Opinião

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    A APROVAÇÃO DO PROJETO BÁSICO OU TERMO DE REFERÊNCIA NA NOVA LEI DE LICITAÇÕES

     

    * Marinês Restelatto Dotti

     

     

    A nova lei de licitações, a Lei nº 14.133/2021, em seu art. 45, §3º, dispõe que no regime de execução denominado de contratação integrada, após a elaboração do projeto básico pelo contratado, o conjunto de desenhos, especificações, memoriais e cronograma físico-financeiro deverá ser submetido à aprovação da administração, que avaliará sua adequação em relação aos parâmetros definidos no edital e conformidade com as normas técnicas, vedadas alterações que reduzam a qualidade ou a vida útil do empreendimento e mantida a responsabilidade integral do contratado pelos riscos associados ao projeto básico. A contratação integrada constitui-se no regime de contratação de obras e serviços de engenharia em que o contratado é responsável por elaborar e desenvolver os projetos básico e executivo, executar obras e serviços de engenharia, fornecer bens ou prestar serviços especiais e realizar montagem, teste, pré-operação e as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto.

    Salvo essa previsão acerca da aprovação, pela administração contratante, do conjunto de desenhos, especificações, memoriais e cronograma físico-financeiro que integram o projeto básico, elaborado pelo contratado, no regime de contratação integrada, inexiste disposição, na nova lei de licitações e seus regulamentos até então expedidos (decretos e instruções normativas), a respeito da necessária aprovação do projeto básico ou termo de referência pela autoridade competente, como disposto no regime da Lei nº 8.666/1993 (art. 7º, §2º, inciso I), no pregão eletrônico (art. 14, inciso II, do Decreto nº 10.024/2019) e no regime diferenciado de contratações públicas (art. 8º, §5º, da Lei nº 12.462/2011), respectivamente:

     

    Art. 7º  As licitações para a execução de obras e para a prestação de serviços obedecerão ao disposto neste artigo e, em particular, à seguinte seqüência:

    […]

    § 2º  As obras e os serviços somente poderão ser licitados quando:

    I - houver projeto básico aprovado pela autoridade competente e disponível para exame dos interessados em participar do processo licitatório;

     

    Art. 14.  No planejamento do pregão, na forma eletrônica, será observado o seguinte:

    [...]

    II - aprovação do estudo técnico preliminar e do termo de referência pela autoridade competente ou por quem esta delegar;

     

    Art. 8º […] § 5º Nas licitações para a contratação de obras e serviços, com exceção daquelas onde for adotado o regime previsto no inciso V do caput deste artigo, deverá haver projeto básico aprovado pela autoridade competente, disponível para exame dos interessados em participar do processo licitatório.

     

    Dispõe o PARECER n. 00002/2021/CNMLC/CGU/AGU (NUP 00688.000716/2019-43), produzido pela Câmara Nacional de Modelos de Licitações e Contratos Administrativos da Consultoria-Geral da União, acerca da aplicação da Lei nº 14.133/2021:

    [….] 

    A presente interpretação busca, por conseguinte, compatibilizar o conteúdo da norma constante do art. 189 com a parte final do art. 191, que aponta a impossibilidade de se criar uma “colcha de retalhos”, combinando dispositivos da antiga Lei nº 8.666, de 1993 com a Lei nº 14.133, de 2021.

    161. A parte final do art. 191 impede, ainda, qualquer interpretação no sentido de que as referências constantes da Lei nº 8.666, de 1993, poderiam eventualmente ser lidas automaticamente como referências aos dispositivos constantes da nova lei, em virtude do texto constante do art. 189.

    162. Exemplifique-se: o Parágrafo Único do art. 8º da Lei nº 8.666, de 1993, faz referência ao despacho circunstanciado da autoridade referida no art. 26 da mesma lei, que fundamenta dispensas e inexigibilidades. Seria possível entender que essa referência ao art. 26 poderia ser entendida como direcionada ao art. 72 da nova lei? A resposta deve ser, indubitavelmente, negativa. Assentir com essa interpretação seria criar insegurança jurídica insanável, e é exatamente tal situação que o art. 191 da Lei nº 14.133, de 2021, busca evitar.

    163. Assim, o comando do artigo 189 do atual estatuto de licitações deve ser interpretado seguindo as disposições constantes notadamente do artigo 191, sob pena de se criar um “terceiro sistema jurídico”, que, aliás, foi expressamente vedado pela lei.

     

    Consoante estabelece o art. 191 da Lei nº 14.133/2021, até o decurso do prazo de que trata o inciso II do caput do art. 193, ou seja, até 1º de abril de 2023, a administração pública poderá optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com a nova lei ou de acordo com as Leis nº 8.666/1993, nº 10.520/2002 ou os artigos 1º a 47-A da Lei nº 12.462/2011 (RDC), e a opção escolhida deverá ser indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta, vedada a aplicação combinada da Lei nº 14.133/2021 com as Leis nº 8.666/1993, nº 10.520/2002 e os artigos 1º a 47-A da Lei nº 12.462/2011. O PARECER n. 00002/2021/CNMLC/CGU/AGU, retro citado, conclui, sob esse aspecto, que:

     

    XIII - Não é possível a recepção de regulamentos das leis nº 8.666/93, 10.520/02 ou 12.462/11 para a Lei nº 14.133/21, enquanto todas essas leis permanecerem em vigor, independentemente de compatibilidade de mérito, ressalvada a possibilidade de emissão de ato normativo, pela autoridade competente, ratificando o uso do regulamento para contratações sob a égide da nova legislação.

     

    Assim, por força do disposto no art. 191 da Lei nº 14.133/2021, inexistindo, nesse diploma e em norma (ex.: decreto, instrução normativa) editada para o fim de regulamentá-lo, disposição a respeito da necessária aprovação do projeto básico ou termo de referência pela autoridade competente, não se estenderão ou aplicarão as disposições da Lei nº 8.666/1993, da Lei nº 10.520/2002 e dos artigos 1º a 47-A da Lei nº 12.462/2011 e seus regulamentos ao rito procedimental das licitações e contratações regidas pela Lei nº 14.133/2021, ou seja, não se aplicarão o art. 7º, §2º, inciso I, da Lei nº 8.666/1993, o art. 14, inciso II, do Decreto nº 10.024/2019 e o art. 8º, §5º, da Lei nº 12.462/2011 ao novo regime de licitações regido pela Lei nº 14.133/2021.

    Caso a norma editada para o fim de regulamentar a Lei nº 14.133/2021 estabeleça a aplicabilidade da norma anteriormente editada, regulamentadora da Lei nº 8.666/1993, da Lei nº 10.520/2002 ou da Lei nº 12.462/2011, neste caso, por disposição expressa, aplica-se a norma anterior.

    Nenhum dos regulamentos expedidos, até então, acerca da Lei nº 14.133/2021, dispõe a respeito da necessária aprovação do projeto básico ou termo de referência pela autoridade competente. Nem a Lei nº 14.133/2021 a prevê. Neste caso, inexiste a obrigação, por aplicação do art. 191 da nova lei de licitações.

     

    * Marinês Restelatto Dotti. Advogada da União. Especialista em Direito do Estado e em Direito e Economia pela Universidade Federal do Estado do Rio Grande do Sul (UFRGS). Autora de livros e artigos jurídicos. Professora em cursos de Pós-Graduação em Direito Público. Conferencista na área de licitações e contratações da administração pública. Currículo atualizado: http://lattes.cnpq.br