Opinião

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    AGENTE DE CONTRATAÇÃO, COMISSÃO DE CONTRATAÇÃO E PREGOEIRO

    *Jessé Torres Pereira Junior

    * Marinês Restelatto Dotti

     

    Sumário: 1. Introdução. 2. Agente de contratação. 3. Comissão de contratação. 4. Pregoeiro. 5. Responsabilidade perante o controle externo. 6. Conclusão

     

    1. Introdução

    Dispõe o art. 7º, inciso I, da Lei nº 14.133/2021 que caberá à autoridade máxima do órgão ou da entidade, ou a quem as normas de organização administrativa indicarem, promover gestão por competências e designar “agentes públicos” para o desempenho das funções essenciais à execução da Lei, que sejam, preferencialmente, servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da administração pública.

    De acordo com a nova lei de licitações, dentre a generalidade de funções exercidas em processos de licitação e de contratação direta, deverão ser desempenhadas por agentes públicos, que sejam, preferencialmente, servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da administração pública.

    Agente público, em sentido lato - alcança todo aquele que presta qualquer atividade pública ao Estado, no sentido mais amplo possível dessa expressão -, no desempenho de suas funções e nas relações jurídico-administrativas de que fazem parte ou em que atuam.

    Para efeito de aplicação da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992), reputa-se “agente público”, consoante o seu art. 2º, o agente político, o servidor público e todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades referidas no art. 1º da Lei. A Lei adotou conceito amplo de “agente público”, de sorte que, quaisquer de suas espécies ou categorias foram agasalhadas pelo comando legal. Não interfere na responsabilização por improbidade o caráter estatutário ou contratual da função, a determinação ou a indeterminação temporal do seu exercício, o recebimento ou não de remuneração, a integração formal do seu exercício em órgão ou entidade da administração pública direta ou indireta. Nem mesmo a natureza administrativa ou não (legislativa ou jurisdicional) é critério diferenciador sob tal aspecto. Importa apenas que o agente, ao cometer o ato de improbidade, esteja no desempenho de atividade pública. 

    De acordo com a Lei nº 8.112/1990, servidor é a pessoa legalmente investida em cargo público. Cargo público é o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional, cometido a um servidor. Os cargos públicos, acessíveis a todos os brasileiros, são criados por lei, com denominação própria e vencimento pago pelos cofres públicos, para provimento em caráter efetivo ou em comissão. Cargo efetivo é o que decorre de concurso de provas ou de provas e títulos, ou seja, a pessoa que passa a ter vínculo permanente com a administração pública após aprovação em concurso público. O cargo em comissão, que também integra os quadros da administração, é aquele em que seu ocupante o exerce mediante provimento provisório, sendo exonerável a qualquer tempo, a critério exclusivo da administração. Embora integrantes dos quadros do órgão ou entidade licitadora, os cargos em comissão podem ser ocupados por pessoas que não guardam vínculo permanente com a administração.

    No âmbito da administração pública, existem as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo (art. 37, inciso V, da Constituição Federal) e os cargos em comissão, os quais podem ser preenchidos por servidores que já detenham cargos efetivos de carreira, de acordo com percentuais estabelecidos na respectiva lei de criação (art. 37, incisos II e V, da Constituição Federal). Significa, pois, que os cargos em comissão devem ser ocupados por um percentual mínimo legal de servidores de carreira, podendo-se preencher as vagas restantes por pessoas sem vínculo definitivo com a administração pública.

    Feitas essas considerações, ver-se-á, a seguir, quem pode exercer as funções de agente de contratação e pregoeiro e quem pode integrar comissões de contratação.

     

    2. Agente de contratação

    Dispõe a Lei nº 14.133/2021, em seus artigos 6º, inciso LX e 8º, caput, que o agente de contratação deve ser designado pela autoridade competente entre servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da administração pública. Significa, pois, que somente poderá exercer a função de agente de contratação a pessoa aprovada em concurso público, pertencente ao quadro permanente do órgão ou entidade pública e, ainda, com formação compatível ou qualificação atestada por certificação profissional emitida por escola de governo criada e mantida pelo Poder Público (art. 7º, inciso II). Ou seja, servidor público efetivo, titular de cargo público, que conquistou mediante aprovação em concurso público de provas e títulos. Em outras palavras ainda, não poderá ser agente de contratação o ocupante apenas de cargo em comissão que não seja, também, titular de cargo de provimento efetivo.

     

    3. Comissão de contratação

    No tocante à comissão de contratação, estabelece o art. 6º, inciso L, que se constitui no conjunto de “agentes públicos” indicados pela administração, em caráter permanente ou especial, com a função de receber, examinar e julgar documentos relativos às licitações e aos procedimentos auxiliares.

    A Lei nº 14.133/2021 estabeleceu que membros de comissão de contratação devam ser “agentes públicos”, sem especificar se, preferencialmente, servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da administração pública, como fez com o agente de contratação, até porque os empregados públicos também conquistaram seus empregos, em regra, mediante concurso público. Apenas não são regidos por normas estatutárias, mas, sim, por normas trabalhistas.

    A diretriz prevista no art. 7º, inciso I, da Lei nº 14.133/2021, dispõe que caberá à autoridade máxima do órgão ou da entidade, ou a quem as normas de organização administrativa indicarem, promover gestão por competências e designar “agentes públicos” para o desempenho das funções essenciais à execução da Lei que sejam, preferencialmente, servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da administração pública, o que abrange a direta, a autárquica e a fundacional, excluídas as empresas públicas e as sociedades de economia, cuja atividade contratual e licitatória é regida por lei própria. Extrai-se, pois, que membros de comissão de contratação devem ser, obrigatoriamente, agentes públicos, abrangendo os que exercem cargos comissionados sem vínculo definitivo com a administração, observada a necessária justificativa atinente ao afastamento do caráter preferencial da ocupação da função por servidores concursados dos quadros permanentes da administração, que comprovem formação compatível ou qualificação atestada por certificação profissional emitida por escola de governo criada e mantida pelo Poder Público.

    Acerca da criação de cargos em comissão, assentou o Supremo Tribunal Federal (ADI 6655/SE, Rel. Min. Edson Fachin, julgamento virtual finalizado em 6.5.2022) que é inconstitucional a criação de cargos em comissão sem a devida observância dos requisitos indispensáveis. A jurisprudência da Corte é assertiva quanto às condições para a criação de cargos em comissão. No julgamento do RE 1.041.210 (Tema 1010 RG), o Tribunal cuidou de consolidar os critérios cumulativos que devem nortear o controle de constitucionalidade das leis que os criam.  São eles: (a) a criação de cargos em comissão somente se justifica para o exercício de funções de direção, chefia e assessoramento, não se prestando ao desempenho de atividades burocráticas, técnicas ou operacionais; (b) tal criação deve pressupor a necessária relação de confiança entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado; (c) o número de cargos comissionados criados deve guardar proporcionalidade com a necessidade que eles visam suprir e com o número de servidores ocupantes de cargos efetivos no ente federativo que os criar; e d) as atribuições dos cargos em comissão devem estar descritas, de forma clara e objetiva, na própria lei que os instituir.

    A Constituição Federal reservou à administração pública regime jurídico minucioso na conformação do interesse público com a finalidade de resguardar a isonomia e a eficiência na formação de seus quadros de pessoal. Os cargos em comissão, por sua vez, representam exceção à regra.

     

     4. Pregoeiro

    Quanto à função de pregoeiro, a Lei, em seu art. 8º, §5º, diz tratar-se do “agente” responsável pela condução da licitação na modalidade pregão. A utilização do termo “agente” poderia indicar que qualquer pessoa, mesmo estranha à administração, estaria autorizada a exercer a função. Tal entendimento, no entanto, não pode prosperar. Impõe-se, novamente, invocar-se a diretriz do art. 7º, inciso I, da Lei nº 14.133/2021, segundo a qual caberá à autoridade máxima do órgão ou da entidade, ou a quem as normas de organização administrativa indicarem, promover gestão por competências e designar “agentes públicos” para o desempenho das funções essenciais à execução da Lei que sejam, preferencialmente, servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da administração pública. Assim, em simetria com membros de comissão de contratação, pregoeiros devem ser, obrigatoriamente, agentes públicos, no sentido enunciado no parágrafo acima.

     

    5. Responsabilidade perante o controle externo

    Membros de comissão de contratação e pregoeiros não se eximem de responsabilidade perante o Tribunal de Contas da União sob o argumento de que não integravam quadro permanente do órgão ou entidade pública licitante. A jurisdição da Corte de Contas Federal alcança qualquer pessoa física que gerencie recursos públicos, consoante estabelecem os seguintes dispositivos da Lei nº 8.443/1992:

    Art. 1º Ao Tribunal de Contas da União, órgão de controle externo, compete, nos termos da Constituição Federal e na forma estabelecida nesta Lei:

    I – julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos das unidades dos poderes da União e das entidades da administração indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo poder público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte dano ao Erário;

    [...]

    Art. 5º A jurisdição do Tribunal abrange:

    I – qualquer pessoa física, órgão ou entidade a que se refere o inc. I do art. 1º desta Lei, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária;

    II – aqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte dano ao Erário;

    Averbe-se o precedente:

    8. Ademais, cumpre consignar que a simples alegação de não fazer parte do rol de responsáveis da Organização Militar em tela não exime a responsabilização dos gestores que integraram comissões de licitação, uma vez que está sujeita à fiscalização do TCU qualquer pessoa física que gerencie recursos públicos, seja em sede de TCE ou das próprias contas ordinárias anuais (art. 1º, inc. I, c/c art. 5º, inc. I, da Lei nº 8.443/1992) (Acórdão nº 3.062/2010 – Plenário, Rel. Min. Valmir Campelo, Processo nº 022.382/2005-0).

    Em verdade, a responsabilidade de ocupantes de cargos ou funções sem vínculo permanente com o Poder Público decorre do dever universal de prestar contas, apanágio do sistema republicano, tal como definido no art. 70, parágrafo único, da Constituição Federal, com a redação da Emenda nº 19/1998 – “Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária”.

     

    6. Conclusão

    A Lei nº 14.133/2021, além de instituir duas modalidades licitatórias com denominações distintas e com o mesmo rito procedimental - a concorrência e o pregão -, criou designações diversas para os agentes atuantes na condução dos procedimentos licitatórios, quais sejam: a comissão de contratação, o agente de contratação e, ainda, o pregoeiro.

    Perdeu-se a oportunidade de, no novo estatuto das licitações, simplificar-se o sistema jurídico da licitação por meio da instituição de um rito ordinário comum para o seu processamento, como o fez o Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC (Lei nº 12.462/2011), e, também, pela utilização de uma só nomenclatura para o agente condutor do certame.

    Veja-se que a figura do pregoeiro aparece uma única vez no texto da Lei (art. 8º, §5º), para informar que, na licitação na modalidade denominada de pregão, o agente responsável pela condução do certame será chamado de pregoeiro, sem menção de que será designado entre os servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da administração, de que poderá ser auxiliado por equipe de apoio e, ainda, das condições para esse auxílio.

    A necessidade de delineamento das competências e perfis de membros de comissões de contratação, de agentes de contratação e, também, de pregoeiros contribuirá não só para o agigantamento de normativos que serão publicados para a regulamentação da nova lei de licitações, mas, também, em possíveis equívocos na escolha do agente apropriado para a condução do certame, contrariando políticas públicas de desburocratização, modernização, simplificação e eliminação de formalidades, além de, eventualmente, gerar situações provocadoras de representações aos tribunais de controle externo ou de demandas judiciais, tendo como causa de pedir supostas nulidades do agir administrativo, por descumprimento de normas legais ou regulamentares.

    No tocante ao exercício das funções de agente de contratação, comissão de contratação e pregoeiro, extrai-se da diretriz prevista no art. 7º, inciso I, da Lei nº 14.133/2021, em combinação com os artigos 6º, incisos L e LX, e 8º, que:

    (a) somente poderá exercer a função de agente de contratação a pessoa aprovada em concurso público, pertencente ao quadro permanente do órgão ou entidade pública e, ainda, com formação compatível ou qualificação atestada por certificação profissional emitida por escola de governo criada e mantida pelo Poder Público;

    (b) membros de comissão de contratação devem ser, obrigatoriamente, agentes públicos, abrangendo os que exercem cargos comissionados sem vínculo definitivo com a administração, observada a necessária justificativa atinente ao afastamento do caráter preferencial da ocupação da função por servidores concursados dos quadros permanentes da administração, que comprovem formação compatível ou qualificação atestada por certificação profissional emitida por escola de governo criada e mantida pelo Poder Público (v. CF/88, art. 39, § 2º);

    (c) em simetria com membros de comissão de contratação, pregoeiros devem ser, obrigatoriamente, agentes públicos, no sentido enunciado no item precedente.

     

     

    *Jessé Torres Pereira Junior.  Desembargador aposentado. Conferencista emérito e Presidente do Fórum Permanente de Gestão Pública Sustentável da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Professor convidado da Fundação Getúlio Vargas – RJ e da Escola Superior de Advocacia da OAB/RJ. Membro honorário do Instituto dos Advogados Brasileiros. http://lattes.cnpq.br/3781922776344517

    * Marinês Restelatto Dotti. Advogada da União. Especialista em Direito do Estado e em Direito e Economia pela Universidade Federal do Estado do Rio Grande do Sul (UFRGS). Autora de livros e artigos jurídicos. Professora em cursos de Pós-Graduação em Direito Público. Conferencista na área de licitações e contratações da administração pública. Currículo atualizado: http://lattes.cnpq.br/5561970349382628