, instituído pela Lei nº 13.303/2016, por aplicação do disposto no art. 173, §1º, inciso III, da Constituição Federal.
Para efeito de sistematização de ações jurídico-administrativas em processos de licitação e contratação no âmbito de todos os Poderes das três esferas da federação, excluídas as empresas públicas e sociedades de economia mista por aplicação do disposto no art. 173, §1º, inciso III, da Constituição Federal[5] , imperiosa a adoção de um único regime jurídico de licitações e contratações e, ainda, de moldura regulamentar única. Ineficaz e ineficiente para as almejadas otimização, racionalização e padronização de atividades desenvolvidas por agentes públicos em licitações e contratações diretas que estes processos recebam um tratamento jurídico em São Paulo e outro no Rio Grande do Sul, ou, ainda, tratamento jurídico distinto no âmbito de órgãos integrantes do mesmo ente federativo, ou mesmo, tratamento jurídico similar, mas produzido por órgão desprovido de competência para a expedição de normas.
Para ilustrar, registre-se que coexistem duas normas específicas e de conteúdo bastante similar, a respeito da aplicação das sanções da Lei nº 10.520/2002 (Lei do Pregão), editadas por dois órgãos federais distintos: a Norma Operacional 2 DIRAD, de 17 de março de 2017, do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, a qual dispõe sobre os procedimentos para a definição da dosimetria na aplicação da penalidade de impedimento de licitar e contratar com base no art. 7º da Lei nº 10.520/2002, e a Instrução Normativa nº 1, de 13 de outubro de 2017, que estabelece procedimentos para a definição da dosimetria na aplicação da penalidade de impedimento de licitar e contratar prevista no mesmo art. 7º da Lei nº 10.520/2002, publicada pela Presidência da República. Desnecessária a existência de duas normas sobre um mesmo assunto, editadas por órgãos federais distintos e, ainda, quando somente um deles detém a competência para a expedição de normas a respeito de licitações e contratações aplicáveis no âmbito da administração pública federal, in casu, o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, consoante estabelece o art. 16, inciso II, do Decreto nº 9.035/2017, c/c o art. 115 da nº 8.666/1993.
A sistematização de procedimentos proporciona atuação uniforme dos agentes públicos e, também, a padronização de propostas a cargo de licitantes e contratados, independentemente do órgão ou entidade pública que licita ou contrata, traduzindo-se, ao fim, em maior vantagem competitiva e tratamento uniforme sobre matéria cuja previsão legislativa aplica-se, indistintamente, a todos os entes federativos.
10. Modelo procedimental do pregão
Além da adoção de um regime jurídico de licitações e de moldura regulamentar de procedimentos únicos, no âmbito de todos os Poderes das três esferas da federação, ideal que o processamento da licitação espelhe-se no modelo do pregão, notadamente no seu formato eletrônico, independentemente da denominação que venha a receber.
A Lei nº 10.520/2002 deu um grande passo à modernização da administração pública ao autorizá-la a licitar na modalidade pregão, presencial ou eletrônico, desde que objeto a ser contratado (bem ou serviço) seja de natureza comum, ou seja, especificável segundo as mesmas características com que se encontra no mercado.
É possível dizer que o pregão, no formato eletrônico, é o precursor da governança eletrônica em matéria de licitação e contratação no Direito Público brasileiro, na medida em que proporciona a realização do procedimento licitatório a distância, em sessão pública, por meio de sistema que promove a comunicação entre o órgão promotor da licitação e os participantes da competição, por meio da rede mundial de computadores.
Também quanto aos resultados o pregão eletrônico testifica um avanço em relação às demais modalidades: tem proporcionado economia entre 20% e 30% do valor estimado para cada contratação, celeridade processual, competitividade, simplificação de exigências e transparência; possibilita a participação de número maior de interessados, graças ao acesso universal à rede mundial de computadores, permitindo que em qualquer ponto do país sejam ofertadas propostas, mesmo distantes do órgão promotor da competição.
A forma eletrônica torna o prélio ágil porque o licitante não se desloca até a sede da administração, nem encaminha suas manifestações (documentos de habilitação, propostas, recursos administrativos) por via postal, arcando com os respectivos custos, como previsto na Lei nº 8.666/1993. Eventuais impugnações ao edital não dependem do encaminhamento de documentos à administração.
A prática do pregão eletrônico tem atestado a viabilidade da simplificação do procedimento licitatório sem riscos à segurança jurídica da contratação e à razoável certeza da fiel execução do que se contratou. Desprovida de razão é a alegação de que o formato eletrônico do pregão produz aquisição de bens e serviços de baixa qualidade, quando a Lei nº 10.520/2002 exige que os padrões de desempenho e qualidade desses objetos estejam objetivamente definidos no edital, por meio de especificações usuais no mercado. As contratações de bens, serviços e obras de baixa qualidade ocorrerá, independentemente da modalidade licitatória, do formato adotado (presencial ou eletrônico) ou do regime jurídico de licitação, quando o órgão ou entidade pública licitante não se dispuser a definir, no edital, os padrões mínimos de qualidade aplicáveis ao objeto de que necessita.
O sistema eletrônico dota de maior efetividade o acompanhamento das contratações públicas pela sociedade, permitindo que qualquer cidadão, que tenha acesso à rede mundial de computadores, conheça os editais e seus anexos, podendo impugná-los. O sistema também permite o acompanhamento dos licitantes de todas as fases do procedimento, mesmo à distância, tornando efetivo o controle dos atos administrativos praticados pelos condutores da competição.
A utilização de modalidade licitatória no formato eletrônico, seja qual for a denominação que venha a receber, se presume capaz de atrair um número maior de participantes do ramo do objeto que a administração pretende contratar, a cada certame. A ampliação do número de interessados gera competitividade e, por conseguinte, propostas mais vantajosas economicamente para a administração, traduzindo-se no alcance do princípio da economicidade.
Depreende-se, pois, ante às vantagens já experimentadas pela modalidade pregão, que a restrição de seu uso, prevista no Projeto de Lei nº 1292, de 1995, afasta-se da modernização pretendida para as licitações do século XXI.
11. Limitação de preços nas contratações públicas
Soluções como a adoção de regime jurídico de licitações e moldura regulamentar de procedimentos únicos, no âmbito de todos os Poderes das três esferas da federação, e de modelo procedimental idêntico ao do pregão, operacionalizado por meio de recursos da tecnologia da informação, no entanto, não são suficientes para alcançarem-se as desejáveis eficiência e eficácia das contratações públicas e, ainda, o combate à corrupção existente nesses processos.
Registre-se que relatórios sobre a situação da corrupção no Brasil costumam relacionar, entre os maiores desafios para o combate à corrupção, as contratações públicas, sobretudo de obras públicas.
Tal objeto (obra pública) ocupa posição proeminente no cenário de licitações e contratações diretas não só porque tende a ser de maior valor, mas também, por ser o que garante maior visibilidade aos nomes que aparecem nas placas de inaugurações, que, por isto, deve ocorrer em prazos compatíveis com a duração dos mandatos, ainda que com o sacrifício do tempo de maturação necessário à correta elaboração técnica de projetos[6].
Os efeitos são conhecidos dos órgãos e instituições de controle: “jogo de planilhas”, para encobrir descontos excessivos em itens irrelevantes e aumentos exorbitantes em itens de maior significação financeira; multiplicação de termos aditivos aos contratos, com o fim de atender a alterações quantitativas e qualitativas que se tornam necessárias por deficiências ou insuficiências do projeto licitado e contratado; lassidão no exercício da fiscalização da execução dos contratos, a negligenciar a verificação do emprego de materiais diversos dos especificados ou de técnicas construtivas inadequadas; imposição de penalidades de fachada, que encobrem vícios da administração pela responsabilização do particular e vice-versa. Sem falar nas obras cuja necessidade não se justifica e cuja execução não se planeja, resultando em esqueletos abandonados e recursos desperdiçados.
A pesquisa de preços que a administração pública realiza para estimar o custo do objeto que almeja contratar, em regra, tem como supedâneo a consulta a fornecedores, não raro baseada em apenas três orçamentos. A pesquisa de preços praticados no mercado que utiliza, exclusivamente, os preços colhidos de fornecedores é frágil em relação à pesquisa baseada nos preços pagos pela administração pública. Primeiro, porque nem sempre a pesquisa é realizada com a cautela de colherem-se os preços junto a entidades empresariais atuantes no ramo do objeto da licitação ou da contratação e, não raro, são colhidas de um mesmo grupo empresarial com sócios comuns. Segundo, porque o fornecedor consultado, por estratégia comercial, pode prestar informações de preços sem qualquer compromisso com os praticados no balcão, produzindo média final ou mediana destoante da realidade.
A existência de referenciais de preços (tabelas oficiais), a formar os custos do objeto, possibilita à administração efetivar a contratação segundo os preços praticados pelo mercado. Nessas condições e, ainda, admitida a oferta de descontos lineares sobre todos os itens da planilha, dificulta-se a prática do chamado “jogo de planilhas”, tendo em vista que até os itens com grande demanda terão que ser comercializados a preço mais baixo que o orçado.
São exemplos de tabelas oficias de preços obrigatoriamente adotadas nas contratações de obras e serviços de engenharia executados com recursos dos orçamentos da União e nas contratações desses mesmos objetos (obras e serviços de engenharia) executados por empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (a) o Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil – Sinapi, mantido pela Caixa Econômica Federal - CEF, segundo definições técnicas de engenharia dessa instituição e de pesquisa de preço realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE; e (b) o Sistema de Custos Referenciais de Obras - Sicro, cuja manutenção e divulgação é da competência do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT.
No tocante às demais contratações de bens e outros serviços que não os de engenharia, inexiste banco de preços oficial e, sobretudo, limitador dos valores a serem aceitos nas licitações e contratações da administração pública, leia-se a administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, abrangendo inclusive as entidades com personalidade jurídica de direito privado sob controle do poder público e das fundações por ele instituídas ou mantidas.
Dito banco de dados, fonte oficial de preços que utilizaria os valores unitários de empenhos de despesas publicados em todos os sistemas de administração financeira das administrações federal, estaduais e municipais, formando um sistema integrado e regionalizado de preços, serviria como fonte de consulta a ser utilizada por agentes públicos para estimar e definir o preço do objeto da licitação e da contratação direta, servindo de parâmetro seguro para comissões de licitação aceitarem as propostas de preços ofertadas, constituindo-se num limitador de preços para esses agentes. Todas as propostas que superassem o limite máximo de valor fixado pelo órgão ou entidade pública, com base em fonte de preços oficial, resultariam desclassificadas.
De acordo com o Tribunal de Contas da União, os licitantes, sob risco de responderem por superfaturamento em solidariedade com os agentes públicos, têm a obrigação de oferecer preços que reflitam os paradigmas de mercado, ainda que os valores fixados pela administração no orçamento-base do certame se situem além daquele patamar (Acórdão nº 1.959/2017 – Plenário, Rel. Min. Benjamin Zymler, Processo nº 021.533/2017-2). Nada obstante a deliberação da Corte de Contas federal, observa-se que é corriqueira a realização, pela administração pública, de estimativas de custos do objeto da licitação ou da contratação direta acima dos preços praticados no mercado e prática habitual de licitantes aproveitarem-se dessas estimativas para oferecer propostas de preços superiores aos fixados, configurando-se sobrepreço na contratação.
Constitui dever do Estado qualificar os gastos públicos, cuja implementação efetiva-se, eficazmente, por meio de estruturas integradas e compartilhamento de sistemas de informação. A segurança no combate a sobrepreços em licitações e contratações diretas, pois, encontraria supedâneo na oficialidade dos preços consultados e formadores dos custos da contratação, por meio da criação de um banco oficial de preços formado por valores unitários de empenhos de despesas publicados em todos os sistemas de administração financeira das administrações federal, estaduais e municipais e em sua utilização para limitar a aceitação de propostas por membros de comissões de licitação.
12. Conclusão
A licitação, como conjunto de procedimentos formais, não tem logrado, sempre, o intento de servir à moralidade administrativa. Por meio de estratagemas conhecidos dos órgãos de controle interno e externo, o dinheiro público desvia-se do seu destino legal para atender a interesses privados.
Tal realidade, no entanto, não se traduz na falência do regime de licitações e não justifica o seu afastamento da ordem normativa brasileira. É que a função da licitação - nada obstante entendimentos de que aquisições vantajosas deveriam decorrer da escolha discricionária do gestor público, após este aquilatar, no mercado, qualidade, preço e idoneidade do fornecedor do objeto desejável - é a de viabilizar, por meio da mais ampla disputa, envolvendo o maior número possível de agentes econômicos capacitados, a busca da proposta mais vantajosa. A adoção de um procedimento para a contratação de bens, obras e serviços de interesse para a administração e, ainda, para a alienação de seus bens, móveis e imóveis, visa conferir previsibilidade, segurança, acesso igualitário à disputa, além de permitir aos órgãos de controle, interno e externo, sindicar os atos administrativos praticados no processo, amparados pelas normas de regência. Portanto, a existência de um regramento aplicável à contratação de bens, obras e serviços (e sua execução) e à alienação de bens da administração pública confere oportunidade de negócios à iniciativa privada por meio de um chamamento público, seleção da melhor proposta para o objeto desejável, em conformidade com os critérios previamente estipulados em edital, previsibilidade e segurança jurídica a esses processos.
Vinte e cinco anos da publicação da Lei nº 8.666/1993 extrai-se que seu texto original não foi capaz de regulamentar, por completo, o regime geral de licitações e contratações públicas e nem de afastar a prática de fraudes e desvios nesses processos. Situações vivenciadas pela administração pública e novas disposições legais introduzidas no ordenamento jurídico brasileiro impuseram alterações/acréscimos no texto da Lei, não só para conferir segurança à administração e aos licitantes, mas também, para cumprir políticas públicas constitucionais e coibir a prática de atos contrários à ordem jurídica.
Tornou-se necessária, nesse período, a busca de maior celeridade às contratações da administração pública, o que se fez por meio da implementação de nova modalidade licitatória. O pregão, especificamente no seu formato eletrônico, introduzido no ordenamento jurídico brasileiro há quase duas décadas, tem demonstrado aptidão no cumprimento dessa tarefa, proporcionando ganhos de eficiência e eficácia para a administração por meio da realização de procedimento licitatório à distância, atraente de um maior número de competidores, da oferta de lances sucessivos e, por conseguinte, de propostas mais vantajosas.
Das observações na aplicação do regime geral de licitações nesses vinte e cinco anos e da existência de experimentada moldura jurídica introduzida por meio do regime diferenciado de contratações públicas, extraem-se a importância de adotar-se um rito ordinário para o processamento dos certames, combinado com um conjunto de tecnologias e processos integrados de informação que possibilite a utilização e atualização de modelos digitais eficazes à realização de licitações à distância, nos moldes do já experimentado modelo do pregão, no seu formato eletrônico, atraentes de um maior número de competidores, transparência, efetivo controle e eliminação de transtornos jurídico-administrativos que se evidenciam quando definições exsurgem para os agentes públicos, como, por exemplo, a relacionada à escolha da modalidade licitatória adequada que se compatibilize com o valor estimado do objeto, sua classificação, a regra do parcelamento e o critério de julgamento de proposta aplicável, não raro ensejando a responsabilidade desses agentes públicos em razão de decisões equivocadas.
Veja-se que o regime diferenciado de contratações públicas, previsto na Lei nº 12.462/2011, adota essa solução, senão vejamos: não há modalidades licitatórias nesse regime, mas sim, um rito ordinário para o processamento das licitações (art. 12), inclusive para obras e serviços de engenharia, independentemente de classificação e valor, cujas fases são idênticas ao pregão (preparatória; publicação do instrumento convocatório; apresentação de propostas ou lances; julgamento; habilitação; recursal; e encerramento), realizado preferencialmente no formato eletrônico (art. 13), admitindo-se, sob esse rito ordinário, critérios de julgamento de propostas alternativos, tais como: menor preço ou maior desconto; combinação técnica e preço; melhor técnica ou conteúdo artístico; maior oferta de preço; e maior retorno econômico (art. 18).
Essa, portanto, pode ser a moldura jurídica aplicável às licitações do século XXI, agregando-se a esses processos, para o alcance dos princípios da padronização, eficiência e economicidade, a adoção de regime jurídico e regulamentação de procedimentos únicos, no âmbito de todos os Poderes das três esferas da federação, e a criação de um banco de preços oficial que utilizaria os valores unitários de empenhos de despesas publicados em todos os sistemas de administração financeira das administrações federal, estaduais e municipais, formando um sistema integrado e regionalizado de preços, servindo como fonte de consulta a ser utilizada por agentes públicos para estimar e definir o preço do objeto da licitação e da contratação direta e de parâmetro seguro para comissões de licitação aceitarem as propostas de preços ofertadas, constituindo-se num limitador de preços para esses agentes.
Referências
BRASIL. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Referencial básico de governança aplicável a órgãos e entidades da administração pública/Tribunal de Contas da União. Versão 2 - Brasília: TCU, Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão, 2014.
BRASIL. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Referencial de combate à fraude e à corrupção aplicável a órgãos e entidades da administração pública/Tribunal de Contas da União. Brasília: TCU, Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão, 2017.
GARCIA, Flávio Amaral. Licitações e contratos administrativos: casos e polêmicas. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2018.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conceito de normas gerais no direito constitucional brasileiro. Interesse Público – IP, Belo Horizonte, ano 13, n. 66, mar/abr. 2011.
PAULA, Marco Aurélio Borges de; CASTRO, Rodrigo Pironti Aguirre de Castro (Coord.). Compliance, gestão de riscos e combate à corrupção: integridade para o desenvolvimento. Belo Horizonte: Fórum, 2018.
PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres; DOTTI, Marinês Restelatto. Políticas públicas nas licitações e contratações administrativas. 3. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2017.
_______, Mil perguntas e respostas necessárias sobre licitações e contratos na ordem jurídica brasileira. Belo Horizonte: Fórum, 2017.
_______, Da responsabilidade de agentes públicos e privados nos processos administrativos de licitação e contratação. 2. ed. São Paulo: NDJ, 2014.
[1] Registre-se que o Tribunal de Contas da União passou a admitir a utilização de critério de julgamento de proposta baseado na maior oferta, quando adotada a modalidade pregão, especificamente nas licitações envolvendo cessões de uso de bens imóveis pertencentes ao patrimônio público. Confiram-se os procedentes: (a) A cessão das áreas comerciais de centrais públicas de abastecimento de gêneros alimentícios deve observar as normas atinentes à concessão remunerada de uso de bem público, utilizando-se na licitação, preferencialmente, a modalidade pregão eletrônico (Acórdão nº 919/2016 – Plenário, Rel. Min. Vital do Rêgo, Processo nº 012.613/2013-4, Boletim de Jurisprudência nº 123, de 2016); (b) Em regra, o pregão é a modalidade de licitação adequada para a concessão remunerada de uso de bens públicos, com critério de julgamento pela maior oferta em lances sucessivos (Acórdão nº 478/2016 – Plenário, Rel. Min. Marcos Bemquerer Costa, Processo nº 019.436/2014-9. Boletim de Jurisprudência nº 116, de 2016); e (c) 9.3. recomendar à Ceagesp que, nas futuras licitações para concessão remunerada de uso de áreas de comercialização do Entreposto do Terminal São Paulo, utilize a modalidade pregão eletrônico, substituindo-a pela presencial enquanto não houver possibilidade técnica de uso daquela modalidade (Acórdão nº 289/2015 – Plenário, Rel. Min. Walton Alencar Rodrigues, Processo nº 012.613/2013-4).
[2] Os objetos licitáveis por meio do regime diferenciado de contratações públicas não se restringiram aos eventos esportivos e às contratações de obras de infraestrutura e de contratação de serviços para os aeroportos das capitais dos Estados da Federação distantes até 350 km (trezentos e cinquenta quilômetros) das cidades sedes dos mundiais. Já no ano de 2012 teve início a publicação de diplomas contemplativos de outros objetos passíveis de contratação por meio do regime diferenciado.
[3] No âmbito do estatuto jurídico das estatais (Lei nº 13.303/2016), dispõe o art. 51, §2º que os atos e procedimentos da licitação serão efetivados preferencialmente por meio eletrônico.
[4] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conceito de normas gerais no direito constitucional brasileiro. Interesse Público – IP, Belo Horizonte, ano 13, n. 66, mar/abr. 2011. Disponível em: <http://bid.editoraforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=72616>. Acesso em: 28 ago. 2015)
[5] Art. 173 [...] §1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: [...] III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública;
[6] PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres; DOTTI, Marinês Restelatto. “Obras e serviços de engenharia – o que importa à eficiência e à eficácia de sua contratação, qualquer que seja a modalidade licitatória”. Políticas públicas nas licitações e contratações administrativas. 3. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 188.
*Marinês Restelatto Dotti. Advogada da União. Especialista em Direito do Estado e em Direito e Economia pela Universidade Federal do Estado do Rio Grande do Sul (UFRGS). Autora da seguinte obra: Governança nas contratações públicas - Aplicação efetiva de diretrizes, responsabilidade e transparência - Inter-relação com o direito fundamental à boa administração e o combate à corrupção. Coautora das seguintes obras: (a) Políticas públicas nas licitações e contratações administrativas; (b) Limitações constitucionais da atividade contratual da administração pública; (c) Convênios e outros instrumentos de Administração Consensual na gestão pública do século XXI. Restrições em ano eleitoral; (d) Da responsabilidade de agentes públicos e privados nos processos administrativos de licitação e contratação; (e) Gestão e probidade na parceria entre Estado, OS e OSCIP; (f) Microempresas, empresas de pequeno porte e sociedades cooperativas nas contratações públicas; (g) Comentários ao RDC integrado ao sistema brasileiro de licitações e contratações públicas; (h) 1000 perguntas e respostas necessárias sobre licitação e contrato administrativo na ordem jurídica brasileira; e (i) Comentários à lei das empresas estatais: Lei nº 13.303/16. Colaboradora nas obras: (a) Direito do estado: Novas tendências; (b) Direito Público do Trabalho - Estudos em homenagem a Ivan D. Rodrigues Alves; (c) Contratações públicas - Estudos em homenagem ao professor Carlos Pinto Coelho Motta; (d) Licitações públicas - Estudos em homenagem ao jurista Jorge Ulisses Jacoby Fernandes; (e) Comentários ao sistema legal brasileiro de licitações e contratos administrativos; e (f) Temas Atuais de Direito Público. Professora nos cursos de: Pós-Graduação em Direito Público com ênfase em Direito Administrativo da UniRitter - Laureate International Universities e em Direito Administrativo e Gestão Pública da Fundação Escola Superior do Ministério Público no Estado do Rio Grande do Sul. Professora nos seguintes cursos de extensão: “Capacitação em Licitações e Contratos Administrativos” da Escola da Magistratura no Estado do Rio Grande do Sul, “Prática em Licitações e Contratações Públicas” e “Prática em Licitações e Contratações das Empresas Estatais” da Escola Superior da Magistratura Federal do Estado do Rio Grande do Sul.