Opinião

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    CONSTRUÇÃO AJUSTADA, LOCAÇÃO SOB MEDIDA OU OPERAÇÃO BUILT TO SUIT (BTS)

    *Marinês Restelatto Dotti

     

    A locação, nos contratos denominados de construção ajustada, locação sob medida ou, ainda, operação built to suit (BTS), difere da locação tradicional. Encontra previsão na Lei do Inquilinato, a Lei nº 8.245/1991. Veja-se:

     

    Art. 54-A.  Na locação não residencial de imóvel urbano na qual o locador procede à prévia aquisição, construção ou substancial reforma, por si mesmo ou por terceiros, do imóvel então especificado pelo pretendente à locação, a fim de que seja a este locado por prazo determinado, prevalecerão as condições livremente pactuadas no contrato respectivo e as disposições procedimentais previstas nesta Lei.  

     

     No âmbito do Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), da Lei nº 12.462/2011, cujos artigos 1º a 47-A serão revogados na data de 30 de dezembro de 2023, também há disposição a respeito. Assim:

     

    Art. 47-A. A administração pública poderá firmar contratos de locação de bens móveis e imóveis, nos quais o locador realiza prévia aquisição, construção ou reforma substancial, com ou sem aparelhamento de bens, por si mesmo ou por terceiros, do bem especificado pela administração.        

    § 1º A contratação referida no caput sujeita-se à mesma disciplina de dispensa e inexigibilidade de licitação aplicável às locações comuns.        

    § 2º A contratação referida no caput poderá prever a reversão dos bens à administração pública ao final da locação, desde que estabelecida no contrato.        

    § 3º O valor da locação a que se refere o caput não poderá exceder, ao mês, 1% (um por cento) do valor do bem locado.

     

    Na nova lei de licitações (Lei nº 14.133/2021), assim como na Lei nº 8.666/1993, inexistem disposições a respeito da construção ajustada, locação sob medida ou operação built to suit, que consiste na locação de imóvel construído pelo futuro locador conforme especificações pré-definidas pelo futuro locatário. O locador aufere aluguel cujo valor permite o retorno dos investimentos realizados na construção e a remuneração do uso do bem imóvel por longo período, previamente fixado.

     

    Nada obstante a inexistência de previsão na Lei nº 8.666/1993, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho submeteu ao Tribunal de Contas da União os seguintes questionamentos sobre a operação built to suit: a) é possível a aplicação do disposto no art. 24, inciso X, da Lei nº 8.666/1993 na contratação de locação de imóvel a ser construído de acordo com parâmetros mínimos a serem estabelecidos por órgão da Administração Pública? b) em caso positivo, quais seriam os aspectos legais aplicáveis e quais as exigências técnicas necessárias para a celebração dessa modalidade de contrato administrativo?”

     

    Assim respondeu a Corte de Contas Federal, no ano de 2013:

    [...]

    9.2. responder ao nobre Presidente do Conselho Superior da Justiça do Trabalho que, nos termos do art. 62, §3º, I, da Lei nº 8.666/1993, c/c o art. 54-A da Lei nº 8.245/1991 (incluído pela Lei nº 12.744, de 19 de dezembro de 2012), a despeito de a realização de licitação dever ser a regra, admite-se excepcionalmente a contratação direta de locação sob medida (operação built to suit), por meio de licitação dispensável fundada no art. 24, inciso X, da Lei nº 8.666/1993, desde que, além da observância das demais disposições legais aplicáveis ao caso, o terreno onde será construído o imóvel seja de propriedade do particular que será o futuro locador;

    9.3. informar ao Conselho Superior da Justiça do Trabalho que, adicionalmente, a administração pública deverá demonstrar claramente que as necessidades de instalação e de localização condicionam a escolha de determinado imóvel e que o preço da locação se mostra compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia, bem assim que a junção do serviço de locação com a eventual execução indireta de obra apresenta economia de escala e que, por isso, tal locação sob encomenda não ofende o princípio do parcelamento do objeto, previsto no art. 23, §1º, e no art. 15, IV, da Lei nº 8.666/1993, sem prejuízo de se destacar que tudo isso deve estar devidamente justificado nos autos do processo de licitação, por meio de estudos técnicos, pareceres e documentos comprobatórios, em respeito ao art. 50, IV, da Lei nº 9.784, de 1999, cabendo à administração pública fazer prova da legalidade dos atos e da regularidade da despesa pública perante os órgãos de controle financeiro, em obediência ao disposto no art. 70, parágrafo único, da Constituição de 1988 e nos termos do art. 113 da Lei nº 8.666/1993;

    9.4. esclarecer, ainda, ao Conselho Superior da Justiça do Trabalho que as contratações de locação sob medida de instalações prediais, inclusive de imóvel a ser construído de acordo com parâmetros mínimos estabelecidos por órgão ou entidade da administração pública, devem observar, também, as seguintes orientações:

    9.4.1. caracterização da efetiva necessidade do novo imóvel, com demonstração de que o imóvel até então porventura em uso não atende mais ao interesse público e de que não comporta readequação;

    9.4.2. comprovação da inexistência de imóveis disponíveis no âmbito da administração pública federal, estadual, distrital ou municipal, de acordo com as “Orientações para destinação do Patrimônio da União”, que foram editadas pela SPU/MPOG em 2010;

    9.4.3. fundamentação da decisão pela locação sob medida, baseada em estudos técnicos, pareceres e documentos comprobatórios que justifiquem tal opção contratual, incluindo a necessidade de se demonstrar que, comprovada a impossibilidade de suprir a demanda por outras formas, a utilização da locação sob encomenda mostra-se, inequivocamente, mais favorável economicamente do que a realização de reforma ou adequação em imóvel alugado sob a forma convencional;

    9.5. recomendar ao Conselho Superior da Justiça do Trabalho e ao Conselho Nacional de Justiça que avaliem a conveniência e a oportunidade de celebrar parcerias público-privadas, na modalidade concessão administrativa, com vistas a dotar os Tribunais Regionais do Trabalho de imóveis adequados com serviços públicos adicionados para o bom funcionamento institucional (Acórdão nº 1.301/2013 – Plenário, Rel. Min. Substituto André Luís de Carvalho, revisor Ministro Benjamin Zymler, Processo nº 046.489/2012-6).

     

    Mesmo inexistindo na nova lei de licitações previsão acerca da operação built to suit, é juridicamente possível a formalização desse ajuste pela administração pública estadual, municipal e do Distrito Federal, que a respaldará na Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/1991), podendo utilizar, como parâmetro, as deliberações contidas no Acórdão nº 1.301/2013 – Plenário, retro citado.

     

    O Tribunal de Contas da União, em julgado recente, respondeu a questionamento formulado pelo Presidente do Conselho da Justiça Federal, acerca da legalidade de contratos administrativos de locação de imóveis na modalidade built to suit (aluguel sob medida ou BTS) em terrenos da União. Em resposta, a Corte de Contas federal assentou o entendimento de que existe amparo legal à utilização do modelo de locação sob medida, built to suit, em terrenos da União, sendo obrigatória a reversão do bem à administração pública ao final do contrato, hipótese em que se fazem necessários o procedimento licitatório, a concessão do direito de superfície ao eventual vencedor do certame e o atendimento às demais exigências dispostas no Acórdão n.º 1.301/2013-TCU-Plenário. Os contratos de locação sob medida, built to suit, com cláusula de reversão do bem à administração pública ao final da avença constituem operações de crédito, desde o momento da contratação, sujeitando-se às regras orçamentárias e de responsabilidade fiscal aplicáveis à espécie, previstas na Constituição Federal, na Lei Complementar nº 101/2000, nas leis de diretrizes orçamentárias, nas respectivas leis orçamentárias e nos correspondentes regulamentos (Acórdão nº 755/2023 – Plenário, Rel. Min. Antonio Anastasia, Processo nº 006.209/2019-0).

     

    No âmbito da administração pública federal, autárquica e fundacional, a Instrução Normativa SEGES/ME nº 103/2022 permite a locação built to suit (BTS), conforme disposto a seguir:

     

    Art. 3º Os órgãos e as entidades poderão firmar contratos de locação de imóveis, observados os seguintes modelos:

    [...]

    III - locação built to suit – BTS: o locador procede à prévia aquisição, construção ou substancial reforma, por si mesmo ou por terceiros, do imóvel então especificado pelo pretendente à locação, a fim de que seja a este locado, prevalecendo as condições livremente pactuadas no respectivo contrato e as disposições procedimentais previstas na Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991.

    [...]

    Art. 4º Para a adoção do modelo BTS, de que trata o inciso III do caput do art. 3º, deverão ser observados os procedimentos e os limites estabelecidos em ato da Secretaria de Gestão da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia.

    [...]

    Art. 8º Serão observados os seguintes regimes de execução:

    [...]

    III - prestação de serviços incluindo a realização de obras, serviços de engenharia e o fornecimento de bens, quando adotado o BTS.

    [...]

    Art. 9º Os contratos de locação observarão os seguintes prazos:

    [...]

    II - até 10 (dez) anos, nos contratos de locação BTS sem investimento, no qual inexistem benfeitorias permanentes; e

    III - até 35 (trinta e cinco) anos, nos contratos de locação BTS com investimento, quando implicar a elaboração de benfeitorias permanentes, realizadas exclusivamente às expensas do contratado, que serão revertidas ao patrimônio da Administração ao término do contrato.

    [...]

    Art. 20. Fica dispensado o chamamento público nas seguintes hipóteses:

    I - quando o BTS for para fins de construção;

     

     

    *Marinês Restelatto Dotti. Advogada da União. Especialista em Direito do Estado e em Direito e Economia pela Universidade Federal do Estado do Rio Grande do Sul (UFRGS). Autora das seguintes obras: 1. Governança nas contratações públicas - Aplicação efetiva de diretrizes, responsabilidade e transparência - Inter-relação com o direito fundamental à boa administração e o combate à corrupção; 2. Prática de licitações e contratações administrativas - Lei nº 14.133/2021. Coautora das seguintes obras: 1. Políticas públicas nas licitações e contratações administrativas; 2. Limitações constitucionais da atividade contratual da administração pública; 3. Convênios e outros instrumentos de Administração Consensual na gestão pública do século XXI. Restrições em ano eleitoral; 4. Da responsabilidade de agentes públicos e privados nos processos administrativos de licitação e contratação; 5. Gestão e probidade na parceria entre Estado, OS e OSCIP; 6. Microempresas, empresas de pequeno porte e sociedades cooperativas nas contratações públicas; 7. Comentários ao RDC integrado ao sistema brasileiro de licitações e contratações públicas; 8. Mil perguntas e respostas necessárias sobre licitação e contrato administrativo na ordem jurídica brasileira; 9. Comentários à lei das empresas estatais: Lei nº 13.303/16; 10. Coletânea dos 10 artigos mais lidos no Portal ONLL; e 11. Da responsabilidade de agentes públicos e privados nos processos de licitação e contratação: Lei nº 14.133/2021. Colaboradora nas obras: 1. Direito do estado: Novas tendências; 2. Direito Público do Trabalho - Estudos em homenagem a Ivan D. Rodrigues Alves; 3. Contratações públicas - Estudos em homenagem ao professor Carlos Pinto Coelho Motta; 4. Licitações públicas - Estudos em homenagem ao jurista Jorge Ulisses Jacoby Fernandes; 5. Comentários ao sistema legal brasileiro de licitações e contratos administrativos; 6. Temas Atuais de Direito Público; 7. Nova LINDB - Consequencialismo, deferência judicial, motivação e responsabilidade do gestor público; 8. Direito em tempos de crise - Covid-19, Volume IV, Contratos administrativos - Controle. 9. Estudos sobre a Lei 14.133/2021 – Nova lei de licitações e contratos administrativos; 10. A boa gestão pública e o novo Direito Administrativo – Dos conflitos às melhores soluções práticas; 11. Procedimentos auxiliares das licitações e das contratações públicas. Professora no curso de extensão “Capacitação em Licitações e Contratos Administrativos” da Escola da Magistratura no Estado do Rio Grande do Sul. Conferencista na área de licitações e contratações da Administração Pública. Acesso ao currículo: https://lattes.cnpq.br/5561970349382628