Opinião

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    REEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO SOB A ÓTICA DA REVOGADA LEI Nº 8.666/1993 E DA LEI Nº 14.133/2021

    *Marinês Restelatto Dotti

     

    Sumário: 1. Introdução. 2. Reajustamento. 2.1 na Lei nº 8.666/1993. 2.2 na Lei nº 14.133/2021. 2.3 outros diplomas. 2.4 termo inicial para o cômputo da anualidade. 2.4.1 na Lei nº 8.666/1993. 2.4.2 na Lei nº 14.133/2021. 2.5 o reajuste é automático? 3. Revisão. 3.1 na Lei nº 8.666/1993. 3.2 na Lei nº 14.133/2021. 3.3 sobre a revisão e seus requisitos. 3.4 inflação monetária. 3.5 variação cambial. 3.6 inexequibilidade de preço unitário. 4. Repactuação. 4.1 na Lei nº 8.666/1993. 4.2 na Lei nº 14.133/2021. 4.3 outros diplomas. 5. Conclusão

     

    Resumo: As chamadas cláusulas econômicas de um contrato podem ser objeto de reequilíbrio econômico-financeiro em decorrência de elevações de preços que tornem mais onerosas as prestações a que esteja obrigado o contratado, o que se fará por meio de revisão ou de repactuação, como, ainda, contra o desgaste do poder aquisitivo da moeda, o que se garantirá por meio do reajustamento. Esquadrinhar cada uma dessas espécies, sob a ótica da revogada Lei nº 8.666/1993 e da Lei nº 14.133/2021 é o propósito deste estudo.

     

     

    1. Introdução

    O reequilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo é tema habitual na rotina jurídico-administrativa de gestores públicos. Encontra respaldo no art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal de 1988, verbis:

     

    ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.  (grifei)

     

    A intangibilidade das cláusulas econômico-financeiras deve ficar defendida tanto contra as intercorrências que o contratado venha a sofrer em virtude de alteração unilateral que aumente ou diminua os encargos do contrato, quanto contra elevações de preços que tornem mais onerosas as prestações a que esteja obrigado, o que se fará por meio do reequilíbrio econômico-financeiro. Importante frisar: a intangibilidade é da equação equilibrada, não da literalidade do preço; este pode ser alterado, desde que mantida aquela.

    Realizar-se-á, neste estudo, a análise dos institutos jurídicos do reajuste, da revisão e da repactuação, espécies do gênero reequilíbrio econômico-financeiro, com base na revogada Lei nº 8.666/1993, em vista do disposto no parágrafo único do art. 191 da Lei nº 14.133/2021, o qual estabelece que o contrato celebrado com base naquele diploma (Lei nº 8.666/1993) será regido pelas regras nele previstas, durante toda a sua vigência, e, também, com base no novo marco legal das licitações e contratações administrativas.

     

    2. Reajustamento

    O reajustamento é a via jurídica adequada para preservar o equilíbrio econômico-financeiro inicialmente estabelecido pelas partes, quando elevações dos custos se mostrem capazes de inviabilizar a execução do objeto contratado. É instrumento de equilíbrio econômico-financeiro que visa remediar os efeitos da inflação, por meio da aplicação de índice geral, específico ou setorial (IPCA, IGPM, INCC, ICTI).

     

    2.1 na Lei nº 8.666/1993

    No âmbito da Lei nº 8.666/1993, o reajuste encontra previsão nos artigos 5º, §1º, 40, inciso XI e 55, inciso III. Assim:

     

    Art. 5º  Todos os valores, preços e custos utilizados nas licitações terão como expressão monetária a moeda corrente nacional, ressalvado o disposto no art. 42 desta Lei, devendo cada unidade da Administração, no pagamento das obrigações relativas ao fornecimento de bens, locações, realização de obras e prestação de serviços, obedecer, para cada fonte diferenciada de recursos, a estrita ordem cronológica das datas de suas exigibilidades, salvo quando presentes relevantes razões de interesse público e mediante prévia justificativa da autoridade competente, devidamente publicada.

    § 1º  Os créditos a que se refere este artigo terão seus valores corrigidos por critérios previstos no ato convocatório e que lhes preservem o valor.

    [...]

    Art. 40.  O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte:

    [...]

    XI - critério de reajuste, que deverá retratar a variação efetiva do custo de produção, admitida a adoção de índices específicos ou setoriais, desde a data prevista para apresentação da proposta, ou do orçamento a que essa proposta se referir, até a data do adimplemento de cada parcela; 

    [...]

    Art. 55.  São cláusulas necessárias em todo contrato as que estabeleçam:

    [...]

    III - o preço e as condições de pagamento, os critérios, data-base e periodicidade do reajustamento de preços, os critérios de atualização monetária entre a data do adimplemento das obrigações e a do efetivo pagamento;

     

    2.2 na Lei nº 14.133/2021

    Na Lei nº 14.133/2021, o novo marco legal das licitações e contratações administrativas, o reajuste ou reajustamento encontra previsão nos seguintes dispositivos:

     

    Art. 6º [...] LVIII - reajustamento em sentido estrito: forma de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro de contrato consistente na aplicação do índice de correção monetária previsto no contrato, que deve retratar a variação efetiva do custo de produção, admitida a adoção de índices específicos ou setoriais;

    [...]

    Art. 25 O edital deverá conter o objeto da licitação e as regras relativas à convocação, ao julgamento, à habilitação, aos recursos e às penalidades da licitação, à fiscalização e à gestão do contrato, à entrega do objeto e às condições de pagamento.

    [...]

    § 7º Independentemente do prazo de duração do contrato, será obrigatória a previsão no edital de índice de reajustamento de preço, com data-base vinculada à data do orçamento estimado e com a possibilidade de ser estabelecido mais de um índice específico ou setorial, em conformidade com a realidade de mercado dos respectivos insumos.

    § 8º Nas licitações de serviços contínuos, observado o interregno mínimo de 1 (um) ano, o critério de reajustamento será por:

    I - reajustamento em sentido estrito, quando não houver regime de dedicação exclusiva de mão de obra ou predominância de mão de obra, mediante previsão de índices específicos ou setoriais;

    II - repactuação, quando houver regime de dedicação exclusiva de mão de obra ou predominância de mão de obra, mediante demonstração analítica da variação dos custos.

    [...]

    Art. 92

    [...]

    § 3º Independentemente do prazo de duração, o contrato deverá conter cláusula que estabeleça o índice de reajustamento de preço, com data-base vinculada à data do orçamento estimado, e poderá ser estabelecido mais de um índice específico ou setorial, em conformidade com a realidade de mercado dos respectivos insumos.

    § 4º Nos contratos de serviços contínuos, observado o interregno mínimo de 1 (um) ano, o critério de reajustamento de preços será por:

    I - reajustamento em sentido estrito, quando não houver regime de dedicação exclusiva de mão de obra ou predominância de mão de obra, mediante previsão de índices específicos ou setoriais;

    II - repactuação, quando houver regime de dedicação exclusiva de mão de obra ou predominância de mão de obra, mediante demonstração analítica da variação dos custos.

    [...]

    Art. 136. Registros que não caracterizam alteração do contrato podem ser realizados por simples apostila, dispensada a celebração de termo aditivo, como nas seguintes situações:

    I - variação do valor contratual para fazer face ao reajuste ou à repactuação de preços previstos no próprio contrato;

     

    2.3 outros diplomas

    O reajuste também encontra previsão nos seguintes diplomas vigentes:

    Lei nº 10.192/2001:

     

    Art. 2º É admitida estipulação de correção monetária ou de reajuste por índices de preços gerais, setoriais ou que reflitam a variação dos custos de produção ou dos insumos utilizados nos contratos de prazo de duração igual ou superior a um ano.

    [...]

    Art. 3º Os contratos em que seja parte órgão ou entidade da Administração Pública direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, serão reajustados ou corrigidos monetariamente de acordo com as disposições desta Lei, e, no que com ela não conflitarem, da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993.

    § 1º A periodicidade anual nos contratos de que trata o caput deste artigo será contada a partir da data limite para apresentação da proposta ou do orçamento a que essa se referir.

     

    Instrução Normativa SEGES/MPOG nº 5, de 26 de maio de 2017 (dispõe sobre as regras e diretrizes do procedimento de contratação de serviços sob o regime de execução indireta no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional), aplicável à Lei nº 14.133/2021 por força da Instrução Normativa SEGES/ME nº 98, de 26 de dezembro de 2022:

     

    Art. 61. O reajuste em sentido estrito, como espécie de reajuste contratual, consiste na aplicação de índice de correção monetária previsto no contrato, que deverá retratar a variação efetiva do custo de produção, admitida a adoção de índices específicos ou setoriais.

    § 1º É admitida estipulação de reajuste em sentido estrito nos contratos de prazo de duração igual ou superior a um ano, desde que não haja regime de dedicação exclusiva de mão de obra.

    § 2º O reajuste em sentido estrito terá periodicidade igual ou superior a um ano, sendo o termo inicial do período de correção monetária ou reajuste, a data prevista para apresentação da proposta ou do orçamento a que essa proposta se referir, ou, no caso de novo reajuste, a data a que o anterior tiver se referido.

    § 3º São nulos de pleno direito quaisquer expedientes que, na apuração do índice de reajuste, produzam efeitos financeiros equivalentes aos de reajuste de periodicidade inferior à anual.

    § 4º Nos casos em que o valor dos contratos de serviços continuados sejam preponderantemente formados pelos custos dos insumos, poderá ser adotado o reajuste de que trata este artigo.

     

    Decreto nº 9.507/2018 (dispõe sobre a execução indireta, mediante contratação, de serviços da administração pública federal direta, autárquica e fundacional e das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União):

     

    Art. 13. O reajuste em sentido estrito, espécie de reajuste nos contratos de serviço continuado sem dedicação exclusiva de mão de obra, consiste na aplicação de índice de correção monetária estabelecido no contrato, que retratará a variação efetiva do custo de produção, admitida a adoção de índices específicos ou setoriais.

    § 1º É admitida a estipulação de reajuste em sentido estrito nos contratos de prazo de duração igual ou superior a um ano, desde que não haja regime de dedicação exclusiva de mão de obra.

    § 2º Nas hipóteses em que o valor dos contratos de serviços continuados seja preponderantemente formado pelos custos dos insumos, poderá ser adotado o reajuste de que trata este artigo.

     

    2.4 termo inicial para o cômputo da anualidade

    O reajuste é devido após transcorrido o período de doze meses, conforme disposto no art. 2º, §1º, da Lei nº 10.192/2001, seja ele com base na Lei nº 8.666/1993, seja na Lei nº 14.133/2021.

     

    Art. 2° [...] § 1º É nula de pleno direito qualquer estipulação de reajuste ou correção monetária de periodicidade inferior a um ano.

     

    2.4.1 na Lei nº 8.666/1993

    Na Lei nº 8.666/1993, o termo inicial para o cômputo da anualidade é contado a partir de dois possíveis termos iniciais mutuamente excludentes: a data-limite para apresentação da proposta ou a data do orçamento a que a proposta referir-se (data da consolidação da pesquisa de preços). Ambos os marcos iniciais encontram previsão no art. 40, inciso XI, da Lei nº 8.666/1993 e no art. 3º, § 1º, da Lei nº 10.192/2001.

    Vejam-se os julgados que seguem, do Tribunal de Contas da União, a respeito do termo inicial para a concessão de reajuste em contratos de obras públicas:

     

    Embora a Administração possa adotar, discricionariamente, dois marcos iniciais distintos para efeito de reajustamento dos contratos de obras públicas, (i) a data limite para apresentação das propostas ou (ii) a data do orçamento estimativo da licitação (art. 40, inciso XI, da Lei 8.666/1993 e art. 3º, § 1º, da Lei 10.192/2001), o segundo critério é o mais adequado, pois reduz os problemas advindos de orçamentos desatualizados em virtude do transcurso de vários meses entre a data-base da estimativa de custos e a data de abertura das propostas. (Acórdão nº 2265/2020 – Plenário, Rel. Min. Benjamin Zymler, Processo nº 028.129/2020-2);

     

    [...] 9.5. recomendar ao Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão que: 9.5.1. em futuras licitações de obras públicas, quando se demonstrar demasiadamente complexa e morosa a atualização da estimativa de custo da contratação, adote como marco inicial para efeito de reajustamento contratual a data-base de elaboração da planilha orçamentária, nos termos do art. 40, inciso XI, da Lei nº 8.666/1993 e do art. 3º, §1º, da Lei nº 10.192/2001; (Acórdão nº 19/2017 – Plenário, Rel. Min. Benjamin Zymler, Processo nº 029.253/2016-0).

     

    De acordo com a Corte de Contas federal, a data do orçamento a que a proposta referir-se constitui-se no marco inicial adequado para o cômputo do interregno mínimo de doze meses para o efeito do primeiro reajuste do valor contratual de obra pública, pois “reduz os problemas advindos de orçamentos desatualizados em virtude do transcurso de vários meses entre a data-base da estimativa de custos e a data de abertura das propostas”.

     

    2.4.2 na Lei nº 14.133/2021

    Na Lei nº 14.133/2021, o termo inicial para o cômputo da anualidade do reajustamento é um só: a data do orçamento estimado. Acompanhe-se:

     

    Art. 25 [...] § 7º Independentemente do prazo de duração do contrato, será obrigatória a previsão no edital de índice de reajustamento de preço, com data-base vinculada à data do orçamento estimado e com a possibilidade de ser estabelecido mais de um índice específico ou setorial, em conformidade com a realidade de mercado dos respectivos insumos.

     

    2.5 o reajuste é automático?

    Não raro instrumentos convocatórios e contratos estabelecem que o reajuste será concedido ao contratado desde que seja por este solicitado no curso da execução contratual. Equivocada a disposição editalícia ou cláusula contratual nesse sentido.

    A Advocacia-Geral da União, por meio do Departamento de Coordenação e Orientação de Órgãos Jurídicos da Consultoria-Geral da União, posicionou-se a respeito das condições atinentes à concessão de reajustes em contratos administrativos (PARECER n. 00079/2019/DECOR/CGU/AGU - NUP 08008.000351/2017-17), inclusive no tocante à aplicabilidade do instituto da preclusão lógica. Confira-se, a seguir, a ementa extraída da referida manifestação jurídica:

     

    EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO. DIREITO AO REAJUSTE CONTRATUAL. CONCESSÃO DE OFÍCIO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE DE PRECLUSÃO.

    I. A manutenção da cláusula econômico-financeira inicialmente estabelecida com a aceitação da proposta pela Administração constitui direito do contratado garantido pela Constituição da República (art. 37, inc. XXI).

    II. Este direito foi regulamentado pela lei de licitações, Lei n.º 8.666/93, que previu instrumentos para recompor o eventual desequilíbrio. Dentre eles está o reajuste (art. 40, inc. XI e art. 55, inc. III), que se caracteriza pela atualização do valor contratual conforme índice estabelecido contratualmente.

    III. Assim, após certo período de execução contratual, a Administração Pública, de ofício, deve aplicar o índice financeiro estabelecido contratualmente para reajustar o seu preço e reequilibrar sua equação econômico-financeira.

    IV. No Acórdão nº 1.827/2008-Plenário, o TCU, diante de uma hipótese de repactuação, analisou a aplicabilidade do instituto da preclusão aos contratos administrativos, e lecionou que "há a preclusão lógica quando se pretende praticar ato incompatível com outro anteriormente praticado."

    V. Em regra, não há preclusão lógica do direito ao reajuste, pois, não há a possibilidade da prática de ato incompatível com outro anteriormente praticado, já que para a sua concessão exige-se apenas a mera aplicação de ofício pela Administração Pública de índice previsto contratualmente.

    VI. Exceção existe na hipótese em que as partes, com previsão expressa no edital e no contrato, acordem a obrigação de prévio requerimento do contratado para a concessão do reajuste. E neste caso específico seria possível entendermos pela preclusão lógica, se transcorrido o período para o reajuste, o contratado não requerer a sua concessão e concordar em prorrogar a vigência contratual por mais um período, mantidas as demais condições inicialmente pactuadas

    VII. Visando tutelar a análise da vantajosidade para a prorrogação contratual (art. 57, inc. II, da Lei n.º 8.666/93), caso tenha transcorrido o prazo para o reajuste sem a sua concessão, e chegado o momento da prorrogação contratual, quando, então, será o valor não reajustado que será parâmetro para a obtenção de preços e condições mais vantajosas para a administração, recomenda-se a negociação, com a contratada, para que esta abdique do reajuste, mantendo a vantajosidade necessária para garantir a prorrogação contratual.

     

    Observe-se que a Advocacia-Geral da União, sob o amparo da Lei nº 8.666/1993, estabeleceu que a administração pública, de ofício, deve aplicar o índice financeiro estabelecido para reajustar o valor contratual se assim estiver definido no contrato, o que significa que a concessão do reajuste efetivar-se-á de forma automática, sem a necessidade de requerimento do contratado.

    São precedentes do Tribunal de Contas da União no sentido de que a concessão do reajuste é automática, também com base na Lei nº 8.666/1993:

     

    [...] 4. No caso concreto, portanto, dever-se-ia falar em reajuste, onde não se opera a modificação do contrato celebrado. Segundo Marçal Justen Filho (Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 8. ed. São Paulo: Dialética, 2000. p. 407-408): ‘O reajustamento de preços (...) consiste na previsão antecipada da ocorrência da inflação e na adoção de uma solução para neutralizar seus efeitos. É a determinação de que os preços ofertados pelos interessados serão reajustados de modo automático, independentemente inclusive de pleito do interessado’ (Decisão nº 235/2002, Plenário, Rel. Min. Benjamin Zymler, Processo nº 000.727/2000-2);

     

    [...] 32. Consoante destacado no Voto condutor do Acórdão nº 1.309-TCU-1ª Câmara, a diferença fundamental entre os dois institutos é que, enquanto no reajuste há correção automática do desequilíbrio, com base em índices de preços previamente estipulados no edital, na repactuação a variação dos componentes dos custos do contrato deve ser demonstrada analiticamente, de acordo com a Planilha de Custos e Formação de Preços, e o contrato é corrigido na exata proporção do desequilíbrio que a parte interessada lograr comprovar (Acórdão nº 1.827/2008, Plenário, Rel. Min. Benjamin Zymler, Processo nº 027.973/2007-2).

     

    O Enunciado nº 6, do Conselho da Justiça Federal, de outro lado, e já ao amparo da Lei nº 14.133/2021, assentou o entendimento de que, embora não haja preclusão lógica do direito ao reajuste em sentido estrito, compete ao contratado a apresentação do pedido, não cabendo, portanto, à administração contratante processar, de ofício, o reajuste. O enunciado foi consolidado quando da realização do 1º Simpósio sobre Licitações e Contratos da Justiça Federal, nas datas de 16 e 17 de agosto de 2022. Acesso em https://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/centro-de-estudos-judiciarios-1/publicacoes-1/cjf/corregedoria-da-justica-federal/centro-de-estudos-judiciarios-1/publicacoes-1/licita-contat-jf.

    O reajuste opera o reequilíbrio da equação econômico-financeira mediante a aplicação de índice estabelecido no edital ou no contrato, conforme determinado em lei. O estabelecimento do critério de reajuste dos preços, tanto no edital quanto no instrumento contratual, não constitui discricionariedade conferida à administração pública, mas sim, imposição ante o disposto nos artigos 40, inciso XI, e 55, inciso III, da Lei nº 8.666/1993, e nos artigos 25, § 7º, 92, inciso V e § 3º, da Lei nº 14.133/2021, ainda que a vigência prevista para o contrato não supere doze meses. Exatamente porque expresso naqueles instrumentos (edital ou contrato), por força de lei, é de aplicação automática pela administração uma vez cumprido o lapso temporal, independentemente de solicitação do contratado.

    A respeito do tema, assentou o TCU (Acórdão nº 1587/2023 - Plenário, Rel. Min. Antonio Anastasia, Processo nº 001.127/2023-3):

     

    É irregular reajuste contratual com prazo contado da assinatura do contrato, pois o marco a partir do qual se computa período de tempo para aplicação de índices de reajustamento é: i) a data da apresentação da proposta ou a do orçamento a que a proposta se referir, de acordo com o previsto no edital (art. 40, inciso XI, da Lei 8.666/1993); ou então ii) a data do orçamento estimado (art. 25, § 7º, da Lei 14.133/2021 – nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos).

     

    Para a concessão automática do reajuste é importante que disposição do edital ou cláusula contratual, exemplificativamente, adote a seguinte redação:

     

    O valor contratual será reajustado pela administração contratante, com base no …… (índice previamente definido), observado o interregno mínimo de doze meses a contar do orçamento estimado, datado de .......

     

    Ao estipular os índices de reajuste dos contratos, também é importante que a administração observe a natureza de cada objeto, para que o índice reflita adequadamente a variação dos preços relacionados ao tipo de ajuste e, ainda, que o orçamento estimado (pesquisa de preços) constante no processo administrativo da licitação ou contratação seja datado, para o efeito de computar-se o início da anualidade.

    A propósito, de acordo com o art. 24 da Instrução Normativa SGD/ME nº 94/2022, que dispõe sobre o processo de contratação de soluções de Tecnologia da Informação e Comunicação - TIC pelos órgãos e entidades integrantes do Sistema de Administração dos Recursos de Tecnologia da Informação – SISP, do Poder Executivo Federal, nas contratações de serviços de tecnologia da informação em que haja previsão de reajuste de preços por aplicação de índice de correção monetária é obrigatória a adoção do Índice de Custos de Tecnologia da Informação - ICTI, mantido pela Fundação Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA.

     

    3. Revisão

    A revisão possibilita que os contratos sejam alterados, com as devidas justificativas, por acordo entre as partes, para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato rompido em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe ou em decorrência de fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis, que inviabilizem a execução do contrato tal como pactuado, respeitada, em qualquer caso, a repartição objetiva de risco estabelecida no contrato.

    A revisão, seja a prevista na Lei nº 8.666/1993, seja na Lei nº 14.133/2021, independe de interregno temporal como ocorre com o reajustamento e a repactuação, dado que os seus fatos geradores ocorrem inopinadamente, sendo invencíveis pela vontade dos contratantes.

    No âmbito da Advocacia-Geral da União colhe-se que “O reequilíbrio econômico-financeiro pode ser concedido a qualquer tempo, independentemente de previsão contratual, desde que verificadas as circunstâncias elencadas na letra "d" do inc. II do art. 65, da Lei nº 8.666, de 1993”. (Orientação Normativa nº 22, de 1º de abril de 2009).

     

    3.1 na Lei nº 8.666/1993

    O reequilíbrio econômico-financeiro efetivado com base na revisão do valor contratual encontra previsão no art. 65, inciso II, alínea “d”, e §5º da Lei nº 8.666/1993. Assim:

     

    Art. 65.  Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:

    [...]

    II - por acordo das partes:

    [...]

    d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.

    [...]

    § 5º Quaisquer tributos ou encargos legais criados, alterados ou extintos, bem como a superveniência de disposições legais, quando ocorridas após a data da apresentação da proposta, de comprovada repercussão nos preços contratados, implicarão a revisão destes para mais ou para menos, conforme o caso.

     

    O Tribunal de Contas da União, em resposta à consulta que lhe foi formulada pelo Ministério do Turismo, estabeleceu a diferença entre reajuste e revisão [recomposição]. Confira-se:

     

    [...]

    9.2.3. o reajuste e a recomposição possuem fundamentos distintos. O reajuste, previsto no art. 40, XI, e 55, III, da Lei 8.666/1993, visa remediar os efeitos da inflação. A recomposição, prevista no art. 65, inciso II, alínea “d”, da Lei 8.666/1993, tem como fim manter equilibrada a relação jurídica entre o particular e a Administração Pública quando houver desequilíbrio advindo de fato imprevisível ou previsível com consequências incalculáveis. Assim, ainda que a Administração tenha aplicado o reajuste previsto no contrato, justifica-se a aplicação da recomposição sempre que se verificar a presença de seus pressupostos;

    9.2.4. o reequilíbrio contratual decorrente da recomposição deve levar em conta os fatos imprevisíveis, ou previsíveis, porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, que não se confundem com os critérios de reajuste previstos contratualmente. Portanto, a recomposição concedida após o reajuste deverá recuperar o equilíbrio econômico-financeiro apenas aos fatos a ela relacionados. Na hipótese de ser possível um futuro reajuste após concedida eventual recomposição, a Administração deverá estabelecer que esta recomposição vigorará até a data de concessão do novo reajuste, quando então deverá ser recalculada, de modo a expurgar da recomposição a parcela já contemplada no reajuste e, assim, evitar a sobreposição de parcelas concedidas, o que causaria o desequilíbrio em prejuízo da contratante. (Acórdão nº 1.431/2017 – Plenário, Rel. Min. Vital do Rêgo, Processo nº 034.272/2016-0).

     

    De acordo com a Corte de Contas federal, o reajuste e a revisão [recomposição] possuem fundamentos distintos. O reajuste visa remediar os efeitos da inflação. A revisão tem como fim manter equilibrada a relação jurídica entre o particular e a administração pública quando houver desequilíbrio advindo da Teoria da Imprevisão.

     

    3.2 na Lei nº 14.133/2021

    No âmbito do novo marco legal das licitações e contratações administrativas, o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro por meio da revisão do valor contratual encontra previsão nos seguintes dispositivos:

     

    Art. 22. O edital poderá contemplar matriz de alocação de riscos entre o contratante e o contratado, hipótese em que o cálculo do valor estimado da contratação poderá considerar taxa de risco compatível com o objeto da licitação e com os riscos atribuídos ao contratado, de acordo com metodologia predefinida pelo ente federativo.

    [...]

    § 2º O contrato deverá refletir a alocação realizada pela matriz de riscos, especialmente quanto:

    I - às hipóteses de alteração para o restabelecimento da equação econômico-financeira do contrato nos casos em que o sinistro seja considerado na matriz de riscos como causa de desequilíbrio não suportada pela parte que pretenda o restabelecimento;

    [...]

    Art. 103. O contrato poderá identificar os riscos contratuais previstos e presumíveis e prever matriz de alocação de riscos, alocando-os entre contratante e contratado, mediante indicação daqueles a serem assumidos pelo setor público ou pelo setor privado ou daqueles a serem compartilhados.

    [...]

    § 5º Sempre que atendidas as condições do contrato e da matriz de alocação de riscos, será considerado mantido o equilíbrio econômico-financeiro, renunciando as partes aos pedidos de restabelecimento do equilíbrio relacionados aos riscos assumidos, exceto no que se refere:

    [...]

    II - ao aumento ou à redução, por legislação superveniente, dos tributos diretamente pagos pelo contratado em decorrência do contrato.

    [...]

    Art. 124. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:

    [...]

    II - por acordo entre as partes:

    [...]

    d) para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe ou em decorrência de fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis, que inviabilizem a execução do contrato tal como pactuado, respeitada, em qualquer caso, a repartição objetiva de risco estabelecida no contrato.

    [...]

    § 2º Será aplicado o disposto na alínea “d” do inciso II do caput deste artigo às contratações de obras e serviços de engenharia, quando a execução for obstada pelo atraso na conclusão de procedimentos de desapropriação, desocupação, servidão administrativa ou licenciamento ambiental, por circunstâncias alheias ao contratado.

    [...]

    Art. 133. Nas hipóteses em que for adotada a contratação integrada ou semi-integrada, é vedada a alteração dos valores contratuais, exceto nos seguintes casos:

    I - para restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro decorrente de caso fortuito ou força maior;

    [...]

    Art. 134. Os preços contratados serão alterados, para mais ou para menos, conforme o caso, se houver, após a data da apresentação da proposta, criação, alteração ou extinção de quaisquer tributos ou encargos legais ou a superveniência de disposições legais, com comprovada repercussão sobre os preços contratados.

     

    3.3 sobre a revisão e seus requisitos

    A revisão é a via jurídica adequada para o fim de restabelecer o valor contratual abalado por álea extraordinária superveniente, que lhe rompeu o equilíbrio econômico-financeiro de modo a inviabilizar a execução do objeto nos termos originalmente convencionados. Traduz-se na aplicação da Teoria da Imprevisão, solução apta a recompor o equilíbrio entre as obrigações inicialmente estipuladas pelos contratantes, rompido por fatos alheios ao contrato, irresistíveis pela vontade das partes e que as tenham tomado de surpresa porque imprevisíveis. Por isto que tais fatos constituem álea (teor de sorte ou acaso que acompanha toda atividade humana) extraordinária, a autorizar a chamada revisão do contrato.

    De acordo com o novo marco legal das licitações (Lei nº 14.133/2021), em simetria com o art. 65, §1º, da Lei nº 8.666/1993, os contratos poderão ser alterados, com as devidas justificativas, por acordo entre as partes, para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe ou em decorrência de fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis, que inviabilizem a execução do contrato tal como pactuado, respeitada, em qualquer caso, a repartição objetiva de risco estabelecida no contrato. Novidade trazida pelo novo marco legal das licitações, é que o equilíbrio econômico-financeiro também será restabelecido por acordo entre as partes nas contratações de obras e serviços de engenharia, quando a execução for obstada pelo atraso na conclusão de procedimentos de desapropriação, desocupação, servidão administrativa ou licenciamento ambiental, por circunstâncias alheias ao contratado.

    Assentou o Tribunal de Contas da União (Acórdão nº 4072/2020 – Plenário, Rel. Min. Bruno Dantas, Processo nº 010.240/2017-9) que o mero descolamento do índice de reajuste contratual dos preços efetivamente praticados no mercado não é suficiente, por si só, para ensejar a revisão contratual, sendo imprescindível a ocorrência de fatos imprevisíveis, ou previsíveis, porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, de caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, a configurar álea econômica extraordinária e extracontratual, nos termos do art. 65, inciso II, alínea “d”, da Lei nº 8.666/93. Ressaltou, ainda, que a Corte de Contas federal já delineou os contornos a serem observados para a aplicação da Teoria da Imprevisão em contratos administrativos, entre os quais se incluem a ocorrência de onerosidade excessiva (ou o impacto acentuado na relação contratual) retardadora ou impeditiva da execução do ajuste e a prova robusta (complexa e detalhada). Ponderou ainda que – diferentemente de situações em que o sobrepreço é caracterizado mediante parâmetros objetivos, como quando se utilizam sistemas referenciais de preço determinados por lei, em que não há percentuais toleráveis de sobrepreço – não há um critério objetivo para caracterizar desequilíbrio acentuado no contrato. Frisou, o Relator, que “repactuações contratuais decorrentes de desequilíbrio econômico-financeiro derivado de fórmulas de reajustes contratuais com base na teoria da imprevisão devem ser feitas com muita cautela, apenas quando indubitavelmente restar demonstrada onerosidade excessiva a uma das partes”. Concluiu que “exigir a repactuação geral dos preços diante de pequenas variações dos índices em relação aos preços de mercado seria, em última análise, o mesmo que inviabilizar a utilização de índices, expressamente previstos no art. 40, inciso XI, da Lei 8.666/1993”. Tais entendimentos, de caráter estruturante, estendem-se à revisão prevista na Lei nº 14.133/2021.

    Seja na Lei nº 8.666/1993 ou na Lei nº 14.133/2021, o reequilíbrio econômico-financeiro que se faz por meio de revisão independe de interregno temporal e de previsão no edital ou contrato, como ocorre com o reajuste e a repactuação, dado que os seus fatos geradores ocorrem inopinadamente, sendo invencíveis pela vontade dos contratantes. Cabe ao contratado demonstrar a superveniência dos eventos que autorizam o reequilíbrio econômico-financeiro, os efeitos gerados e a repercussão sobre a execução do objeto, bem como o desequilíbrio na relação encargo/remuneração. À administração contratante, por meio de seu setor financeiro, compete averiguá-los integralmente e atestá-los, analisado o vínculo de causalidade entre o evento ocorrido e a majoração dos encargos do contratado.

    O enquadramento da Teoria da Imprevisão, para fins de reequilíbrio econômico-financeiro contratual, pressupõe a configuração da imprevisibilidade da causa ou dos efeitos, assim como da excepcional onerosidade para a execução do ajustado, vez que a lei autoriza a revisão (reequilíbrio econômico-financeiro) do contrato quando houver risco econômico anormal, decorrente de fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou decorrente de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configuradores de álea econômica extraordinária e extracontratual.

    Os preços, posto variáveis, podem ensejar o reequilíbrio econômico-financeiro contratual in concreto, na hipótese de serem inevitáveis, excepcionais e não precificadas no contrato, ainda que haja cláusula de reajustamento nele estipulada. As repactuações, também, não interferem no direito da parte de solicitar, a qualquer momento, a manutenção do equilíbrio econômico do contrato, consoante estabelece o art. 59 da Instrução Normativa SEGES/MPOG nº 5, de 2017, aplicável à Lei nº 14.133/2021 por força da Instrução Normativa SEGES/ME nº 98, de 26 de dezembro de 2022:

     

    Art. 59. As repactuações não interferem no direito das partes de solicitar, a qualquer momento, a manutenção do equilíbrio econômico dos contratos com base no disposto no art. 65 da Lei nº 8.666, de 1993.

     

    3.4 inflação monetária

    A perda decorrente de inflação monetária configura álea ordinária porque previsível. Conquanto possa ser irresistível pela vontade das partes, não as toma de surpresa. Seu enfrentamento pode e deve efetivar-se por mecanismos incluídos no contrato. O eventual desequilíbrio econômico-financeiro resultante de álea ordinária terá a sua recomposição efetivada pela aplicação de medidas previstas no edital e no contrato, tais como critério de reajustamento (índice), data-base e periodicidade, garantindo-se, assim, a manutenção do poder aquisitivo do valor remuneratório cotado na proposta vencedora da licitação (art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal). Álea ordinária não autoriza revisão do contrato, mas, ao contrário, a aplicação das medidas previstas no contrato para fazer-lhe face, quando for o caso.

    De acordo com a Lei nº 14.010/2020, que dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (Covid-19), não se consideram fatos imprevisíveis, para os fins exclusivos dos artigos 317, 478, 479 e 480 do Código Civil, o aumento da inflação, a variação cambial, a desvalorização ou a substituição do padrão monetário. Confira-se:

     

    Art. 7º Não se consideram fatos imprevisíveis, para os fins exclusivos dos arts. 317, 478, 479 e 480 do Código Civil, o aumento da inflação, a variação cambial, a desvalorização ou a substituição do padrão monetário.

    § 1º As regras sobre revisão contratual previstas na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), e na Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, não se sujeitam ao disposto no caput deste artigo.

    § 2º Para os fins desta Lei, as normas de proteção ao consumidor não se aplicam às relações contratuais subordinadas ao Código Civil, incluindo aquelas estabelecidas exclusivamente entre empresas ou empresários.

     

    Não se mostra razoável o entendimento de que a inflação monetária possa ser tomada como álea extraordinária, de modo a possibilitar algum desequilíbrio na equação econômica do contrato, pois não há como imputá-la a fatores imprevisíveis, não suportáveis pelo contratado, autorizadores da aplicação da Teoria da Imprevisão. Ademais, caso a inflação monetária fosse autorizadora de reequilíbrio econômico-financeiro (revisão), estar-se-ia beneficiando o contratado em detrimento das demais licitantes que, agindo com cautela, apresentaram proposta coerente com os ditames do mercado e, por terem incluído margem de segurança em suas propostas, não apresentaram valores mais atraentes.

     

    3.5 variação cambial

    A taxa de câmbio pode influenciar fortemente na composição dos custos de determinado objeto. Quando ocorre de forma instantânea, em que a variação decorre de evento imprevisível ou previsível, porém de consequências incalculáveis, atrai o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato por meio da revisão. Mas, nesse caso, a variação deve ser de tal grandeza que dificulte sobremaneira a execução ou mesmo impossibilite a continuidade do contrato, a configurar álea econômica extraordinária. Se não for dessa natureza, nenhuma relevância terá para a ordem jurídica, não se prestando a justificar a revisão.

    Quando a variação cambial acompanha as oscilações normais do mercado, o contratado deve suportar os riscos do negócio (área ordinária de todo contrato). A gestão de riscos é inerente à atividade comercial. Nesse caso, o contratado não pode, após assumir o risco que o tornou vencedor na licitação, transferi-lo para a administração, solicitando-lhe o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato.

    Anote-se resposta à consulta formulada ao Tribunal de Contas da União, pelo Ministério do Turismo, acerca do assunto:

     

    [...] 9.2.1. a variação da taxa cambial (para mais ou para menos) não pode ser considerada suficiente para, isoladamente, fundamentar a necessidade de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato. Para que a variação do câmbio seja considerada um fato apto a ocasionar uma recomposição nos contratos, considerando se tratar de fato previsível, deve culminar consequências incalculáveis (consequências cuja previsão não seja possível pelo gestor médio quando da vinculação contratual) , fugir à normalidade, ou seja, à flutuação cambial típica do regime de câmbio flutuante e, sobretudo, acarretar onerosidade excessiva no contrato a ponto de ocasionar um rompimento na equação econômico-financeira, nos termos previstos no art. 65, inciso II, alínea “d”, da Lei 8.666/1993;

    9.2.2. especificamente nos casos de contratos que tenham por objeto principal a prestação de serviços firmados em real e executados no exterior, a variação cambial inesperada, súbita e significativa poderá ser suficiente para fundamentar a concessão do reequilíbrio econômico-financeiro, em relação apenas aos insumos humanos e materiais adquiridos na localidade de prestação dos serviços desde que possa retardar ou impedir a execução do contrato. Nesse caso, a recomposição não deve incidir sobre itens da planilha de custos da contratada precificados por meio de índices ou percentuais aplicados sobre outros itens de serviços (a exemplo da taxa de administração) que incidam sobre os insumos executados no exterior;

    [...]

    9.2.5. cabe ao gestor, agindo com a desejável prudência e segurança, ao aplicar o reequilíbrio econômico-financeiro por meio da recomposição, fazer constar dos autos do processo, análise que demonstre, inequivocamente, os seus pressupostos, de acordo com a teoria da imprevisão, juntamente com análise global dos custos da avença, incluindo todos os insumos relevantes e não somente aqueles sobre os quais tenha havido a incidência da elevação da moeda estrangeira, de forma que reste comprovado que as alterações nos custos estejam acarretando o retardamento ou a inexecução do ajustado na avença, além da comprovação de que, para cada item de serviço ou insumo, a contratada efetivamente contraiu a correspondente obrigação em moeda estrangeira, no exterior, mas recebeu o respectivo pagamento em moeda nacional, no Brasil, tendo sofrido, assim, o efetivo impacto da imprevisível ou inevitável álea econômica pela referida variação cambial; (Acórdão nº 1.431/2017 – Plenário, Rel. Min. Vital do Rêgo, Processo nº 034.272/2016-0).

     

    A mera variação cambial, em regime de câmbio flutuante, não configura causa excepcional de mutabilidade dos contratos administrativos, dada a sua ampla previsibilidade. Contudo, a variação cambial inesperada, súbita e significativa poderá ser suficiente para fundamentar a concessão do reequilíbrio econômico-financeiro por meio da revisão, devidamente atestada pelo setor financeiro da administração contratante, proporcionando segurança à decisão do gestor público na tomada de decisão.

    Segundo o novo marco legal das licitações, os contratos poderão ser alterados, com as devidas justificativas, por acordo entre as partes, para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato na hipótese de elevação extraordinária do preço de insumo específico que tenha impacto em todo o custo de produção, a ser avaliado mediante novo exame de preço dos principais insumos contratuais.

     

    3.6 inexequibilidade de preço unitário

    Assentou o Tribunal de Contas da União que a constatação de inexequibilidade de preço unitário durante a execução do contrato não é motivo, por si só, para ensejar o reequilíbrio econômico-financeiro da avença, uma vez que não se insere na álea econômica extraordinária e extracontratual exigida pelo art. 65, inciso II, alínea “d”, da Lei 8.666/1993. A oferta de preço inexequível na licitação deve onerar exclusivamente o contratado, mesmo diante de aditivo contratual, em face do que prescreve o art. 65, § 1º, da mencionada Lei. (Acórdão nº  2901/2020 – Plenário, Rel. Min. Benjamin Zymler, Processo nº 011.472/2016-2).

    O valor que se contrate abaixo do de mercado não dá causa a medida de reequilíbrio econômico-financeiro. O licitante, quando da formulação de sua proposta, estima seus ganhos e perdas suportáveis como estratégia financeira para vencer a disputa e em conformidade com as condições estabelecidas na licitação para a execução do objeto. Comprovada a exequibilidade da proposta, ou seja, demonstrado pelo licitante que o seu valor é capaz de suportar os custos do contrato, a proposta, aceita pelo condutor da licitação, integra a cláusula econômico-financeira do ajuste.

     

    4. Repactuação

    A repactuação é espécie de reajustamento, que autoriza o reequilíbrio da relação econômico-financeira do contrato baseado na demonstração da variação dos elementos que compõem o custo da atividade executada pelo contratado no curso do contrato.

     

    4.1 na Lei nº 8.666/1993

    Na Lei nº 8.666/1993 a repactuação encontra previsão no art. 40, inciso XI, ao estabelecer que o reajuste, do qual a repactuação é espécie, “deverá retratar a variação efetiva do custo de produção”. Veja-se:

     

    Art. 40.  O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte:

    [...]

    XI - critério de reajuste, que deverá retratar a variação efetiva do custo de produção, admitida a adoção de índices específicos ou setoriais, desde a data prevista para apresentação da proposta, ou do orçamento a que essa proposta se referir, até a data do adimplemento de cada parcela; 

     

    4.2 na Lei nº 14.133/2021

    A Lei nº 14.133/2021 define repactuação. Assim:

     

    Art. 6º Para os fins desta Lei, consideram-se:

    [...]

    LIX - repactuação: forma de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro de contrato utilizada para serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra ou predominância de mão de obra, por meio da análise da variação dos custos contratuais, devendo estar prevista no edital com data vinculada à apresentação das propostas, para os custos decorrentes do mercado, e com data vinculada ao acordo, à convenção coletiva ou ao dissídio coletivo ao qual o orçamento esteja vinculado, para os custos decorrentes da mão de obra;

     

    A repactuação, no novo marco legal das licitações, constitui-se na forma de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, utilizada para serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra ou predominância de mão de obra, por meio da análise da variação dos custos contratuais, devendo estar prevista no edital, com data vinculada à apresentação das propostas, para os custos decorrentes do mercado, e com data vinculada ao acordo, à convenção coletiva ou ao dissídio coletivo ao qual o orçamento esteja vinculado, para os custos decorrentes da mão de obra.

     

    4.3 outros diplomas

    A Instrução Normativa SEGES/MPOG nº 5, de 26 de maio de 2017 (dispõe sobre as regras e diretrizes do procedimento de contratação de serviços sob o regime de execução indireta no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional), aplicável à Lei nº 14.133/2021 por força da Instrução Normativa SEGES/ME nº 98, de 26 de dezembro de 2022, define repactuação:

     

    XX - REPACTUAÇÃO: forma de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato que deve ser utilizada para serviços continuados com dedicação exclusiva da mão de obra, por meio da análise da variação dos custos contratuais, devendo estar prevista no ato convocatório com data vinculada à apresentação das propostas, para os custos decorrentes do mercado, e com data vinculada ao Acordo ou à Convenção Coletiva ao qual o orçamento esteja vinculado, para os custos decorrentes da mão de obra.

     

    O Decreto nº 9.507/2018 também dispõe acerca da repactuação:

     

    Art. 12. Será admitida a repactuação de preços dos serviços continuados sob regime de mão de obra exclusiva, com vistas à adequação ao preço de mercado, desde que:

    I - seja observado o interregno mínimo de um ano das datas dos orçamentos para os quais a proposta se referir; e

    II - seja demonstrada de forma analítica a variação dos componentes dos custos do contrato, devidamente justificada.

     

    4.4. sobre a repactuação e seus requisitos

    O instituto da repactuação de preços aplica-se apenas a contratos de serviços continuados prestados com dedicação exclusiva da mão de obra. Analisa-se, pontualmente, o item (ou itens) da planilha que sofreu alteração de custo e sua repercussão no valor contratual, respeitado o requisito da anualidade. Diferentemente do reajustamento, que é automático, deve a repactuação ser solicitada pelo contratado mediante a demonstração analítica da variação dos custos do contrato.

    De acordo com o novo marco legal das licitações (art. 135, §6º), a repactuação será precedida de solicitação do contratado, acompanhada de demonstração analítica da variação dos custos, por meio de apresentação da planilha de custos e formação de preços, ou do novo acordo, convenção ou sentença normativa que fundamenta a repactuação.

    À administração cumpre certificar se ocorreu ou não a efetiva repercussão dos eventos majoradores dos custos do contrato na forma postulada pelo contratado, vedada a incidência de algum custo não previsto originariamente na proposta, exceto quando se tornar obrigatório por força de instrumento legal, acordo, convenção ou dissídio coletivo de trabalho. Em outras palavras: o índice de reajustamento é o previsto no edital ou no contrato, por isto que bastará aplicá-lo automaticamente, respeitado o prazo ânuo e o seu marco inicial; a repactuação é a que resultará da realidade econômica da execução do objeto contratado no curso do contrato, por isto que deve ser requerida e demonstrada a variação de custo que a autorize, também respeitado o interregno anual.

    Estabelece o novo marco legal das licitações, que a repactuação poderá ser dividida em tantas parcelas quantas forem necessárias, observado o princípio da anualidade do reajuste de preços da contratação, podendo ser realizada em momentos distintos para discutir a variação de custos que tenham sua anualidade resultante em datas diferenciadas, como os decorrentes de mão de obra e os decorrentes dos insumos necessários à execução dos serviços. Quando a contratação envolver mais de uma categoria profissional, a repactuação poderá ser dividida em tantos quantos forem os acordos, convenções ou dissídios coletivos de trabalho das categorias envolvidas na contratação.

    No caso de repactuações subsequentes à primeira, a anualidade será contada a partir da data do fato gerador que deu ensejo à última repactuação. Formaliza-se a repactuação por meio de apostilamento (art. 136, inciso I, da Lei nº 14.133/2021). Quando coincidir com prorrogação contratual ou outra alteração, por economia processual, pode ser formalizada no mesmo instrumento de aditamento.

     

    5. Conclusão

    Doutrina e jurisprudência (dos tribunais judiciais e de contas) convergem quanto à intangibilidade da equação econômico-financeira estabelecida entre a administração pública contratante e o particular contratado. Estando o contratado cumprindo o seu encargo contratual, bem como a administração contratante honrando com a respectiva remuneração, e não havendo disparidade entre as respectivas obrigações (encargo-remuneração), conclui-se que as partes permanecem nas condições que as levaram a contratar, não lhes assistindo, portanto, direito a se esquivarem do cumprimento da avença, que, no momento da celebração, consagrou uma equação econômico-financeira por ambas considerada equilibrada.

    As chamadas cláusulas econômicas de um contrato podem ser objeto de reequilíbrio econômico-financeiro em decorrência de elevações de preços que tornem mais onerosas as prestações a que esteja obrigado o contratado, o que se fará por meio de revisão ou de repactuação, como, ainda, contra o desgaste do poder aquisitivo da moeda, o que se garantirá por meio do reajustamento.

    O reajustamento é instrumento de equilíbrio econômico-financeiro que visa remediar os efeitos da inflação, por meio da aplicação de índices de preços gerais, setoriais ou específicos, previstos no instrumento convocatório da licitação ou no contrato. É automático e devido após transcorrido o período de doze meses, tendo como data-base, segundo o novo marco legal das licitações, a data do orçamento estimado. Formaliza-se por meio do apostilamento.

    A revisão independe de lapso temporal, diferentemente do reajustamento e da repactuação. Traduz-se na aplicação da Teoria da Imprevisão, solução apta a recompor o equilíbrio entre as obrigações inicialmente estipuladas pelos contraentes, rompido por fatos alheios ao contrato, irresistíveis pela vontade das partes e que as tenham tomado de surpresa porque imprevisíveis. Ao contratado compete demonstrar a superveniência dos eventos que a autorizam, os efeitos gerados e a repercussão sobre a execução do objeto; à administração contratante cabe averiguá-los integralmente e atestá-los para o efeito de sua concessão. Formaliza-se por meio de termo aditivo.

    A repactuação visa a manter o equilíbrio econômico-financeiro de  contrato cujo objeto seja a prestação de serviço continuado com dedicação exclusiva de mão de obra. Diferentemente do reajustamento, que é automático, deve a repactuação ser solicitada pelo contratado mediante a demonstração analítica da variação dos custos de produção, ou seja, na variação dos elementos que compõem o custo da atividade executada no curso do contrato. Poderá ser dividida em tantas parcelas quanto forem necessárias, observado o princípio da anualidade, podendo ser realizada em momentos distintos para discutir a variação de custos que tenham sua anualidade resultante em datas diferenciadas, como os decorrentes de mão de obra e os decorrentes dos insumos necessários à execução dos serviços. Formaliza-se a repactuação também por meio do apostilamento.

     

    Referências bibliográficas

     

    HEINEN, Juliano. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. Salvador: Juspodivm. 2021.

     

    JACOBY FERNANDES, Jorge Ulisses. Manual do ordenador de despesas: à luz do novo regime fiscal. Belo Horizonte: Fórum, 2020.

     

    MOREIRA, Egon Bockmann. (Coord.). Tratado do equilíbrio econômico-financeiro: contratos administrativos, concessões, parcerias público-privadas, Taxa Interna de Retorno, prorrogação antecipada e relicitação. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2019.

     

    OLIVEIRA FILHO, Gilberto Bernardino de; MARCO, Nathalia Leone (Coord.). A boa gestão pública e o novo Direito Administrativo (em conformidade com a Lei 14.133/2021). São Paulo: SGP, 2021.

     

    PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres; DOTTI, Marinês Restelatto. 2000 perguntas e respostas sobre a nova lei de licitações e contratos: Lei nº 14.133/2021. Porto Alegre: Ordem Jurídica: 2023.

     

     

    *Marinês Restelatto Dotti. Advogada da União. Especialista em Direito do Estado e em Direito e Economia pela Universidade Federal do Estado do Rio Grande do Sul (UFRGS). Autora de livros e artigos jurídicos. Professora em cursos de Pós-Graduação em Direito Público. Conferencista na área de licitações e contratações da administração pública. Currículo atualizado: http://lattes.cnpq.br