*Marinês Restelatto Dotti
O Supremo Tribunal Federal - STF, quando da apreciação do Recurso Extraordinário nº 1.156.016/SP (Rel. Min. Luiz Fux, DJe 28.09.2018), julgado sob a sistemática da Repercussão Geral, com decisão confirmada no julgamento do Agravo Regimental (DJe 16/05/2019), assentou o entendimento de que os municípios não estão obrigados a constituírem suas procuradorias jurídicas mediante a contratação de advogados concursados, uma vez que as normas dos artigos 131 e 132 da Constituição Federal de 1988 têm sua aplicação restrita a Estados e União Federal, sendo cediço que não são normas de repetição obrigatória na federação brasileira, podendo os municípios, por isso, terceirizarem os serviços jurídicos destinados ao atendimento de suas demandas na área de consultoria e patrocínio na esfera judicial.
Ao município foi concedido poder de auto organizar-se mediante a edição de lei orgânica (art. 29 da Constituição Federal), inclusive com a faculdade de legislar sobre assuntos de interesse local (art. 30, inciso I, da Constituição Federal), como o que trata da organização municipal dos serviços advocatícios, sendo certo que a instituição de procuradoria em nível municipal é decisão a ser tomada mediante a observância das peculiaridades locais, perquirindo-se acerca da necessidade de criação de tal órgão.
A opção de instituir ou não um corpo próprio de procuradores municipais é decisão de competência de cada município, como ente federativo dotado de autonomia. Entretanto, feita a opção por sua instituição, o provimento de seus cargos deve ocorrer mediante prévia aprovação em concurso público, visto que a possibilidade de contratação direta e genérica de serviços de representação judicial e extrajudicial configura ofensa aos ditames constitucionais.
A Constituição do Estado não pode impor aos municípios, no que diz respeito à sua capacidade de auto-organização, outras restrições, além daquelas já previstas na Constituição da República.
Sobre esse tema, o STF considera que, a partir da Constituição de 1988, o Estado, fora das hipóteses expressamente previstas, não dispõe de competência originária para intervir na organização do município (ADI/MC nº 2.112-5/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 11/05/2000). Posicionamento que tem sido reiterado em julgados da Corte, persistentes em que os municípios não estão obrigados à instituição da figura da advocacia pública (RE 225.777/MG, Relator para Acórdão Min. Dias Toffoli, j. 24/2/2011, Pleno), porque não há na Constituição Federal previsão que os obrigue a essa instituição (RE nº 690.765/MG, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 05/08/2014), tanto que, quando a Constituição Federal quis submeter o legislador municipal à Constituição estadual, previu tais hipóteses expressamente, a exemplo do disposto no art. 29, incisos VI, IX e X, da Constituição Federal (Ag.Rg no Recurso Extraordinário nº 883.445/SP, Rel. Min. Roberto Barroso). No mesmo sentido: AgReg no RE nº 893.694/SE, Rel. Min. Celso de Mello, j. 21/10/2016).
Recentemente, o STF (ADI 6331/PE. Órgão julgador: Tribunal Pleno. Relator(a): Min. LUIZ FUX. Julgamento: 08/04/2024 - Virtual) assentou o entendimento de que é inconstitucional — por ofensa aos postulados da autonomia municipal (CF/1988, art. 30, I) e do concurso público para provimento de cargos (CF/1988, art. 37, II) — norma de Constituição estadual que obrigue a criação de procuradorias nos municípios e permite a contratação, sem concurso público, de advogados para nelas atuarem.
O texto constitucional não previu a obrigatoriedade de instituição de procuradorias municipais (CF/1988, artigos 131 e 132), de modo que não cabe à Constituição estadual restringir o poder de auto-organização dos municípios [1]. Ademais, não há norma constitucional de reprodução obrigatória que vincule o Poder Legislativo municipal à criação de órgãos próprios de advocacia pública.
A opção de instituir ou não um corpo próprio de procuradores municipais é decisão de competência de cada município, como ente federativo dotado de autonomia. Entretanto, feita a opção por sua instituição, o provimento de seus cargos deve ocorrer mediante prévia aprovação em concurso público [2], visto que a possibilidade de contratação direta e genérica de serviços de representação judicial e extrajudicial configura ofensa aos ditames constitucionais.
Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, julgou parcialmente procedente a ação para (i) conferir interpretação conforme a Constituição ao art. 81-A, caput, da Constituição do Estado de Pernambuco [3], no sentido de que a instituição de procuradorias municipais depende de escolha política autônoma de cada município, no exercício da prerrogativa de sua auto-organização, sem que essa obrigatoriedade derive automaticamente da previsão de normas estaduais; (ii) declarar a inconstitucionalidade dos §§ 1º e 3º do art. 81-A da Constituição do Estado de Pernambuco [4], tendo em vista que, feita a opção municipal pela criação de um corpo próprio de procuradores, a realização de concurso público é a única forma constitucionalmente possível de provimento desses cargos (CF/1988, art. 37, II) [...], ressalvadas as situações excepcionais em que também à União, aos Estados e ao Distrito Federal se possibilita a contratação de advogados externos, conforme os parâmetros reconhecidos pela jurisprudência da Corte.
Registre-se, sobre o assunto, que a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), do Senado, aprovou, no ano de 2024, proposta de emenda à Constituição (PEC 28/2023) que obriga municípios com mais de 60 mil habitantes a instituírem procuradores municipais — responsáveis por prestar consultoria jurídica e representar os municípios nos processos judiciais. O projeto cria prazos diferentes para a criação de procuradorias pelos municípios, a contar da vigência da emenda constitucional:
(a) em até 6 anos, se mais de 100 mil habitantes;
(b) em até 8 anos, se entre 60 mil e 100 mil habitantes;
(c) facultativo, se menor que 60 mil habitantes.
A regra também será válida para as cidades onde, futuramente, o censo demográfico do IBGE registrar o número de habitantes mínimo estabelecido pelo projeto. Segundo o órgão, 90% dos municípios brasileiros possuem menos de 60 mil habitantes.
https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/157895
Sendo a instituição de procuradorias municipais, dependente de escolha política autônoma de cada município, no exercício de prerrogativa de sua auto-organização, conforme assentado pelo STF, é juridicamente possível a contratação de advogado privado para a realização de consultoria e patrocínio na esfera judicial ou administrativa? Ver-se-á a seguir.
A regra para a contratação de serviços advocatícios é a licitação. Contudo, certas situações, quando encaradas sob a perspectiva de compra e venda, subvertem, no caso de serviço advocatício, o elemento confiança, que integra o conceito de melhor técnica, perde-se quando se busca um profissional pelo menor preço a partir da licitação. Daí o novo marco legal das licitações, como o fazia a revogada Lei nº 8.666/1993, conferir à administração pública a possibilidade de contratar serviços técnicos especializados nas áreas de consultoria e patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas, desempenhados por advogados, de forma direta, amparada na inexigibilidade de licitação.
Há serviços de natureza personalíssima que se notabilizam pela patente inviabilidade de competição. A singularidade dos serviços prestados por advogado consiste em seus conhecimentos individuais, estando ligada à sua capacitação profissional, sendo, dessa forma, inviável escolher o melhor profissional, para prestar serviço de natureza intelectual, por meio de licitação, pois tal mensuração não se funda em critérios objetivos (como o menor preço). Diante da natureza intelectual e singular dos serviços de assessoria jurídica, fincados, principalmente, na relação de confiança, é lícito ao administrador, desde que movido pelo interesse público, utilizar da discricionariedade, que lhe foi conferida pela lei, para a escolha do profissional habilitado ao desempenho necessário no exercício do patrocínio.
... é admitida a contratação direta, por inexigibilidade de licitação, de serviços de assessoria e consultoria jurídicas e de patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas, desde que demonstrada que a seleção do melhor executor, de forma direta, funda-se em grau de subjetividade insuscetível de ser medido pelos critérios objetivos de qualificação inerentes ao processo de licitação, bem como a notória especialização do prestador, como definida nos artigos 6º, inciso XIX, e 74, § 3º, da Lei nº 14.133/2021;
Segundo o art. 74, inciso III, da Lei nº 14.133/2021, é inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial para a contratação de serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual com profissionais ou empresas de notória especialização. Consideram-se serviços técnicos profissionais especializados, exercidos por advogados, os trabalhos relativos a assessorias ou consultorias e, ainda, o patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas.
Inexigibilidade constitui exceção que deve ser precedida da comprovação da inviabilidade fática ou jurídica da competição. A prestação de serviços advocatícios pode desenvolver-se, como mencionado, na área de assessoria e consultoria jurídicas, por meio da emissão de pareceres, e do patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas. Para que a contratação direta encontre fundamento na inexigibilidade de licitação, contudo, é preciso demonstrar-se a notória especialização do profissional ou do escritório de advocacia.
A Lei nº 14.039/2020, que alterou a Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da OAB), estabeleceu que os serviços profissionais de advogado são, por sua natureza, técnicos e singulares, quando comprovada sua notória especialização. De acordo com a Lei nº 14.039/2020, toda e qualquer atividade exercida pelo profissional do Direito notabiliza-se pela singularidade, que deve estar conjugada com a notória especialização do profissional ou da equipe de profissionais que se pretenda contratar.
No âmbito da nova lei de licitações e contratações administrativas, a contratação de serviços técnicos especializados, de natureza predominantemente intelectual, deve ser efetivada com profissionais ou empresas de notória especialização, inexigível o requisito da singularidade previsto na revogada Lei nº 8.666/1993.
A notória especialização encontra definição nos artigos 6º, inciso XIX, e 74, § 3º, da Lei nº 14.133/2021, e, ainda, no parágrafo único do artigo 3º-A, da Lei nº 14.039/2020. Trata-se do profissional ou empresa cujo conceito, no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato. A notória especialização, pois, é aquela de caráter absolutamente extraordinário e incontestável — que fala por si. É posição excepcional, que põe o profissional no ápice de sua carreira e do reconhecimento, espontâneo, no mundo do Direito, mesmo que regional, seja pela longa e profunda dedicação a um tema, seja pela publicação de obras e o exercício da atividade docente em instituições de prestígio.
O voto do ministro Luís Roberto Barroso, na Ação Direta de Constitucionalidade nº 45 (número único 4003252-92.2016.1.00.0000), a respeito da constitucionalidade dos artigos 13, inciso V, e 25, inciso II, da Lei nº 8.666/1993, que tratam, respectivamente, da qualificação dos serviços técnicos profissionais especializados e das hipóteses de inviabilidade de licitação, elencou, além da notória especialização do profissional a ser contratado e da natureza “singular” do serviço, outros três requisitos indispensáveis à legitimidade da contratação direta de advogados com base na inexigibilidade de licitação. São eles: "necessidade de procedimento administrativo formal", "contratação pelo preço de mercado" e "inadequação da prestação do serviço pelo quadro próprio do poder público".
A "necessidade de procedimento administrativo formal" é velha conhecida da administração pública. Encontra previsão no art. 1º da Lei nº 8.159/1991, que, dispondo sobre a política nacional de arquivos públicos e privados, fixa como deveres do poder público a gestão documental e a proteção especial a documentos de arquivos, como instrumento de apoio à administração e como elemento de prova e informação, e, ainda, no caput do art. 72 da Lei nº 14.133/2021, segundo o qual o "processo" de contratação direta, que compreende os casos de inexigibilidade e de dispensa de licitação, deverá ser instruído com os documentos que o mesmo dispositivo indica.
A "contratação pelo preço de mercado" também encontra previsão no art. 72 da Lei nº 14.133/2021. Seus incisos II e VII, respectivamente, elencam como elementos obrigatórios, a constar no processo da contratação direta, a estimativa da despesa e a justificativa do preço. Tão importante é o atendimento desse requisito legal que, segundo o art. 73 da Lei, na hipótese de contratação direta indevida ocorrida com dolo, fraude ou erro grosseiro, o contratado e o agente público responderão solidariamente pelo dano causado ao erário, sem prejuízo de outras sanções legais cabíveis.
Especial atenção deverá ter o gestor público para que a atividade terceirizada ao advogado privado, contratado por meio de inexigibilidade de licitação, não seja também desempenhada por quadro próprio de advogados públicos da instituição. Nesse sentido, confira-se, em nota de rodapé[1], decisão do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais sobre a possibilidade de execução indireta de serviços de assessoria jurídica em âmbito municipal.
Ainda segundo o voto do ministro Luís Roberto Barroso, a "disciplina constitucional da advocacia pública (artigos 131 e 132, da CF/88) impõe que, em regra, a assessoria jurídica das entidades federativas, tanto na vertente consultiva como na de defesa em juízo, caiba aos advogados públicos". Traduz-se o requisito previsto no voto, acerca da observância, pelo gestor contratante, de eventual "inadequação da prestação do serviço pelo quadro próprio do poder público": a terceirização de atividades que são próprias do cargo público, in casu, de advogados públicos, infringe o disposto no artigo 37, inciso II, da Constituição Federal, segundo o qual a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração. Por isso, segundo o ministro, somente em caráter excepcional, desde que plenamente configurada a impossibilidade ou relevante inconveniência de que a atribuição seja exercida pelos membros da advocacia pública, caberá a contratação direta de advogados privados.
Registre-se, ainda, no âmbito do STF, os julgados que seguem, acerca da contratação de serviços jurídicos, por órgãos e entidades públicas:
EMENTA Direito constitucional e administrativo. Improbidade administrativa. Necessidade de dolo. Inexigibilidade de licitação. Contratação pelos municípios de escritório de advocacia para patrocínio e defesa de causas perante os tribunais de contas estaduais. Requisitos. 1. O ato de improbidade administrativa deve ser entendido como ato violador do princípio constitucional da probidade administrativa, ou seja, aquele no qual o agente pratica o ato violando o dever de agir com honestidade. Isso é, o agente ímprobo atua com desonestidade, ao que se conectam a deslealdade e a má-fé. 2. Estando a desonestidade relacionada com o dolo, não é possível desvincular a improbidade administrativa, a qual depende da desonestidade, do referido elemento subjetivo, isso é, do dolo. Nessa toada, o dolo é necessário para a configuração de qualquer ato de improbidade administrativa (art. 37, § 4º, da Constituição Federal), sendo inconstitucional a modalidade culposa prevista nos arts. 5º e 10 da Lei nº 8.429/92, com sua redação originária. 3. No que diz respeito aos arts. 13, inciso V, e 25, inciso II, da Lei nº 8.666/93, deve-se ter em mente, como bem apontou o Ministro Roberto Barroso, que a disciplina constitucional da advocacia pública (arts. 131 e 132 da CF) impõe que, em regra, a assessoria jurídica das entidades federativas, tanto na vertente consultiva como na defesa em juízo, caiba aos advogados públicos. Excepcionalmente, caberá a contratação de advogados privados, desde que plenamente configurada a impossibilidade ou relevante inconveniência de que a atribuição seja exercida pelos membros da advocacia pública. 4. Ainda em relação aos dispositivos mencionados, insta realçar que, mesmo que a contratação direta envolva atuações de maior complexidade e responsabilidade, é necessário que a Administração Pública demonstre que os honorários ajustados se encontram dentro de uma faixa de razoabilidade, segundo os padrões do mercado, observadas as características próprias do serviço singular e o grau de especialização profissional. 5. Foram fixadas as seguintes teses de repercussão geral: a) O dolo é necessário para a configuração de qualquer ato de improbidade administrativa (art. 37, § 4º, da Constituição Federal), de modo que é inconstitucional a modalidade culposa de ato de improbidade administrativa prevista nos arts. 5º e 10 da Lei nº 8.429/92, com sua redação originária; b) São constitucionais os arts. 13, inciso V, e 25, inciso II, da Lei nº 8.666/93, desde de que interpretados de maneira que a contratação direta de serviços advocatícios pela Administração Pública por inexigibilidade de licitação, além dos critérios já previstos expressamente (necessidade de procedimento administrativo formal; notória especialização profissional; natureza singular do serviço), observe: (i) a inadequação da prestação do serviço pelos integrantes do Poder Público; e (ii) a cobrança de preço compatível com o praticado pelo mercado. 6. RE nº 610.523/SP julgado prejudicado e RE nº 656.558/SP ao qual se dá provimento, restabelecendo-se a decisão em que se julgou improcedente a ação. (RE 656558, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 28-10-2024, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-s/n DIVULG 10-02-2025 PUBLIC 11-02-2025);
Ementa. Decisões do Tribunal de Contas da União (Acórdão nº 3.071/2011 e Acórdão nº 2.833/2012) que determinaram à impetrante que se abstivesse de realizar a contratação de serviços advocatícios objeto da Tomada de Preços DAC nº 02/2011. 2. No julgamento do RE 599.628-RG, acerca da aplicabilidade do regime de precatórios, prevaleceu a tese de que a sociedade de economia mista atuante no setor elétrico deve se submeter aos instrumentos de garantia do equilíbrio concorrencial, nos termos do art. 173, § 1º, II e § 2º, da Constituição Federal. Em se tratando de empresas estatais inseridas em regime concorrencial, a terceirização deve seguir lógica semelhante àquela prevista para a iniciativa privada. 3. Deve ser concedida à empresa estatal que explora atividade econômica certa margem de discricionariedade para a escolha da melhor forma de atuação em demandas jurídicas, sendo legítima a utilização de corpo jurídico próprio de forma exclusiva ou parcial, bem como de contratação de advogados ou escritórios de advocacia também de forma exclusiva ou parcial. 4. A escolha administrativa, no entanto, deve atender às seguintes condições: (i) observância, como regra geral, do procedimento licitatório, salvo os casos em que cabalmente demonstrada sua inexigibilidade; (ii) elaboração de uma justificativa formal e razoável; (iii) demonstração, pautada por evidências concretas, da economicidade da medida, bem como da impossibilidade ou inconveniência da utilização do corpo jurídico próprio da entidade. 5. No caso concreto, foram atendidos os requisitos acima, sendo que a escolha realizada pela agravada está em conformidade com os ditames da eficiência, impessoalidade e moralidade, sendo proporcionalmente justificada. 6. A possibilidade de utilização da terceirização pelas empresas estatais foi ampliada pelo Decreto nº 9.507/2018. O caso dos autos se enquadra no art. 4º, I e II, c/c o § 1º, do referido diploma. 7. Agravo a que se nega provimento. (MS 31718 AgR-segundo, Órgão julgador: Primeira Turma, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO. Julgamento: 04/10/2021 Publicação: 11/10/2021).
Conclui-se, pois, sobre a contratação de advogado ou escritório de advocacia pela administração pública, que:
(a) a opção de instituir ou não um corpo próprio de procuradores municipais é decisão de competência de cada município, como ente federativo dotado de autonomia;
(b) feita a opção pela instituição de procuradoria própria, o provimento de seus cargos deve ocorrer mediante prévia aprovação em concurso público;
(c) a execução indireta de assessoria e consultoria jurídicas e de patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas, compatível com os paradigmas legais, deve observar a regra definida no art. 37, inciso XXI, da Constituição da República, ou seja, contratação mediante a realização de procedimento licitatório;
(d) é admitida a contratação direta, por inexigibilidade de licitação, de serviços de assessoria e consultoria jurídicas e de patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas, desde que demonstrada que a seleção do melhor executor, de forma direta, funda-se em grau de subjetividade insuscetível de ser medido pelos critérios objetivos de qualificação inerentes ao processo de licitação, bem como a notória especialização do prestador, como definida nos artigos 6º, inciso XIX, e 74, § 3º, da Lei nº 14.133/2021;
(e) o requisito da singularidade deixou de ser exigido pela nova lei de licitações e contratações administrativas;
(f) efetiva-se a contratação direta observando-se os requisitos previstos no art. 72 da Lei nº 14.133/2021;
(g) a possibilidade de contratação de advogado ou escritório privado, seja por meio de licitação, seja por inexigibilidade, será afastada quando as atividades objeto do contrato forem inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou da entidade, ou seja, é vedada a contratação de advogado privado quando existir no órgão ou entidade quadro próprio de advogados públicos concursados; e
(h) somente em caráter excepcional[2], desde que plenamente configurada a impossibilidade ou relevante inconveniência de que a atribuição seja exercida pelos membros da advocacia pública, caberá a contratação direta de advogados privados (ADC nº 45 - número único 4003252-92.2016.1.00.0000).
Referências:
[1] Precedentes citados: RE 1.156.016 AgR, RE 1.292.739 AgR, RE 1.205.434 AgR, RE 1.188.648 AgR e RE 1.097.053 AgR.
[2] Precedente citado: RE 663.696 (Tema 510 RG).
[3] Constituição do Estado de Pernambuco: “Art. 81-A. No âmbito dos Municípios, bem como de suas autarquias e fundações públicas, o assessoramento e a consultoria jurídica, bem como a representação judicial e extrajudicial, serão realizadas pela Procuradoria Municipal.”
[4] Constituição do Estado de Pernambuco: “Art. 81-A (...) § 1º As atribuições da Procuradoria Municipal poderão ser exercidas, isolada ou concomitantemente, através da instituição de quadro de pessoal composto por procuradores em cargos permanentes efetivos ou da contratação de advogados ou sociedades de advogados. (...) § 3º A contratação de advogados ou sociedades de advogados pelos entes municipais obedecerá aos ditames da legislação federal que disciplina as normas para licitações e contratos da Administração Pública.”
[5] CF/1988: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;”.
[1] [...] Trata-se de consulta formulada por presidente da Câmara Municipal, indagando se a Câmara pode contratar, por licitação, serviços advocatícios especializados para assessorar processo licitatório de contratação de agência para promover publicidade de orientação social e de caráter informativo e institucional.
Em sede de preliminar, a Consulta foi conhecida, nos termos do voto do Relator, Conselheiro Cláudio Couto Terrão, ficando vencidos os Conselheiros Gilberto Diniz e Wanderley Ávila, que votaram pela inadmissão da consulta.
No mérito, o Relator destacou, com fulcro no prejulgamento de tese fixado na Consulta n. 887769, que a regra é a atribuição das atividades jurídicas a servidores de carreira, investidos mediante concurso público (ver, também, Consultas n. 684672, 708580, 735385, 765192 e 873919).
Nada obstante, a relatoria ressalvou que, desde a conclusão dessas deliberações, muitas alterações ocorreram na realidade da Administração Pública, com o aprofundamento do processo de desconcentração e descentralização das funções estatais. Nessa contextura, salientou que as Leis n. 13.429/2017 e 13.467/2017 inovaram, substancialmente, a sistemática da terceirização, até então disciplinada pela Lei n. 6.019/1974, e deram amparo legal à transferência pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução.
Em seguida, o Relator asseverou que este Tribunal, em sede de deliberação da Consulta n. 1024677, reconheceu que, com a novel normatização, restou superada a ideia de que a terceirização se pauta pelas noções de atividade-fim ou atividade-meio, ou mesmo de atividades “materiais acessórias, instrumentais ou complementares”. Sendo assim, é possível a terceirização de todas as atividades, no âmbito da administração direta, autárquica e fundacional, que não detenham natureza típica de Estado e que não reflitam o seu poder de império, para as quais segue prevalecendo a regra do concurso público, estabelecida no art. 37, II, da Constituição da República. Tal prejulgamento de tese, com caráter normativo, foi reforçado na Consulta n. 1040717.
Com efeito, em face das disposições da Lei n. 6.019/1974, com as alterações conferidas pelas Leis n. 13.429/2017 e 13.467/2017, do Decreto Federal n. 9.507/2018, por aplicação analógica, e, notadamente, do parecer emitido na Consulta n. 1024677, a relatoria considerou que não há impedimento, a priori, para a execução indireta do serviço de assessoramento jurídico no âmbito municipal, desde que as atividades contratadas não caracterizem manifestação do poder de império estatal, estando vedada para as funções que: a) envolvam a tomada de decisão ou posicionamento institucional nas áreas de planejamento, coordenação, supervisão e controle; b) sejam consideradas estratégicas para o órgão ou a entidade, cuja terceirização possa colocar em risco o controle de processos e de conhecimentos e tecnologias; c) estejam relacionadas ao poder de polícia, de regulação, de outorga de serviços públicos e de aplicação de sanção; d) sejam inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou da entidade, exceto disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal.
Uma vez admitida, em abstrato, a possibilidade de execução indireta dos serviços de assessoria jurídica no âmbito municipal, inclusive para orientação quanto à contratação de agência para promoção de publicidade de orientação social e de caráter informativo e social, desde que as atividades contratadas não caracterizem manifestação do poder de império estatal, nos moldes delineados no art. 3º do Decreto Federal n. 9.507/2018, o Relator alteou que, caso a execução indireta dos serviços de assessoria jurídica seja compatível com os paradigmas discriminados no caput e no inciso XXI do art. 37 da Constituição da República, a deflagração de procedimento licitatório para a contratação é a primeira opção a ser considerada pelo gestor.
Ressalvou, todavia, que o próprio texto constitucional contempla a possibilidade de a legislação prever ressalvas, que consistem, basicamente, nas hipóteses de dispensa e inexigibilidade de licitação, delineadas nos arts. 17, 24 e 25 da Lei n. 8.666/1993, situações em que, segundo a avaliação em abstrato do legislador, a contratação direta sem competição atenderia em maior escala o interesse público. Afinal, não há que se considerar a licitação como um fim em si mesma, senão como um instrumento destinado a selecionar a proposta que melhor atende aos princípios do caput do art. 37 da Constituição no momento das contratações públicas.
Nesse diapasão, a relatoria destacou que o inciso II do art. 25 da Lei n. 8.666/1993, que cuida de situações em que as circunstâncias fáticas inviabilizam a competição, preceitua a inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 da aludida Lei, de natureza singular, com profissionais de notória especialização.
À vista da indeterminação dos conceitos legais, esta Corte de Contas foi instada inúmeras vezes a se manifestar acerca da caracterização dos elementos nucleares desse dispositivo, quais sejam a notória especialização dos profissionais e a singularidade do objeto, tendo sua jurisprudência há muito se assentado quanto à ausência desta última quando os serviços pretendidos constituam atividades de menor complexidade ou próprias da rotina administrativa, consoante entendimento firmado na Consulta n. 746716, com remissões ao Incidente de Uniformização de Jurisprudência n. 684973, e sumulado no Enunciado n. 106, nos seguintes termos:
Nas contratações de serviços técnicos celebradas pela Administração com fundamento no artigo 25, inciso II, combinado com o art. 13 da Lei n. 8.666/1993, é indispensável a comprovação tanto da notória especialização dos profissionais ou empresas contratadas como da singularidade dos serviços a serem prestados, os quais, por sua especificidade, diferem dos que, habitualmente, são afetos à Administração.
O Relator, entretanto, propôs um avanço na análise da singularidade que justifica a contratação pública direta, em virtude da inexigibilidade de licitação, asseverando que o que qualifica o serviço como singular não é a habitualidade por sua demanda dentro da rotina administrativa ou a sua complexidade, abstratamente considerada, ou não apenas isso, mas sim o aspecto subjetivo da prestação do serviço, avaliado sob a ótica do prestador, que envolve a metodologia empregada, a experiência específica, o elemento criativo, o traço pessoal do profissional, que agregam às atividades qualidades que as tornam distintas de todas as outras disponíveis no mercado.
Assim, é possível que existam tantos outros potenciais prestadores do serviço, mas que aspectos subjetivos, relacionados aos meios empregados, indiquem apenas um deles como apto a atender à necessidade pública.
Ressaltou, ainda, que essa evolução quanto à caracterização da singularidade do objeto para fins de inexigibilidade de licitação, bem como a inviabilidade de competição em razão dos aspectos subjetivos já vêm sendo reconhecidas na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, conforme decisão exarada na Ação Penal n. 348/SC, sob a relatoria do Ministro Eros Grau.
De igual modo, o Tribunal de Contas da União também segue tal linha argumentativa, consoante decisão proferida nos autos do Processo n. TC 017.110/2015-7 (Acórdão n. 2616/2015), de relatoria do Ministro Benjamin Zymler.
Nesses termos, o Relator destacou que a caracterização da hipótese de inexigibilidade calcada no inciso II do art. 25 da Lei n. 8.666/1993, em especial no que concerne ao elemento da singularidade, não deve estar adstrita à ausência de habitualidade dos serviços, como exposto na Súmula n. 106, tendo em vista que a singularidade se faz presente quando, na escolha do prestador de serviços mais apto para o alcance das finalidades, incidem critérios preponderantemente subjetivos, tornando inviável a competição.
Destarte, a relatoria asseverou ser possível também a contratação direta por inexigibilidade de licitação dos serviços de assessoria jurídica, porquanto serviço técnico especializado previsto no art. 13 da Lei n. 8.666/1993, desde que comprovadas no caso concreto, por meio do procedimento de justificação descrito no art. 26 da mesma norma, a notória especialização do prestador e a singularidade do objeto, assim considerado aquele que exige, na seleção do melhor executor, grau de subjetividade insuscetível de ser medido pelos critérios objetivos de qualificação inerentes ao processo de licitação.
Nessa contextura, o Relator respondeu ao questionamento formulado pelo consulente, nos seguintes termos:
1) é possível a execução indireta dos serviços de assessoria jurídica no âmbito municipal, desde que as atividades contratadas não caracterizem manifestação do poder de império estatal, estando vedada para as funções que: a) envolvam a tomada de decisão ou posicionamento institucional nas áreas de planejamento, coordenação, supervisão e controle; b) sejam consideradas estratégicas para o órgão ou a entidade, cuja terceirização possa colocar em risco o controle de processos e de conhecimentos e tecnologias; c) estejam relacionadas ao poder de polícia, de regulação, de outorga de serviços públicos e de aplicação de sanção; d) sejam inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou da entidade, exceto disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal;
2) a execução indireta dos serviços de assessoria jurídica compatível com os paradigmas legais deve observar a regra definida no art. 37, XXI, da Constituição da República, ou seja, contratação mediante a realização de procedimento licitatório;
3) é possível, porém, a contratação direta, por inexigibilidade de licitação, dos serviços de assessoria jurídica quando caracterizados como serviço técnico especializado previsto no art. 13 da Lei n. 8.666/1993, desde que comprovadas no caso concreto, por meio do procedimento de justificação descrito no art. 26 da mesma norma, a notória especialização do prestador e a singularidade do objeto, assim considerado aquele que exige, na seleção do melhor executor, grau de subjetividade insuscetível de ser medido pelos critérios objetivos de qualificação inerentes ao processo de licitação.
O Tribunal Pleno, por maioria, aprovou o voto do Relator, restando vencido, em parte, o Conselheiro Gilberto Diniz, que se limitou a responder objetivamente à indagação do consulente, ou seja, que a Câmara pode contratar, por licitação, serviços advocatícios especializados para assessorar processo licitatório de contratação de agência para promover publicidade de orientação social e de caráter informativo e institucional, se esse for o caso.
Por fim, destaca-se que a resposta dada à presente Consulta resultou na revogação da tese estabelecida nas Consultas n. 684672, 708580, 735385, 765192, 873919 e 888126, porquanto incompatíveis com os itens 1 e 2 do parecer. [Processo n. 1076932 – Consulta. Rel. Cons. Cláudio Couto Terrão, deliberado em 3.2.2021]
[2] De acordo com o Tribunal de Contas da União, a terceirização de atividades advocatícias previstas em plano de cargos do órgão ou entidade pode ser permitida, em caráter excepcional, nas seguintes hipóteses: (a) demanda excessiva, incompatível com o volume de serviço passível de ser executado por servidores ou empregados do quadro próprio; (b) especificidade do objeto a ser executado; e (c) conflitos entre os interesses da instituição e dos empregados que poderiam vir a defendê-la (Acórdão nº 141/2013 – Plenário, Rel. Min. Walton Alencar Rodrigues, Processo nº 008.671/2011-7).