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    PARECER Nº JL - 06

    Presidência da República
    Secretaria-Geral

    Subchefia para Assuntos Jurídicos

    DESPACHO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA

    ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO

    Processo nº 00405.007812/2019-41.  Parecer nº JL - 06, de 10 de novembro de 2020, do Advogado-Geral da União, que adotou, nos termos estabelecidos no Despacho do Consultor-Geral da União nº 00916/2020/GAB/CGU/AGU e no Despacho nº 00732/2020/DECOR/CGU/AGU, o Parecer nº 81/2020/DECOR/CGU/AGU da Consultoria-Geral da União.  Aprovo.  Publique-se para os fins do disposto no art. 40, § 1º, da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993.  Em 12 de novembro de 2020.

    PROCESSO ADMINISTRATIVO Nº: 00405.007812/2019-41

    INTERESSADOS: PROCURADORIA-GERAL DA UNIÃO

    ASSUNTO:  INTERPRETAÇÃO DO ART. 142, § 2º, DA LEI Nº 8.112, DE 1990.

    PARECER Nº JL - 06

    ADOTO, para os fins do art. 41 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, nos termos do Despacho do Consultor-Geral da União nº 00916/2020/GAB/CGU/AGU e do Despacho nº 00732/2020/DECOR/CGU/AGU, o anexo Parecer nº 81/2020/DECOR/CGU/AGU e submeto-o ao EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DA REPÚBLICA, para os efeitos do art. 40, § 1º, da referida Lei Complementar, tendo em vista a relevância da matéria versada.

    Em 10 de novembro de 2020.

    JOSÉ LEVI MELLO DO AMARAL JÚNIOR

    Advogado-Geral da União

    DESPACHO nº 00916/2020/GAB/CGU/AGU

    NUP: 00405.007812/2019-41

    INTERESSADA: Procuradoria-Geral da União

    ASSUNTO: Interpretação do art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112, de 1990

    Exmo. Senhor Advogado-Geral da União,

    1.Aprovo, nos termos do Despacho  732/2020/DECOR/CGU/AGU, o Parecer  81/2020/DECOR/CGU/AGU.

    2.Caso acolhido, recomenda-se a submissão do Parecer ora aprovado à elevada apreciação do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, e posterior publicação no Diário Oficial da União, de maneira que o entendimento adotado vincule toda a Administração Pública Federal, nos termos do art. 40, § 1º, e art. 41 da Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União - Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, revogando-se o Parecer nº AM-02 e o Parecer nº AM-03.

    Brasília, 04 de novembro de 2020.

    (assinado eletronicamente)

    ARTHUR CERQUEIRA VALÉRIO

    Advogado da União Consultor-Geral da União

    Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 00405007812201941 e da chave de acesso d52edf30

    Documento assinado eletronicamente por ARTHUR CERQUEIRA VALERIO, de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 527210375 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): ARTHUR CERQUEIRA VALERIO. Data e Hora: 04-11-2020 16:57. Número de Série: 17340791. Emissor: Autoridade Certificadora SERPRORFBv5.

    DESPACHO nº 00732/2020/DECOR/CGU/AGU

    NUP: 00405.007812/2019-41

    INTERESSADOS: Procuradoria-Geral da União

    ASSUNTOS: Interpretação do art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112, de 1990

    Exmo. Senhor Consultor-Geral da União,

    1. Aprovo o Parecer nº 81/2020/DECOR/CGU/AGU, e elevo à apreciação superior proposta de revogação do Parecer nº AM-02 e do Parecer nº AM-03 (DOU 12.4.2019).

    2. Por conseguinte, consolide-se o entendimento no sentido de que a aplicação do art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112, de 1990, prescinde de persecução penal, ou seja, para a aplicação dos prazos prescricionais criminais às infrações disciplinares é suficiente que referenciadas infrações também sejam, em tese, capituladas como crime pela Administração Pública, sendo absolutamente irrelevante a existência ou não de inquérito policial ou ação penal, ressalvada a existência de absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria (art. 126 da Lei nº 8.112, de 1990).

    3. Conforme demonstrado no Parecer ora aprovado, do preceito da independência relativa das instâncias administrativa e criminal, de que trata os arts. 125 e 126 do Estatuto dos Servidores Públicos Federais, decorre a conclusão no sentido de que eventual enquadramento de infração disciplinar como crime para os fins do § 2º do art. 142 da Lei nº 8.112, de 1990, é atividade tipicamente administrativa, realizada em estrito cumprimento de expresso comando legal e para a exclusiva finalidade de determinar o prazo prescricional aplicável à persecução disciplinar, não representando, portanto, interferência nem tampouco indevida intromissão da Administração na atuação da jurisdição penal.

    4. O entendimento ora consolidado decorre, outrossim, do princípio da segurança jurídica, uma vez que a prescrição é seu corolário e se presta justamente para consolidar situações jurídicas em virtude do lapso temporal decorrido, desta maneira é impróprio que a determinação do prazo prescricional aplicável na esfera disciplinar dependa da atuação da instância penal.

    5. O posicionamento do Parecer AM-02 e do Parecer nº AM-03 decorreu, precipuamente, dos termos da jurisprudência então vigente no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a qual exigia que houvesse ao menos inquérito policial em trâmite para que à Administração Pública fosse possível proceder a persecução disciplinar a partir dos prazos prescricionais penais. Observa-se, não obstante, que após a edição do Parecer nº AM-02 e do Parecer nº AM-03, aprovados pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República em 9 de abril de 2019, e publicados no Diário Oficial da União que circulou em 12 de abril de 2019, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido oposto, conforme bem lançado no Parecer nº 81/2020/DECOR/CGU/AGU, e consoante se verifica do recente precedente que segue:

    ADMINISTRATIVO.PROCESSOADMINISTRATIVO DISCIPLINAR.

    PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. CIÊNCIA DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA COMPETENTE. PENALIDADE DE DEMISSÃO. PROPORCIONALIDADE. HISTÓRICO DA DEMANDA

    ...

    8. A Primeira Seção firmou o entendimento de que, "para que seja aplicável o art. 142, §   da Lei  8.112/1990, não é necessário demonstrar a existência da apuração criminal  da conduta do servidor" (MS 20.857/DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Min. Og Fernandes, DJe 12.6.2019).

    ...

    (AgInt nº RMS 58.488/BA, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/09/2020, DJe 02/10/2020)

    6. Destaque-se, igualmente, que em recente julgamento ocorrido no âmbito do Supremo Tribunal Federal (RMS 35383 AgR, Segunda Turma, julgado em 28/06/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-170 DIVULG 05-08-2019 PUBLIC 06-08-2019), constou explicitamente do voto do eminente Ministro Relador Gilmar Mendes que:

    "... Assim, é indiferente o argumento de que o agravante 'nunca foi indiciado, denunciado ou muito menos condenado por qualquer crime, em especial aquele capitulado no art. 325 do Código Penal', uma vez que a jurisprudência firmou-se no sentido de ser irrelevante a instauração de processo penal a respeito da caracterização de crimes pelas infrações administrativas imputadas ao impetrante, para fins de cálculo da prescrição, ressalvadas as hipóteses de reconhecimento, na esfera penal, da inexistência do fato ou negativa de autoria. (...) Dessa forma, sendo necessária apenas a capitulação da infração administrativa como crime para ser considerado o prazo prescricional previsto na lei criminal, não prospera o recurso, no ponto".

    7. Nestes termos, a superveniente alteração e consolidação da jurisprudência a respeito da matéria recomenda a revogação do Parecer nº AM-02 e do Parecer nº AM-03.

    8. Por fim, acerca da infração disciplinar de abandono de cargo de que cuida o art. 138 da Lei nº 8.112, de 1990, e objeto do Parecer nº AM-02, verifica-se que o prazo prescricional para sua apuração disciplinar é regido, em princípio, pelo inciso I do art. 142 do Estatuto dos Servidores, não obstante, nas hipóteses em que a infração disciplinar também se caracterizar, em tese, como crime tipificado no art. 323 do Código Penal, incidirá o § 2º do art. 142 da Lei nº 8.112, de 1990, e aplicar-se-á o prazo prescricional criminal.

    9. Caso acolhido, recomenda-se que o Parecer nº 81/2020/DECOR/CGU/AGU e os subsequentes Despachos de aprovação sejam submetidos à apreciação do Advogado-Geral da União, após o que devem ser elevados para aprovação do Excelentíssimo Senhor Presidente da República e ulterior publicação no Diário Oficial da União para os fins do art. 40, § 1º, e art. 41 da Lei Complementar nº 73, de 1993.

    Brasília, 28 de outubro de 2020.

    VICTOR XIMENES NOGUEIRA

    ADVOGADO DA UNIÃO

    DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE COORDENAÇÃO E ORIENTAÇÃO DE ÓRGÃOS JURÍDICOS

    Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 00405007812201941 e da chave de acesso d52edf30

    Documento assinado eletronicamente por VICTOR XIMENES NOGUEIRA, de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 522529974 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): VICTOR XIMENES NOGUEIRA. Data e Hora: 28-10-2020 08:50. Número de Série: 1781977. Emissor: Autoridade Certificadora SERPRORFBv5.

    PARECER nº 81/2020/DECOR/CGU/AGU

    NUP: 00405.007812/2019-41

    INTERESSADA: PROCURADORIA-GERAL DA UNIÃO

    ASSUNTO: INTERPRETAÇÃO DO § 2º DO ART. 142 DA LEI N.º 8.112/90

    EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PRESCRIÇÃO. PRAZO. INFRAÇÕES DISCIPLINARES TAMBÉM CAPITULADAS COMO CRIME. INTERPRETAÇÃO DO ART. 142, § 2º, DA LEI N.º 8.112/90. PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA ENTRE AS INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVA E PENAL. PRESCINDIBILIDADE DE INQUÉRITO POLICIAL OU AÇÃO PENAL. NECESSIDADE DE SUPERAÇÃO DOS PARECERES Nº AM-02 E AM-03.

    I - A aplicação do § 2º do art. 142 da Lei n.º 8.112/90 prescinde da existência de inquérito policial ou ação penal, ou seja, a capitulação da infração disciplinar também como crime pela Administração é suficiente para fundamentar a utilização dos prazos prescricionais penais.

    II -  Os posicionamentos constantes dos Pareceres nº AM-02 e AM-03 devem ser superados.

    Senhor Diretor,

    1.O presente processo eletrônico trata da necessidade ou não de revisão dos Pareceres nº AM-02 e AM-03, aprovados pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República em 09/04/2019 e publicados no Diário Oficial da União de 12/04/2019.

    2.O Parecer nº 1/2017/CPPAD/DECOR/CGU/AGU, adotado pelo referido Parecer nº AM-02, assim concluiu:

    22. Ante o exposto, após análise das questões submetidas a exame, em atendimento à solicitação formulada, efetuam-se as seguintes conclusões:

    a) Aplica-se à falta disciplinar de abandono de cargo o prazo de prescrição administrativa indicada no art. 142, inciso I, da Lei nº 8.112, de 1990, em caso de inexistência de persecução penal para o mesmo fato;

    b) pela superação (overruling) das razões de decidir (ratio decidendi) sufragadas nos Pareceres GM-007 e GQ-144, com eficácia prospectiva, com base nas recentes decisões judiciais do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria.

    3.O Parecer nº 2/2017/CPPAD/DECOR/CGU/AGU, acolhido pelo já mencionado Parecer nº AM-03, proclamou o seguinte:

    Pelo exposto, com base nos incisos X e XI do art. 4º da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, que atribui competência ao Advogado-Geral da União para `fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e demais atos normativos, a ser uniformemente seguida pelos órgãos e entidades da Administração Federal`  bem como 'unificar a jurisprudência administrativa, garantir a correta aplicação das leis, prevenir e dirimir as controvérsias entre órgãos jurídicos da Administração Federal', e também, conforme a farta jurisprudência dos Tribunais Superiores mencionadas, sugiro a revisão e superação (overruling) das razões de decidir constantes no Parecer AGU nº GQ - 164, de 1998, com eficácia prospectiva, para adequar-se a atual corrente jurisprudencial no sentido de que deve incidir a regra do art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112, de 1990, somente nas hipóteses em que as infrações administrativas cometidas pelo servidor público também sejam ou tenham sido objeto de inquérito policial ou ação penal.

    4.Convém anotar que as conclusões dos citados Pareceres nº 1/2017/CPPAD/DECOR/CGU/AGU e 2/2017/CPPAD/DECOR/CGU/AGU foram estabelecidas como decorrência da jurisprudência então dominante no Superior Tribunal de Justiça acerca da interpretação a ser dada ao § 2º do art. 142 da Lei nº 8.112/90.

    5.Partiu da Procuradoria-Geral da União o pedido de análise quanto ao eventual cabimento de revisão do Parecer nº AM-03 diante de alteração jurisprudencial (seqs. 14/18). Eis o que foi consignado no Despacho nº 2231/2020/PGU sobre a atual jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (seq. 17):

    1. O presente expediente foi inaugurado no âmbito desde Departamento para analisar os impactos do Parecer nº AM - 03, publicado no Diário Oficial da União, datado de 12 de abril de 2019, de caráter vinculante, nos termos do art. 40, § 1º, da Lei Complementar nº 73/93, nas atribuições da Coordenação-Geral de Defesa da Probidade.

    2. Em essência, referido Parecer, após análise da jurisprudência do STJ e do STF e interpretando o art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112/90, entendeu que o prazo prescricional alargado previsto nesse dispositivo somente é aplicável 'nas hipóteses em que as infrações administrativas cometidas pelo servidor público também sejam ou tenham sido objeto de inquérito policial ou ação penal'.

    3. A Coordenação-Geral de Defesa da Probidade deste Departamento, por seu turno (sequencial 3), apontou a existência de divergência jurisprudencial quanto ao ponto, sugerindo, assim, a revisão do Parecer nº AM - 03.

    4. Na sequência, a Coordenação-Geral de Defesa da Probidade deste Departamento acostou ao expediente o precedente proferido pelo STJ no Mandado de Segurança nº 20.857 (sequencial 9), o qual, segundo os dizeres da Coordenação-Geral de Defesa da Probidade, promoveu a adequação da sua jurisprudência ao entendimento do Supremo Tribunal Federal no sentido de que os prazos prescricionais previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime, independentemente da existência de apuração criminal, face à independência das instâncias. E por esse precedente ser posterior à aprovação do Parecer nº AM - 03, reiterou o pleito para revisão do referido Parecer.

    5. Considerando que o tema aqui tratado também diz respeito às atribuições do DCM/PGU, solicitei a manifestação do referido Departamento, o qual, em síntese, aderiu às ponderações da Coordenação-Geral de Defesa da Probidade, concluindo que o entendimento antes dominante no Superior Tribunal de Justiça foi recentemente superado, estando em consolidação nova orientação jurisprudencial na Corte Superior, no sentido de que não é necessária a existência de ação penal ou mesmo de procedimento de apuração criminal relativa aos fatos que constituem a infração administrativa, para que haja a incidência do art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112/90, bastando que os fatos imputados sejam capitulados como crime, em tese (sequencial 14).

    6. E nesse sentido tenho que o tema objeto do Parecer nº AM - 03 pode merecer revisitação, especialmente em razão do julgado que lhe é posterior e que foi proferido pelo STJ no Mandado de Segurança nº 20.857, abaixo transcrito, o qual, friso, parece ter pacificado a questão no sentido de que para que seja aplicável o art. 142, § 2º da Lei nº 8.112/1990 não é necessário demonstrar a existência da apuração criminal da conduta do servidor. Essa é a ementa desse julgado:

    ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PRAZO. PRESCRIÇÃO. LEI PENAL. APLICAÇÃO ÀS INFRAÇÕES DISCIPLINARES TAMBÉM CAPITULADAS COMO CRIME. ART. 142, § 2º, DA LEI Nº 8.112/1990. EXISTÊNCIA DE APURAÇÃO CRIMINAL. DESNECESSIDADE. AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVA E PENAL. PRECEDENTES DO STF. SEDIMENTAÇÃO DO NOVO ENTENDIMENTO DA PRIMEIRA SEÇÃO SOBRE A MATÉRIA. PRESCRIÇÃO AFASTADA NO CASO CONCRETO. WRIT DENEGADO NO PONTO DEBATIDO. 1. Era entendimento dominante desta Corte Superior o de que "a aplicação do prazo previsto na lei penal exige a demonstração da existência de apuração criminal da conduta do Servidor. Sobre o tema: MS 13.926/DF, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 24/4/2013; MS 15.462/DF, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 22/3/2011 e MS 13.356/DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe 1º/10/2013". 2. Referido posicionamento era adotado tanto pela Terceira Seção do STJ - quando tinha competência para o julgamento dessa matéria - quanto pela Primeira Seção, inclusive em precedente por mim relatado (MS 13.926/DF, DJe 24/4/2013). 3. Ocorre que, em precedente recente (EDv nos EREsp 1.656.383-SC, Rel. Min. Gurgel de Faria, j. em 27/6/2018, DJe 5/9/2018), a Primeira Seção superou seu posicionamento anterior sobre o tema, passando a entender que, diante da rigorosa independência das esferas administrativa e criminal, não se pode entender que a existência de apuração criminal é pré-requisito para a utilização do prazo prescricional penal. 4. Não se pode olvidar, a propósito, o entendimento unânime do Plenário do STF no MS 23.242-SP (Rel. Min. Carlos Velloso, j. em 10/4/2002) e no MS 24.013-DF (Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 31/3/2005), de que as instâncias administrativa e penal são independentes, sendo irrelevante, para a aplicação do prazo prescricional previsto para o crime, que tenha ou não sido concluído o inquérito policial ou a ação penal a respeito dos fatos ocorridos. 5. Tal posição da Suprema Corte corrobora o entendimento atual da Primeira Seção do STJ sobre a matéria, pois, diante da independência entre as instâncias administrativa e criminal, fica dispensada a demonstração da existência da apuração criminal da conduta do servidor para fins da aplicação do prazo prescricional penal. 6. Ou seja, tanto para o STF quanto para o STJ, para que seja aplicável o art. 142, § 2º da Lei nº 8.112/1990, não é necessário demonstrar a existência da apuração criminal da conduta do servidor. Isso porque o lapso prescricional não pode variar ao talante da existência ou não de apuração criminal, justamente pelo fato de a prescrição estar relacionada à segurança jurídica. Assim, o critério para fixação do prazo prescricional deve ser o mais objetivo possível - justamente o previsto no dispositivo legal referido -, e não oscilar de forma a gerar instabilidade e insegurança jurídica para todo o sistema. 7. A inexistência de notícia nos autos sobre a instauração da apuração criminal quanto aos fatos imputados à impetrante no caso concreto não impede a aplicação do art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112/1990. 8. O prazo prescricional pela pena em abstrato prevista para os crimes em tela, tipificados nos arts. 163, 299, 312, § 1º, 317, 359-B e 359-D do Código Penal (cuja pena máxima entre todos é de doze anos), é de 16 (doze) anos, consoante o art. 109, inc. II, do Código Penal. 9. Por essa razão, fica claro que o prazo prescricional para a instauração do processo administrativo disciplinar não se consumou, uma vez que o PAD foi instaurado em 7/8/2008, sendo finalizado o prazo de 140 dias para sua conclusão em 26/12/2008, e a exoneração da impetrante do cargo em comissão foi publicada em 2 de janeiro de 2014. 10. Mandado de segurança denegado no ponto debatido, com o afastamento da prejudicial de prescrição, devendo os autos retornarem ao Relator para apreciação dos demais pontos de mérito (STJ, MS 20.857/DF, Rel. p/Acórdão - Ministro OG FERNANDES, data de julgamento 22 de maio de 2019).7. Posta a questão nesses termos, Senhor Procurador-Geral da União, respeitosamente elevo o presente expediente a sua consideração, com sugestão de submissão do mesmo à Consultoria-Geral da União para análise quanto ao eventual cabimento de revisão do Parecer nº AM - 03.

    6.Por intermédio do Despacho nº 670/2020/DECOR/CGU/AGU, de 25/09/2020 (seq. 29), V. Exa. determinou a redistribuição deste processo com o objetivo de viabilizar uma análise minuciosa neste Departamento acerca da necessidade de revisão dos Pareceres nº AM-02 e AM-03, nos seguintes termos:

    1. Dou por prejudicado o exame do Parecer nº 3/2020/CNPAD/CGU/AGU, do Parecer nº 5/2020/CNPAD/CGU/AGU e do Despacho nº 10/2020/CNPAD/CGU/AGU da Câmara Nacional de Procedimentos Administrativos Disciplinares da Consultoria-Geral da União, por compreender que detida análise jurídica acerca da matéria também merece ser aprofundada no âmbito deste Departamento.

    2. De logo, devem ser reiterados os termos do Despacho nº 144/2020/DECOR/CGU/AGU (seq. 20), aprovado pelo Despacho nº 146/2020/DECOR/CGU/AGU (seq. 21), salientando-se que, por versarem a respeito de temática homóloga, o exame quanto a eventual revisão do Parecer AM-03 (DOU 12/04/2019), diante da superveniência de precedentes do Supremo Tribunal Federal (RMS 35.383) e do Superior Tribunal de Justiça (MS 20.857), referenciados na Nota nº 18/2020/DECOR/CGU/AGU (seq. 9/10 do NUP 00739.000025/2020-31), deve ser realizado em conjunto com a análise de eventual necessidade de revisão do Parecer AM-02 (DOU 12/04/2019).

    3. Acurado exame da Nota Jurídica nº 235/2020/PGU/AGU e subsequentes Despachos de aprovação (seq. 14/18), de fato, revela a superveniência de precedentes da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (AgInt no MS 23.565/DF, MS 20.869/DF e MS 20.857/DF), todos em sentido contrário à posição adotada nos Pareceres AM-02 e AM-03.

    4. Outrossim, é recomendável que a matéria também seja reavaliada no âmbito do DECOR/CGU porque, em estrito respeito ao que determina o § 1º do art. 37 da Lei nº 13.327, de 2016, os membros da Advocacia-Geral da União e de seus órgãos vinculados 'buscarão garantir a segurança jurídica das ações governamentais e das políticas públicas do Estado, zelando pelo interesse público e respeitando a uniformidade institucional da atuação', por conseguinte, faz-se pertinente que seja lançada precisa orientação jurídica acerca da melhor exegese a ser conferida ao § 2º do art. 142 da Lei nº 8.112, de 1990, sem desconsiderar os termos da jurisprudência superveniente à publicação dos Pareceres AM-02 e AM-03.

    5. Acerca da segurança jurídica e da atuação harmônica dos órgãos consultivos, é cediço que cumpre ao Advogado-Geral da União, na forma do art. 4º, incisos X e XI da Lei Complementar nº 73, de 1993, 'fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e demais atos normativos, a ser uniformemente seguida pelos órgãos e entidades da Administração Federal;' e 'unificar a jurisprudência administrativa, garantir a correta aplicação das leis, prevenir e dirimir as controvérsias entre os órgãos jurídicos da Administração Federal'.

    6. Registre-se, por pertinente, que no âmbito do NUP 23123.005034/2020-51 a Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Educação lançou o Parecer nº 1030/2020/CONJUR-MEC/CGU/AGU e subsequentes Despachos de aprovação (seq. 3/5 do NUP 23123.005034/2020-51), nos quais também se argumenta a superveniência de precedente (MS 20.587) em sentido contrário à tese consolidada pelos Pareceres AM-02 e AM-03, solicitando a CONJUR/MEC manifestação deste DECOR/CGU 'quanto à manutenção ou não do entendimento esposado no Parecer nº AM-03, ante a recente mudança na jurisprudência do STJ acerca da prescrição disciplinar na hipótese de crime'. 

    7. Não se olvide, ainda, que conforme já consignado na Nota nº 25/2020/DECOR/CGU/AGU (seq. 19), aprovada pelo Despacho nº 144/2020/DECOR/CGU/AGU (seq. 20) e pelo Despacho nº 146/2020/DECOR/CGU/AGU (seq. 21), no NUP 00739.000025/2020-31 também consta pedido de análise quanto à possibilidade de revisão do Parecer AM-03, remetido pela Consultoria Jurídica junto ao Ministério das Relações Exteriores, como se observa da Nota nº 2/2020/CGDA/CONJUR-MRE /CGU/AGU e subsequentes Despachos de aprovação (seq. 1/3 do NUP 00739.000025/2020-31), que se referem ao teor do julgamento do MS 20.857 pelo Superior Tribunal de Justiça.

    8. Isto posto, encareço a redistribuição do feito no âmbito deste Departamento para detido exame da matéria, cientificando-se os membros da Câmara Nacional de Procedimentos Administrativos Disciplinares da Consultoria-Geral da União. Solicito, ainda, que o apoio administrativo deste Departamento promova a juntada deste Despacho ao NUP 23123.005034/2020-51, restituindo referenciado feito à Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Educação, uma vez que o exame acerca do pedido de revisão do Parecer nº AM-03 será realizado neste NUP 00405.007812/2019-41, em conjunto com análise acerca da eventual necessidade de revisão do Parecer AM-02.

    7.Em 25/09/2020, os autos foram redistribuídos ao subscritor desta peça jurídica para exame conclusivo.

     É o relatório. Passa-se a opinar.

    II - Objeto do parecer

    8.Como relatado, aqui será apreciada a necessidade de superação dos Pareceres nº  AM-02 e AM-03, aprovados pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República em 09/04/2019 e publicados no Diário Oficial da União de 12/04/2019, diante da mudança da interpretação conferida ao art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112/90 pelo Superior Tribunal de Justiça.

    9.Convém enfatizar que a fixação da premissa no sentido da imprescindibilidade da apuração criminal para aplicação do preceito inscrito no art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112/90 foi responsável pelas conclusões firmadas nos Pareceres nº AM-02 e AM-03.

    10.Sendo assim, deve-se perquirir se a alteração da jurisprudência no âmbito do Superior Tribunal de Justiça sobre o alcance do § 2º do art. 142 do Estatuto dos Servidores Públicos Federais recomenda ou não a revogação dos Pareceres nº AM-02 e AM-03.

    III - Interpretação vigente do art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112/90 nesta Advocacia-Geral da União

    11.O art. 142 § 2º, da Lei n.º 8.112/90 estabelece que "os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime".

    12.A dificuldade exegética existente há anos diz respeito à exata compreensão do disposto no art. 142 § 2º, da Lei nº 8.112/90. Uns enxergam requisito não albergado pela redação da norma, qual seja, o início da apuração em sede criminal, para permitir a aplicação dos prazos prescricionais penais às infrações disciplinares capituladas também como crime. Já outros só admitem a condição inscrita no próprio dispositivo legal para aplicação dos prazos prescricionais estabelecidos pelo art. 109 do Código Penal, isto é, bastaria a capitulação das infrações disciplinares também como crime. 

    13.Esta Advocacia-Geral da União já aceitou a segunda tese mencionada acima, porém atualmente adota a primeira. Isso está proclamado nos Pareceres nº AM-02 e AM-03, aprovados pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República em 09/04/2019 e publicados no Diário Oficial da União de 12/04/2019.

    14.Pois bem. Os entendimentos consolidados nesta Advocacia-Geral da União, vinculantes para toda a Administração Pública federal na forma do art. 40, § 1º, da Lei Complementar nº 73/93 e atualmente vigentes podem ser sintetizados conforme enunciados extraídos de suas próprias conclusões: I - "Aplica-se à falta disciplinar de abandono de cargo o prazo da prescrição administrativa indicada no art. 142, inciso I, da Lei nº 8.112, de 1990, em caso de inexistência de persecução penal para o mesmo fato." (Parecer nº 1/2017/CPPAD/DECOR/CGU/AGU, adotado pelo Parecer nº AM-02); e II - "Deve incidir a regra do art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112, de 1990, somente nas hipóteses em que as infrações administrativas cometidas pelo servidor público também sejam ou tenham sido objeto de inquérito policial ou ação penal." (Parecer nº 2/2017/CPPAD/DECOR/CGU/AGU, adotado pelo Parecer nº AM-03).

    15.Sem dúvida alguma, tais pareceres vinculantes receberam forte influência da então jurisprudência predominante no Superior Tribunal de Justiça e adotaram uma interpretação restritiva do art. 142 § 2º, da Lei n.º 8.112/90. Desse modo, passaram a exigir o início da persecução penal para a utilização dos prazos prescricionais previstos no art. 109 do Código Penal nos casos das infrações disciplinares também capituladas como crime. Tal influxo está expressamente registrado nas fundamentações dos mencionados pareceres vinculantes e até mesmo em suas conclusões ("com base nas recentes decisões judiciais do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria" - Parecer nº 1/2017/CPPAD/DECOR/CGU/AGU, adotado pelo Parecer nº AM-02, e "conforme a farta jurisprudência dos Tribunais Superiores mencionadas (...) para adequar-se a atual corrente jurisprudencial" - Parecer nº 2/2017/CPPAD/DECOR/CGU/AGU, acolhido pelo Parecer nº AM-03).

    16.Embora a jurisprudência das Cortes Superiores tenha reconhecido relevo no sistema jurídico pátrio, cumpre ressaltar que nem todas as suas decisões gozam do efeito vinculante previsto nos art. 102, § 2º, e 103-A da Constituição da República, capaz de fazer com que a Administração Pública necessariamente siga o precedente em casos semelhantes.

     

    IV - A mudança de entendimento do Superior Tribunal de Justiça

    17.Por vários anos, o Superior Tribunal de Justiça exigiu a apuração em inquérito policial ou ação penal para aplicar o art. 142 § 2º, da Lei nº 8.112/90. Diversos acórdãos foram proferidos e serviram para embasar os Pareceres nº AM-02 e AM-03.

    18.Entretanto, recentemente o Superior Tribunal de Justiça passou a adotar a tese no sentido da desnecessidade de inquérito penal ou processo penal para aplicação do art. 142 § 2º, da Lei nº 8.112/90.

    19.A Procuradoria-Geral da União informou na Nota Jurídica nº 235/2020/PGU/AGU (seq. 14) que a guinada no Superior Tribunal de Justiça ocorreu nos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 1.656.383/SC, julgados pela 1ª Seção em 27/06/2018, nos seguintes termos:

    ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE. CONDUTA TAMBÉM TIPIFICADA COMO CRIME. PRESCRIÇÃO. CÓDIGO PENAL. PENA EM ABSTRATO. OBSERVÂNCIA.

    1. A contagem prescricional da ação de improbidade administrativa, quando o fato traduzir crime submetido a persecução penal, deve ser pautada pela regra do Código Penal, em face do disposto no inciso II do art. 23 da Lei nº 8.429/1992 e no § 2º do art. 142 da Lei n. 8.112/1990.

    2. Se a Lei de Improbidade Administrativa (art. 23, II), para fins de avaliação do prazo prescricional, faz remissão ao Estatuto dos Servidores Públicos Federais (art. 142, § 2º) que, por sua vez, no caso de infrações disciplinares também capituladas como crime, submete-se à disciplina da lei penal, não há dúvida de que 'a prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, [...] regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime', conforme expressa disposição do art. 109, caput, do Estatuto Repressor.

    3. Deve ser considerada a pena in abstrato para o cálculo do prazo prescricional, 'a um porque o ajuizamento da ação civil pública por improbidade administrativa não está legalmente condicionado à apresentação de demanda penal. Não é possível, desta forma, construir uma teoria processual da improbidade administrativa ou interpretar dispositivos processuais da Lei n. 8.429/92 de maneira a atrelá-las a institutos processuais penais, pois existe rigorosa independência das esferas no ponto... A dois (e levando em consideração a assertiva acima) porque o lapso prescricional não pode variar ao talante da existência ou não de ação penal, justamente pelo fato de a prescrição estar relacionada ao vetor da segurança jurídica.' (REsp 1.106.657/SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 20/09/2010).

    4. Embargos de divergência desprovidos.

    (EDV nos ERESP nº 1.656.383-SC, relatado pelo Ministro Gurgel de Faria, julgado em 27/06/2018 pela 1ª Seção do STJ, publicado no DJe de 05/09/2018)

    20.Depois desse acórdão, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça reafirmou o posicionamento em 24/04/2019 no julgamento do Agravo Interno no Mandado de Segurança nº 23565, relatado pela Ministra Assusete Magalhães, publicado no DJe de 30/04/2019. O item VII de sua ementa registrou o seguinte:

     

    VII. Recente entendimento foi adotado pela Primeira Seção do STJ, acerca da aplicação do art. 142, § 2º, da Lei 8.112/90, no sentido de que 'o lapso prescricional não pode variar ao talante da existência ou não de ação penal, justamente pelo fato de a prescrição estar relacionada ao vetor da segurança jurídica' (STJ, EDv nos EREsp 1.656.383/SC, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 05/09/2018).

     

    21.Não se discorda da constatação lançada pela Procuradoria-Geral da União. Todavia, vale dizer que a consolidação dessa modificação jurisprudencial, nas próprias palavras do Superior Tribunal de Justiça, só aconteceu em 22/05/2019 nos julgamentos dos Mandados de Segurança nº 20.857/DF e 20.869/DF. As próprias ementas dos referidos julgados comprovam isso ao registrarem a expressão “sedimentação do novo entendimento da Primeira Seção sobre a matéria”.

    22.O Mandado de Segurança nº 20.857/DF teve seu acórdão publicado em 12/06/2019 e ganhou mais destaque que o Mandado de Segurança nº 20.869/DF, publicado somente 02/08/2019. Registra-se, contudo, que as ementas, os votos e os acórdãos são praticamente idênticos.

    23.A fim de esclarecer a consolidação do novo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, convém transcrever adiante a ementa e alguns votos proferidos no Mandado de Segurança nº 20.857/DF:

    ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PRAZO. PRESCRIÇÃO. LEI PENAL. APLICAÇÃO ÀS INFRAÇÕES DISCIPLINARES TAMBÉM CAPITULADAS COMO CRIME. ART. 142, § 2º, DA LEI N. 8.112/1990. EXISTÊNCIA DE APURAÇÃO CRIMINAL. DESNECESSIDADE. AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVA E PENAL. PRECEDENTES DO STF. SEDIMENTAÇÃO DO NOVO ENTENDIMENTO DA PRIMEIRA SEÇÃO SOBRE A MATÉRIA. PRESCRIÇÃO AFASTADA NO CASO CONCRETO. WRIT DENEGADO NO PONTO DEBATIDO.

    1. Era entendimento dominante desta Corte Superior o de que 'a aplicação do prazo previsto na lei penal exige a demonstração da existência de apuração criminal da conduta do Servidor. Sobre o tema: MS 13.926/DF, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 24/4/2013; MS 15.462/DF, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 22/3/2011 e MS 13.356/DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe 1º/10/2013'.

    2. Referido posicionamento era adotado tanto pela Terceira Seção do STJ - quando tinha competência para o julgamento dessa matéria - quanto pela Primeira Seção, inclusive em precedente por mim relatado (MS 13.926/DF, DJe 24/4/2013).

    3. Ocorre que, em precedente recente (EDv nos EREsp 1.656.383-SC, Rel. Min. Gurgel de Faria, j. em 27/6/2018, DJe 5/9/2018), a Primeira Seção superou seu posicionamento anterior sobre o tema, passando a entender que, diante da rigorosa independência das esferas administrativa e criminal, não se pode entender que a existência de apuração criminal é pré-requisito para a utilização do prazo prescricional penal.

    4. Não se pode olvidar, a propósito, o entendimento unânime do Plenário do STF no MS 23.242-SP (Rel. Min. Carlos Velloso, j. em 10/4/2002) e no MS 24.013-DF (Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 31/3/2005), de que as instâncias administrativa e penal são independentes, sendo irrelevante, para a aplicação do prazo prescricional previsto para o crime, que tenha ou não sido concluído o inquérito policial ou a ação penal a respeito dos fatos ocorridos.

    5. Tal posição da Suprema Corte corrobora o entendimento atual da Primeira Seção do STJ sobre a matéria, pois, diante da independência entre as instâncias administrativa e criminal, fica dispensada a demonstração da existência da apuração criminal da conduta do servidor para fins da aplicação do prazo prescricional penal.

    6. Ou seja, tanto para o STF quanto para o STJ, para que seja aplicável o art. 142, § 2º da Lei n. 8.112/1990, não é necessário demonstrar a existência da apuração criminal da conduta do servidor. Isso porque o lapso prescricional não pode variar ao talante da existência ou não de apuração criminal, justamente pelo fato de a prescrição estar relacionada à segurança jurídica. Assim, o critério para fixação do prazo prescricional deve ser o mais objetivo possível - justamente o previsto no dispositivo legal referido -, e não oscilar de forma a gerar instabilidade e insegurança jurídica para todo o sistema.

    7. A inexistência de notícia nos autos sobre a instauração da apuração criminal quanto aos fatos imputados à impetrante no caso concreto não impede a aplicação do art. 142, § 2º, da Lei n. 8.112/1990.

    8. O prazo prescricional pela pena em abstrato prevista para os crimes em tela, tipificados nos arts. 163, 299, 312, § 1º, 317, 359-B e 359-D do Código Penal (cuja pena máxima entre todos é de doze anos), é de 16 (doze) anos, consoante o art. 109, inc. II, do Código Penal.

    9. Por essa razão, fica claro que o prazo prescricional para a instauração do processo administrativo disciplinar não se consumou, uma vez que o PAD foi instaurado em 7/8/2008, sendo finalizado o prazo de 140 dias para sua conclusão em 26/12/2008, e a exoneração da impetrante do cargo em comissão foi publicada em 2 de janeiro de 2014.

    10. Mandado de segurança denegado no ponto debatido, com o afastamento da prejudicial de prescrição, devendo os autos retornarem ao Relator para apreciação dos demais pontos de mérito.

    Voto do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho:

    (...)

    9. In casu, não há notícia de que tenha sido instaurada apuração criminal quanto aos fatos imputados à impetrante. Ressalte-se que a inexistência de persecução penal, além de alegada na inicial da impetração, não foi refutada nas informações prestadas pela autoridade coatora, de onde se extrai, inclusive, a argumentação de que que é de se notar que o comando contido no § 2º do art. 142 da Lei 8.112/90 em momento algum condiciona a aplicação da prescrição penal à instauração paralela de investigação criminal em face dos servidores faltosos. Desta feita, a aplicação do prazo prescricional previsto na lei criminal independe da existência de apuração penal em curso (fls. 4.391).

    10. Essa argumentação parece tender a insinuar que a própria autoridade administrativa sancionadora poderia tipificar penalmente o ilícito, definir a sua sanção e o respectivo lapso temporal prescricional, coisa que, pelo sistema jurídico brasileiro, cabe, com exclusividade, ao Juiz do Crime, em justo processo regular, deflagrado pelo Ministério Público ou mediante queixa. Como isso não se deu no caso vertente, é fora de dúvida que não se pode aplicar a regência da Lei Penal à prescrição administrativa. Em face disso, esta prescrição administrativa se regerá pela Lei 8.112/1990, afastada a incidência da Lei Penal.

    (...)

    Voto do Ministro Og Fernandes:

    (...)

    Como exposto no voto do Relator, era entendimento dominante desta Corte Superior o de que 'a aplicação do prazo previsto na lei penal exige a demonstração da existência de apuração criminal da conduta do Servidor. Sobre o tema: MS 13.926/DF, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 24/4/2013; MS 15.462/DF, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 22/3/2011 e MS 13.356/DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe 1º/10/2013'.

    Referido posicionamento era adotado tanto pela Terceira Seção do STJ - quando tinha competência para o julgamento dessa matéria - quanto pela Primeira Seção, inclusive em precedente por mim relatado (MS 13.926/DF, DJe 24/4/2013).

    Ocorre que, em julgado recente (EDv nos EREsp 1.656.383-SC, Rel. Min. Gurgel de Faria, j. em 27/6/2018, DJe 5/9/2018), a Primeira Seção, por maioria (vencido o Min. Napoleão Nunes Maia Filho, ora Relator), superou seu posicionamento anterior sobre o tema, passando a considerar que, diante da rigorosa independência das esferas administrativa e criminal, não se pode entender que a existência de apuração criminal é pré-requisito para a utilização do prazo prescricional penal. (...)

    Não se pode olvidar, a propósito, o entendimento unânime do Plenário do STF no MS 23.242-SP (Rel. Min. Carlos Velloso, j. em 10/4/2002) e no MS 24.013-DF (Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 31/3/2005), de que as instâncias administrativa e penal são independentes, sendo irrelevante, para a aplicação do prazo prescricional previsto para o crime, que tenha ou não sido concluído o inquérito policial ou a ação penal a respeito dos fatos ocorridos.

    Tal posição da Suprema Corte, como se verifica, corrobora o entendimento atual da Primeira Seção do STJ sobre a matéria, pois, diante da independência entre as instâncias administrativa e criminal, fica dispensada a demonstração da existência da apuração criminal da conduta do servidor para fins da aplicação do prazo prescricional penal.

    Ou seja, tanto para o STF quanto para o STJ, a fim de que seja aplicável o art. 142, § 2º, da Lei n. 8.112/1990, não é necessário demonstrar a existência da apuração criminal da conduta do servidor. Isso porque o lapso prescricional não pode variar ao talante da existência ou não de apuração criminal, justamente pelo fato de a prescrição estar relacionada à segurança jurídica. Assim, o critério para fixação do prazo prescricional deve ser o mais objetivo possível - justamente o previsto no dispositivo legal referido -, e não oscilar de forma a gerar instabilidade e insegurança jurídica para todo o sistema.

    Aplicando-se tal premissa ao caso concreto, discordo da conclusão a que chegou o Relator, pois a inexistência de notícia nos autos sobre a instauração da apuração criminal quanto aos fatos imputados ao impetrante não impede a aplicação do art. 142, § 2º, da Lei n. 8.112/1990.

    (...)

    Voto do Ministro Gurgel de Faria:

    Cumpre destacar que, nesse mesmo sentido, vem-se manifestando o Supremo Tribunal Federal. Ilustrativamente:

    EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO INTERNO. IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA EVIDENCIADA. DESNECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PARA COMPLEMENTAR AS RAZÕES. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.024, § 3º, DO CPC. MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO CONTRA ATO DO CNMP. CONDUTA QUE CARACTERIZA INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA E PENAL. LEGITIMIDADE DA APLICAÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL DA LEI PENAL, INDEPENDENTEMENTE, DE INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO NA ESFERA CRIMINAL. OBSERVÂNCIA AO ART. 244, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LC 75/93. PRECEDENTES. ALEGADA ATIPICIDADE DA CONDUTA. NECESSIDADE DE REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE NA VIA MANDAMENTAL. ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER NÃO CARACTERIZADOS.EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO INTERNO, AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. (MS 35631 ED/DF, Relator Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, DJe 22-11-2018, REPUBLICAÇÃO: DJe 26-11-2018).

    RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PENA DE DEMISSÃO. FATO CAPITULADO COMO CRIME. PRESCRIÇÃO PUNITIVA ESTATAL. PRAZO FIXADO A PARTIR DA LEI PENAL (ART. 142, § 2º, DA LEI N. 8.112/1990). PRECEDENTES. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO”. (RMS 33.858/DF, Relatora Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe 18/12/2015)

    I. - Processo administrativo disciplinar: renovação. Anulado integralmente o processo anterior dada a composição ilegal da comissão que o conduziu - não, apenas, a sanção disciplinar nele aplicada -, não está a instauração do novo processo administrativo vinculado aos termos da portaria inaugural do primitivo.

    II. - Infração disciplinar: irrelevância, para o cálculo da prescrição, da capitulação da infração disciplinar imputada no art. 132, XIII - conforme a portaria de instauração do processo administrativo anulado -, ou no art. 132, I - conforme a do que, em consequência se veio a renovar -, se, em ambos, o fato imputado ao servidor público - recebimento, em razão da função de vultosa importância em moeda estrangeira -, caracteriza o crime de corrupção passiva, em razão de cuja cominação penal se há de calcular a prescrição da sanção disciplinar administrativa, independentemente da instauração, ou não, de processo penal a respeito” (MS 24.013/DF, Redator para o acórdão o Ministro Sepúlveda Pertente, Plenário, DJ 1.7.2005)

    AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. CONDUTA TAMBÉM TIPIFICADA COMO CRIME. PRAZO PRESCRICIONAL.

    1. Capitulada a infração administrativa como crime, o prazo prescricional da respectiva ação disciplinar tem por parâmetro o estabelecido na lei penal (art. 109 do CP), conforme determina o art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112/1990, independentemente da instauração de ação penal. Precedente: MS 24.013, Rel. para o acórdão Min. Sepúlveda Pertence.

    2. Agravo regimental a que se nega provimento” (AgRg no RMS 31.506/DF, Relator Ministro Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe 26.3.2015).

    RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. DEMISSÃO DE SERVIDOR PÚBLICO. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO RECORRIDA. MERA REPETIÇÃO DOS ARGUMENTOS DO MANDADO DE SEGURANÇA DENEGADO EM INSTÂNCIA PRÓPRIA. DESCUMPRIMENTO DE DEVER RECURSAL. INFRAÇÃO DISCIPLINAR CAPITULADA COMO CRIME. HOMICÍDIO E OCULTAÇÃO DE CADÁVER. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DISCIPLINAR. PRAZO FIXADO A PARTIR DA LEI PENAL (ART. 142, § 2º, DA LEI N. 8.112/1990). NÃO OCORRÊNCIA DE BIS IN IDEM. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO” (RMS 30.965/DF, Relatora Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe 26.10.2012).

    Mandado de Segurança. 2. Direito Administrativo. 3. Processo Administrativo Disciplinar. 4. Conselho Nacional do Ministério Público. 5. Decadência do direito à impetração não configurada. 6. Alegação da necessidade de abertura de sindicância não conhecida. 7. Independência da atividade fiscalizatória do Senado e das competências disciplinares do CNMP. Tutela de bens jurídicos distintos. Princípio do non bis in idem não violado. 8. Renovações sucessivas da suspensão cautelar por quase dois anos. Incompatibilidade com a LCE 25/98. Impossibilidade de medida cautelar antecipar pena. 9. Princípios do devido processo legal, do juiz natural, do contraditório e da ampla defesa violados. 10. Decurso do prazo prescricional não demonstrado. 11. Anulação de todas as provas que ensejaram a abertura do PAD pelo STF (RHC 135.683, Rel. Min. Dias Toffoli, Segunda Turma, DJe 3.4.2017). 12. Segurança concedida para determinar o retorno do impetrante às suas funções e para decretar a nulidade do Processo Administrativo Disciplinar 0.00.000326/2013-60. (MS 32788/GO, Relator Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJe 20-03-2018)

    Do voto do em. Ministro relator, destaca-se o seguinte excerto: Sobre o tema relativo ao prazo prescricional em processo administrativo disciplinar, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de bastar a capitulação da infração administrativa como crime para ser considerado o prazo prescricional previsto na lei penal.

    (...)

    (Mandado de Segurança nº 20.857-DF, relatado pelo Ministro Napoleão Nunes Maia Filho e tendo sido designado o Ministro Og Fernandes como relator para acórdão, julgado em 22/05/2019 pela 1ª Seção do STJ, publicado no DJE de 12/06/2019)

    24.Destarte, julga-se apropriado tomar a data de publicação do Mandado de Segurança nº 20.857/DF (12/06/2019) como um marco mais prudente na definição do câmbio havido.

    25.Como já observado anteriormente, os Pareceres nº AM-02 e AM-03 foram aprovados pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República em 09/04/2019 e publicados no Diário Oficial da União de 12/04/2019. São, portanto, anteriores a essa consolidação da nova jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre a interpretação a ser conferida ao § 2º do art. 142 da Lei n.º 8.112/90.

    26.Após os Mandados de Segurança nº 20.857/DF e 20.869/DF, o Superior Tribunal de Justiça ratificou seu novo posicionamento em ao menos outras duas recentes oportunidades (Mandado de Segurança nº 25.401/DF, relatado pelo Ministro Herman Benjamin, julgado pela 1ª Seção em 27/05/2020, publicado no DJe de 28/08/2020, e no Agravo Interno no Recurso em Mandado de Segurança nº 58.488/BA, relatado pelo Ministro Herman Benjamin, julgado pela 2ª Turma em 15/09/2020, publicado no DJe de 02/10/2020).

    V - O posicionamento do Supremo Tribunal Federal

    27.Pode-se dizer que o Supremo Tribunal Federal indica há algum tempo uma certa preferência pela tese da dispensa de apuração criminal para aplicação do § 2º do art. 142 da Lei n.º 8.112/90. Em muitos de seus acórdãos, é verdade, havia inquérito policial ou ação penal em curso, o que dificultava a exata compreensão acerca do entendimento da Corte Suprema.  Em outros, o Supremo Tribunal Federal não foi explícito.

    28.A título ilustrativo, adiante serão transcritos parcialmente alguns desses acórdãos.

    29.No Mandado de Segurança nº 23.310/RJ, não houve notícia de inquérito penal ou ação penal no caso analisado, mas o Plenário do Supremo Tribunal Federal não foi explícito sobre a desnecessidade de início da apuração criminal para a aplicação do art. 142 § 2º, do Estatuto dos Servidores Públicos Federais:

    CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DEMISSÃO. PRESCRIÇÃO.

    I - Inocorrência de prescrição: na hipótese de a infração disciplinar constituir também crime, os prazos de prescrição previstos na lei penal têm aplicação: Lei 8.112/90, art. 142, § 2º.

    II - Demissão assentada em processo administrativo disciplinar, no qual foi assegurado ao servidor o direito de defesa.

    III - Inocorrência de direito líquido e certo, que pressupõe fatos incontroversos apoiados em prova pré-constituída, não se admitindo dilação probatória.

    IV -  O fato de encontrar-se o servidor em gozo de licença médica para tratamento de saúde não constitui óbice à demissão.

    V -  M.S. indeferido.

    (Mandado de Segurança nº 23.310, relatado pelo Ministro Carlos Velloso, julgado pelo Plenário do STF em 1º/07/2002, publicado no DJ de 27/06/2003)

    30.No Mandado de Segurança nº 24.013/DF, relatado pelo Ministro Ilmar Galvão, tendo sido responsável pela elaboração do acórdão o Ministro Sepúlveda Pertence, julgado pelo Plenário do STF em 31/03/2005, publicado no DJ de 1º/07/2005, havia inquérito policial em curso e a ementa registrou a desnecessidade de processo penal:

    RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PENA DE DEMISSÃO. FATO CAPITULADO COMO CRIME. PRESCRIÇÃO PUNITIVA ESTATAL. PRAZO FIXADO A PARTIR DA LEI PENAL (ART. 142, § 2º, DA LEI N. 8.112/1990). PRECEDENTES. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO”. (RMS 33.858/DF, Relatora Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe 18/12/2015)

    I. - Processo administrativo disciplinar: renovação. Anulado integralmente o processo anterior dada a composição ilegal da comissão que o conduziu - não, apenas, a sanção disciplinar nele aplicada -, não está a instauração do novo processo administrativo vinculado aos termos da portaria inaugural do primitivo.

    II. - Infração disciplinar: irrelevância, para o cálculo da prescrição, da capitulação da infração disciplinar imputada no art. 132, XIII - conforme a portaria de instauração do processo administrativo anulado -, ou no art. 132, I - conforme a do que, em consequência se veio a renovar -, se, em ambos, o fato imputado ao servidor público - recebimento, em razão da função de vultosa importância em moeda estrangeira -, caracteriza o crime de corrupção passiva, em razão de cuja cominação penal se há de calcular a prescrição da sanção disciplinar administrativa, independentemente da instauração, ou não, de processo penal a respeito” (MS 24.013/DF, Redator para o acórdão o Ministro Sepúlveda Pertente, Plenário, DJ 1.7.2005)

    (...)

    Voto do Ministro Ilmar Galvão:

    (...)

    Tal circunstância em nada se modifica pelo fato de o inquérito policial que investiga, na esfera criminal, o impetrante não haver sido concluído, uma vez que as instâncias penal e administrativa são independentes (...)

    Voto do Ministro Sepúlveda Pertence:

    (...)

    O exame dos autos convenceu-me de que o Ministro Ilmar Galvão deu ao caso solução irrepreensível.

    (...)

    31.No Agravo Regimental no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 31.506/DF também havia inquérito policial e o Supremo avançou um pouco mais no esclarecimento de sua posição. Todavia, constou da ementa a possibilidade de incidência do § 2º do art. 142 da Lei n.º 8.112/90 "independentemente da instauração de ação penal":

    AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. CONDUTA TAMBÉM TIPIFICADA COMO CRIME. PRAZO PRESCRICIONAL. 1. Capitulada a infração administrativa como crime, o prazo prescricional da respectiva ação disciplinar tem por parâmetro o estabelecido na lei penal (art. 109 do CP), conforme determina o art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112/1990, independentemente da instauração de ação penal. Precedente: MS 24.013, Rel. para o acórdão Min. Sepúlveda Pertence. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.

    Voto do Ministro Roberto Barroso:

    (...)

    2. A parte agravante tenta afastar o precedente citado na decisão recorrida com base em particularidade não determinante da aplicação da tese ali veiculada. Da leitura do voto condutor do acórdão do MS 24.013/STF, observo que em nenhum momento assentou-se a imprescindibilidade, para a incidência da regra prevista no art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112/1990, de pronunciamento judicial reconhecendo configurar a infração administrativa, também, um ilícito penal.

    3. De qualquer modo, verifico que o relator do mandado de segurança originário consignou, em seu voto, que “as infrações administrativas imputadas ao impetrante (...) também se configuram como crime de corrupção passiva (art. 317 do CP)”.

    4. Assim, não merece reparo o acórdão recorrido, consentâneo com o entendimento desta Corte, no sentido de que, capitulada a infração administrativa como crime, o prazo prescricional da respectiva ação disciplinar tem por parâmetro o estabelecido na lei penal (art. 109 do CP), conforme determina o art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112/1990, independentemente da instauração de ação penal. A orientação decorre não só da disposição expressa e clara da norma legal, a qual não vincula a aplicação do prazo prescricional diferenciado à existência de ação penal em curso (“[o]s prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime”), mas, também, do princípio da independência entre as esferas penal e administrativa.

    5. A posição sustentada pelo agravante pauta-se no fundamento de que, sem a deflagração da iniciativa criminal, seria incerto o tipo em que o servidor seria incurso e, portanto, não seria razoável a aplicação do art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112/1990. Tal argumento, no entanto, é frágil, já que nem mesmo no âmbito da ação penal instaurada há garantia de não alteração da capitulação dos fatos (art. 383 do CPP).

    6. O prazo prescricional diferenciado encontra justificativa suficiente na gravidade da infração disciplinar, razão pela qual se revela desnecessário subordinar a incidência da norma estatuária à existência de ação penal em curso, em concomitância com o PAD.

    7. Dito isso, reitero que o arquivamento do inquérito policial instaurado contra o ora recorrente (IP nº 013/2000) não impede que a prescrição da ação disciplinar seja calculada nos termos do art. 142, § 2º da Lei nº 8.112/1990, já que a não instauração de ação penal teve por base, no caso, a insuficiência de provas para persecução criminal, e não outra causa que produzisse coisa julgada no cível. É dizer: não houve reconhecimento de estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal ou exercício regular de direito, nem foi afirmada, categoricamente, a inexistência do fato (e.g., CPP, arts. 65 e 66).

    8. Em nada modifica a situação do agravante a alegação de que "não falou o Juiz do Crime da insuficiência de prova, mas, sim, que 'não há prova da ocorrência do crime do Artigo 317'. Isso porque não repercute na esfera administrativa o arquivamento do inquérito por falta de provas, como ocorreu no presente caso (arts. 66 e 67, I, do CPP).

    (...)

    (Agravo Regimental no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 31.506/DF, relatado pelo Ministro Roberto Barroso, julgado pela 1ª Turma do STF em 03/03/2015, publicado no DJe de 26/03/2015)

    32.No Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 33.858/DF, o Supremo Tribunal Federal novamente enfatizou o princípio da independência relativa entre as instâncias administrativa e penal:

    RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PENA DE DEMISSÃO. FATO CAPITULADO COMO CRIME. PRESCRIÇÃO PUNITIVA ESTATAL. PRAZO FIXADO A PARTIR DA LEI PENAL (ART. 142, § 2º, DA LEI N. 8.112/1990). PRECEDENTES. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.

    Voto da Ministra Cármen Lúcia:

    (...)

    3. A tese, contudo, fica prejudicada diante da orientação deste Supremo Tribunal no sentido de bastar a capitulação da infração administrativa como crime para ser considerado o prazo prescricional previsto na lei penal. Nesse sentido, por exemplo [Mandado de Segurança nº 24.013/DF, Agravo Regimental no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 31.506/DF e Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 30.965/DF] (...)

    4. Nesses termos, a absolvição do Recorrente na instância penal mostra-se indiferente, pelo princípio da independência relativa entre as instâncias administrativa e penal, a significar a atuação simultânea das esferas, sem afetarem-se umas às outras, ressalvadas as hipóteses de reconhecimento, na esfera criminal, da inexistência do fato ou da negativa de autoria (por exemplo, Mandado de Segurança n. 25.880/DF, Relator o Ministro Eros Grau, Plenário, DJ 16.3.2007; Recurso Extraordinário com Agravo com Repercussão Geral n. 691.306/MS, Relator o Ministro Cezar Peluso, Plenário Virtual, DJe 11.9.2012; Embargos de Declaração no Agravo de Instrumento n. 521.569/PE, Relatora a Ministra Ellen Gracie, Segunda Turma, DJe 14.5.2010; Mandado de Segurança n. 21.708, Redator para o acórdão o Ministro Maurício Corrêa, Plenário, DJ 18.5.2001; Mandado de Segurança n. 22.438, Relator o Ministro Moreira Alves, Plenário, DJ 6.2.1998), o que não se teve na espécie vertente.

    5. Tendo o fato imputado ao Recorrente caracterizado o crime de tentativa de homicídio por motivo fútil, capitulado no art. 121, § 2º, inc. II, c/c art. 14, inc. II, do Código Penal (Ação Penal nº 2004.37.00.004862-0), incide a regra do § 2º do art. 142 da Lei n. 8.112/1990, pelo qual se determina a consideração do prazo prescricional previsto na lei penal: 20 anos, no caso (art. 109, inc. I, do Código Penal).

    (...)

    (Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 33.858/DF, relatado pela Ministra Cármen Lúcia, julgado pela 2ª Turma do STF em 1º/12/2015, publicado no DJe de 18/12/2015)

    33.Nos Embargos de Declaração no Mandado de Segurança nº 35.631/DF, o Supremo Tribunal Federal ainda deixou dúvidas. No caso apreciado inexistia inquérito policial, mas o Ministro relator empregou na ementa e no voto expressões distintas para determinar a incidência do § 2º do art. 142 do Estatuto dos Servidores Públicos Federais:

    EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO INTERNO. IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA EVIDENCIADA. DESNECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PARA COMPLEMENTAR AS RAZÕES. INTELIGÊNCIA DO ART.

    1.024, § 3º, DO CPC. MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO CONTRA ATO DO CNMP. CONDUTA QUE CARACTERIZA INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA E PENAL. LEGITIMIDADE DA APLICAÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL DA LEI PENAL, INDEPENDENTEMENTE, DE INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO NA ESFERA CRIMINALOBSERVÂNCIA AO ART. 244, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LC 75/93 [redação bastante semelhante ao preceito contido no art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112/90]. PRECEDENTES. ALEGADA ATIPICIDADE DA CONDUTA. NECESSIDADE DE REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE NA VIA MANDAMENTAL. ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER NÃO CARACTERIZADOS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO INTERNO, AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.

    Voto do Ministro Alexandre de Moraes:

    (...)

    Conforme afirmei, tratando-se de conduta que, concomitantemente, tipifica-se como infração administrativa e penal, o procedimento que tramita na esfera administrativa deve observar - por imposição dos princípios da legalidade e da independência entre as esferas penal e administrativa - o prazo prescricional previsto na lei penal, independentemente, da instauração da ação penal correspondente aos mesmos fatos. Esse entendimento foi reproduzido por esta CORTE no RMS 31.506 AgR (...)

    (Embargos de Declaração no Mandado de Segurança nº 35.631/DF, relatado pelo Ministro Alexandre de Moraes, julgado pela 1ª Turma em 12/11/2018, publicado no DJe de 26/11/2018)

    34.Entretanto, após a publicação dos Pareceres nº AM-02 e AM-03, no julgamento do Agravo Regimental em Recurso Ordinário no Mandado de Segurança nº 35.383/DF, realizado na sessão virtual de 21 a 27/06/2019, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal passou a defender explicitamente a desnecessidade de qualquer tipo de apuração criminal para a aplicação dos prazos prescricionais penais às infrações administrativas também capituladas como crime:

    Agravo regimental em recurso ordinário em mandado de segurança. 2. Direito Administrativo e Processual Civil. Processo administrativo disciplinar. 3. Alegações de incompetência da autoridade julgadora, de violação da Súmula Vinculante 10 e de declaração de inconstitucionalidade transversa pela decisão agravada. Inocorrência. Aplicação do Decreto 3.035/1999. Vedação do art. 4º, inciso IV, da Lei Complementar 73/1993. Hipótese de paralisação dos efeitos de dispositivo legal em razão de decreto expedido pelo Chefe do Poder Executivo, com fundamento no art. 84, parágrafo único, da Constituição Federal. Autorização constitucional de delegação da competência privativa do Chefe do Poder Executivo para aplicar pena de demissão a servidor público. Precedentes. 4. Alegação de prescrição da pretensão sancionatória administrativa. Infrações disciplinares capituladas como ilícitos penais (art. 142, § 2º, da Lei 8.112/1990). Aplicação dos prazos prescricionais penais. Precedentes. 5. Suscitada violação ao princípio da não surpresa. Inocorrência. Amplo debate dos fatos pelas partes. Presunção iure et de iure de conhecimento geral da lei. 6. Alegação de impedimento e suspeição do presidente da Comissão processante pelo fato de ter integrado outra comissão e possuir conhecimento prévio sobre os fatos apurados. Ausência de manifestação sobre o mérito do processo objeto do mandamus. Inexistência de amizade íntima ou inimizade notória com algum dos interessados ou com cônjuge, companheiro e parentes até o terceiro grau do investigado. Inocorrência das hipóteses de impedimento ou suspeição. Precedentes. 7. Transição de provas de um processo para outro. Aproveitamento de provas legitimamente produzidas em outro processo. Viabilidade. Inocorrência de nulidade. 8. Alegações de cerceamento de defesa por não ter sido produzida prova requerida pelo acusado. Violação do contraditório e da ampla defesa. Inocorrência. Prejuízo à defesa não demonstrado. 9. Alegações de desproporcionalidade da pena aplicada e de inadequação na subsunção dos fatos aos tipos infracionais. Necessidade de reexame fático-probatório. Descabimento na via estreita do mandado de segurança. 10. Argumentos incapazes de infirmar a decisão agravada. 11. Agravo regimental desprovido.

    Voto do Ministro Gilmar Mendes:

    (...)

    No que tange a alegação de prescrição da pretensão punitiva, também não assiste razão ao recorrente.

    Conforme exposto no julgado ora recorrido, esta Corte, à luz do art. 142, § 2º, da Lei 8.112/1990, firmou orientação no sentido de que basta a capitulação da infração administrativa como crime para ser considerado o prazo prescricional previsto na lei penal no processo administrativo disciplinar. Nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes [MS-ED 35631 e MS 33736] (...)

    No caso dos autos, constata-se que a infração disciplinar objeto do processo administrativo disciplinar instaurado pelo Corregedor-Geral da União para apurar a responsabilidade do impetrante também se qualifica como delito penal, o que atrai a aplicação do prazo prescricional diferenciado. (...)

    Assim, é indiferente o argumento de que o agravante 'nunca foi indiciado, denunciado ou muito menos condenado por qualquer crime, em especial aquele capitulado no art. 325 do Código Penal', uma vez que a jurisprudência firmou-se no sentido de ser irrelevante a instauração de processo penal a respeito da caracterização de crimes pelas infrações administrativas imputadas ao impetrante, para fins de cálculo da prescrição, ressalvadas as hipóteses de reconhecimento, na esfera penal, da inexistência do fato ou negativa de autoria. Cito, a propósito, os julgados a seguir [RMS 33.937 e RMS-AgR 31.506] (...)

    Dessa forma, sendo necessária apenas a capitulação da infração administrativa como crime para ser considerado o prazo prescricional previsto na lei criminal, não prospera o recurso, no ponto.

    (...)

    (Agravo Regimental em Recurso Ordinário no Mandado de Segurança nº 35.383/DF, relatado pelo Ministro Gilmar Mendes, julgado pela 2ª Turma do STF na sessão virtual de 21 a 27/06/2019, publicado no DJe de 06/08/2019)

    VI - Nova interpretação do art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112/90 nesta Advocacia-Geral da União

    35.Expostos nos capítulos anteriores as teses vigentes no âmbito da Advocacia-Geral da União, do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal sobre a interpretação do § 2º do art. 142 do Estatuto dos Servidores Públicos Federais, chega o momento de enfrentar o tema mais detalhadamente a fim de determinar se o posicionamento desta Advocacia-Geral da União deve ou não ser modificado.

    36.O art. 142 da Lei n.º 8.112/90 assim preceitua:

    Art. 142.  A ação disciplinar prescreverá:

    I - em 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão;

    II - em 2 (dois) anos, quanto à suspensão;

    III - em 180 (cento e oitenta) dias, quanto à advertência.

    § 1o  O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido.

    § 2o  Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime.

    § 3o  A abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade competente.

    § 4o  Interrompido o curso da prescrição, o prazo começará a correr a partir do dia em que cessar a interrupção.

     

    37.Por sua vez, o Código Penal apresenta as seguintes regras sobre os prazos prescricionais penais:

     

    Prescrição antes de transitar em julgado a sentença

    Art. 109.  A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010).

    I - em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze;

    II - em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze;

    III - em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito;

    IV - em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro;

    V - em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois;

    VI - em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano. (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010).

    Prescrição das penas restritivas de direito

    Parágrafo único - Aplicam-se às penas restritivas de direito os mesmos prazos previstos para as privativas de liberdade.

    (...)

    38.Como visto, a quaestio diz respeito aos requisitos para a aplicação do art. 142, § 2º, da Lei n.º 8.112/90. Deve ou não haver o início da apuração criminal para que seja possível empregar os prazos prescricionais penais às infrações administrativas também capituladas como crime?

    39.De plano, vale dizer que as duas principais teses sobre o assunto possuem fundamentos jurídicos apreciáveis. Tanto isso é verdade que ao longo do tempo órgãos jurídicos de quilate inquestionável alternaram o posicionamento sobre a interpretação a ser conferida ao § 2º do art. 142 da Lei n.º 8.112/90.

    40.No campo doutrinário, a divergência também é sentida. Há autores que defendem a utilização do art. 142, § 2º, da Lei n.º 8.112/90 independentemente da existência de inquérito policial ou processo penal e outros que exigem esse requisito não estampado na lei.

    41.O jurista José dos Santos Carvalho Filho integra o primeiro grupo de doutrinadores, já que anota a importante mudança de entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça e a ela não faz objeções:

    Não custa anotar que a pretensão punitiva da Administração em relação a infrações de seus servidores sujeita-se à prescrição, variando o prazo conforme a espécie da sanção imposta (art, 142, I a III, Lei nº 8.112/1990). Se a infração disciplinar é também capitulada como crime, o prazo prescricional será o previsto na lei penal (art. 142, § 2º). Preteritamente, exigia-se que já houvesse apuração criminal da conduta do servidor como requisito para o início do prazo. [STJ, MS 13.926, j. em 27.2.2013, e MS 15462, j. em 14.3.2011] Tal interpretação, contudo, foi alterada para o fim de excluir esse requisito, sustentando-se que deve prevalecer critério objetivo em prol da segurança jurídica, qual seja, o fixado na lei penal. [STJ, MS 20.857, j. em 22.5.2019]¹

    42.A Professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro menciona o emprego da prescrição penal às infrações administrativas também capituladas como crime sem exigir inquérito policial em curso:

    Com relação aos prazos para punir, que são estabelecidos em favor do administrado, são fatais para a Administração. Na esfera federal, prescreve em 180 dias a pena de advertência, em dois anos a de suspensão e em cinco anos as de demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão (art. 142 da Lei nº 8.112/90). No Estado de São Paulo, os prazos são de dois e cinco anos, respectivamente (art. 261 do Estatuto). Nas duas leis, a falta também prevista em lei como crime prescreverá juntamente com este.²

    43.Edmir Netto de Araújo sustenta expressamente a prescindibilidade de inquérito policial, denúncia ou ação penal para utilização do art. 142, § 2º, do Estatuto dos Servidores:

    Ou seja, quando a falta disciplinar é descrita também como ilícito penal (crimes contra a Administração Pública, a Fazenda Pública, a fé pública, ou previstos nas leis de segurança ou defesa nacional, mais outros assim caracterizados na portaria inicial do processo administrativo disciplinar (p. ex., Lei paulista nº 10.261/68, art. 257, incisos II, III, V, VI, VII, VIII, X), é, portanto, aplicável nesse caso a prescrição em abstrato, que no Código Penal está ementada como 'prescrição antes de transitar em julgado a sentença', regulada pelo artigo 109 e seus incisos I a VI do mesmo diploma legal:

    'Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto nos §§ 1 º e 2º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:

    I - em 20 (vinte) anos, se o máximo da pena é superior a 12 (doze);

    II - em 16 (dezesseis) anos, se o máximo da pena é superior a 8 (oito) anos e não excede a 12 (doze);

    III - em 12 (doze) anos, se o máximo da pena é superior a 4 (quatro) anos e não excede a 8 (oito);

    IV - em 8 (oito) anos, se o máximo da pena é superior a 2 (dois) anos e não excede a 4 (quatro);

    V - em 4 (quatro) anos, se o máximo da pena é igual a 1 (um) ano ou, sendo superior, não excede a 2 (dois);

    VI - em 2 (dois) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano.'

    (...)

    Por outro lado, de acordo com a doutrina (p. ex., Tourinho Filho, Processo Penal, Editora Saraiva, 1992, p. 187, v. 4) e jurisprudência predominante (STF, em RDA 152:77 e RTJ 143:848, dentre vários outros arestos), é pacífico que o indiciado se defende dos fatos descritos na portaria inicial e não de sua qualificação legal, ou daquela constante de indiciamento em inquérito policial, de denúncia, da própria ação penal e nem mesmo de despacho judicial de arquivamento de inquérito, que entenda que o fato não constitui crime, ou que ocorre a prescrição em concreto.

    Assim sendo, tratando-se de 'prescrição antes de transitar em julgado a sentença, como referido no Código Penal, pouco importa que o inquérito policial pelos mesmos fatos tenha sido aceito ou arquivado, que tenha havido denúncia pelo Ministério Público, aceita pelo juiz, que tenha prosseguido a ação penal e que esta tenha sido decidida com condenação ou absolvição (exceto, é claro, quando a sentença reconhece expressamente a inexistência do fato, nega a autoria ou admite excludente de criminalidade). Na verdade, é até mesmo irrelevante que tenha sido instaurado inquérito policial (Edmir Netto de Araújo, Curso, cit., p. 960).

    Esta interpretação é ratificada pelo artigo 67 e seus incisos l, II e III do Código de Processo Penal, que afirmam não impedirem a ação civil (ação 'não penal', portanto também a administrativa) o despacho de arquivamento do inquérito ou das peças de informação, a decisão que julgar extinta a punibilidade ou a sentença absolutória que decidir que o fato imputado não constitui crime, além da Súmula nº 18 do STF, que permite a punição -administrativa pelo resíduo.³

    44.De outro lado, aparecem os autores que só aplicam o art. 142, § 2º, da Lei n.º 8.112/90 no caso da existência de inquérito policial ou ação penal.

    45.Nesse sentido, Reinaldo Couto exige a apuração criminal prévia: "Deve ser observado que, nos casos de ilícito funcional que seja capitulado também como crime, a prescrição somente observará os prazos da lei penal se a infração penal estiver sendo apurada na esfera própria. Caso o crime não esteja sendo apurado na esfera criminal, conservam-se os prazos do artigo acima transcrito. [art. 142, I a III, da Lei n.º 8.112/90]"4

     46.Apoiado na ultrapassada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, Sebastião José Lessa também cobra a apuração criminal:

    Está dito no § 2º do art. 142 da Lei nº 8.112/90: ‘Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações capituladas também como crime’. (grifos nossos)

    A respeito da norma, o julgado do Pretório Excelso: ‘[...] III. Na hipótese de a infração disciplinar constituir crime, os prazos de prescrição previstos na lei penal têm aplicação: Lei nº 8.112/90, art. 142, § 2º. Inocorrência de prescrição no caso’ (STF, MS nº 23.2421/SP, Rel. Min. Carlos Velloso DJ, 17 maio 2002; STJ, MS nº 13.640/DF, Rel. Min. Félix Fischer, DJe, 13 fev. 2009). No entanto, ‘a mera presença de indícios de prática de crime sem a devida apuração nem formulação de denúncia, obsta a aplicação do regramento da legislação penal para fins de prescrição, devendo esta ser regulada pela norma administrativa, especificamente o caput do aludido art. 142 da norma estatutária’ (STJ, RMS nº 14.420/RS, Rel. Min. Vicente Leal, DJ, 30 set. 2002, grifos nossos)

    E mais: Nos casos em que o suposto ilícito praticado pelo servidor não for objeto de ação penal ou o servidor for absolvido, aplica-se o disposto na legislação administrativa quanto ao prazo prescricional. Precedentes. (STJ, MS nº 12.090/DF, Rel. Min Arnaldo Esteves Lima, DJ 21 maio 2007)5

    47.O Professor José Armando da Costa defende tese ainda mais restritiva no que se refere à utilização do art. 142, § 2º, da Lei n.º 8.112/90. Ele só admite a extensão dos prazos prescricionais penais às infrações administrativas também classificadas como crime após o trânsito em julgado da sentença criminal. Eis o pensamento do mencionado autor:

    A incidência do disposto no § 2º do art. 142 do estatuto federal (...) somente encontra regência quando haja cognição penal. E esta somente resta satisfeita com o advento da decisão condenatória não mais sujeita a recurso.

    É curial que somente o Poder Judiciário, por meio da justiça criminal, tem legitimidade constitucional para proclamar, com definitividade, a existência de um crime. Somente depois desse reconhecimento judicial é que poderá a infração penal servir de justo título para produzir os recepcionados efeitos nas demais instâncias.

    Para que resulte legitimada a regência da legislação penal para o efeito do estabelecimento do prazo da prescrição disciplinar, nos termos do § 2º do art. 142 da Lei nº 8.112/90, não basta que haja regular apuração criminal em andamento. E sim requer a existência de provimento criminal transitado em julgado.

    Equivocadamente, alguns órgãos judicantes, para admitirem essas excepcionais projeções da instância criminal, se apegam ao simples despacho judicial de recebimento da denúncia do Ministério Público. Juízo esse que, quando muito, revela apenas plausibilidade condenatória (fumus boni juris), e nunca a certeza legal sobre a prática do crime.

    Com tal erronia, já tem decidido o egrégio Superior Tribunal de Justiça (...)

    O recebimento da denúncia - ajuntado ao presumido desenvolvimento regular do processo - não estabelece uma base processual de conhecimento suficiente para ensejar a projeção do efeito instituído na disposição estatutária referida.

    Até que a decisão penal condenatória adquira o feitio de coisa julgada (res judicata), pode haver a mudança de enquadramento penal, ou até mesmo a absolvição que negue categoricamente a existência do fato ou de sua autoria. Por conseguinte, o simples recebimento da exordial do Ministério Público não é o bastante para que, nesses casos, se estenda à instância disciplinar a mencionada regência prescricional do Direito Penal.

    (...)

    Isso ocorre com fundamento na simples razão de que somente à Justiça Criminal - conforme o dogma constitucional da separação de poderes - compete jurisdizer, por sentença formal, quem praticou, ou não, crime.

    Não existe no direito pátrio nem no alienígena nenhuma disposição que, tomando por esteio a prática de crime, prescinda da sentença penal respectiva passada em julgado. Principalmente quando tal diagnóstico jurídico-penal, em sua exata e lídima compreensão, deva repercutir em outras instâncias.

    (...) [6]

    48.Após o rigoroso cotejo das correntes jurisprudenciais e doutrinárias acerca do tema, acredita-se que a aplicação do § 2º do art. 142 da Lei n.º 8.112/90 não requer a instauração prévia de inquérito policial ou ação penal.

    49.Tal entendimento se mostra condizente com a redação e o espírito do dispositivo legal e com os mais caros princípios do sistema constitucional-administrativo pátrio.

    50.A redação do art. 142, § 2º, da Lei n.º 8.112/90 é clara. O comando aponta no sentido de que o Direito Administrativo deixe de aplicar seus prazos prescricionais próprios e tome por empréstimo os prazos previstos no Direito Penal quando as infrações disciplinares também forem classificadas como crime.

    51.Evidentemente, em seu texto, o comando legal não exige inquérito policial, denúncia, ação penal, sentença criminal nem muito menos sentença criminal transitada em julgado.

    52.Outrossim, vale destacar que ordinariamente os prazos de prescrição disciplinar são aqueles previstos nos incisos do art. 142 do Estatuto dos Servidores Públicos Federais. Sendo certo que a norma inscrita no § 2º do art. 142 regula uma situação diferenciada, só alcançando as infrações disciplinares também capituladas como crime.

    53.A rigor, a Lei n.º 8.112/90 poderia admitir apenas o regime de prescrição disciplinar regulado nos incisos I, II e III do art. 142. Se o § 2º do art. 142 não existisse, não haveria a extensão de prazos prescricionais penais a infrações disciplinares capituladas como crime. Porém, não foi assim que o legislador agiu. O ordenamento previu a comunicação entre os sistemas administrativo e penal nos exatos termos do referido § 2º do art. 142.

    54.Configurada a situação descrita no § 2º do art. 142 da Lei n.º 8.112/90, deverá a Administração aplicar os prazos de prescrição previstos na legislação penal. A norma obriga a Administração a regular a prescrição nos seus termos quando se estiver diante de infração administrativa também tipificada como crime.

    55.Com efeito, ao realizar tal tarefa, a Administração exerce sua função administrativa típica. A capitulação do crime pela Administração para os fins almejados pelo § 2º do art. 142 da Lei n.º 8.112/90 é exercício da função administrativa. Mais precisamente, é decorrência do poder disciplinar ostentado pela Administração.

    56Nesse sentido, Maria Sylvia Zanella Di Pietro afirma que o "poder disciplinar é o que cabe à Administração Pública para apurar infrações e aplicar penalidades aos servidores públicos e demais pessoas sujeitas à disciplina administrativa7

    57.O Professor José dos Santos Carvalho Filho também apresenta interessante lição sobre a disciplina funcional:

    A disciplina funcional resulta do sistema hierárquico. Com efeito, se aos agentes superiores é dado o poder de fiscalizar as atividades dos de nível inferior, deflui daí o efeito de poderem eles exigir que a conduta destes seja adequada aos mandamentos legais, sob pena de, se tal não ocorrer, serem os infratores sujeitos às respectivas sanções.

    Disciplina funcional, assim, é a situação de respeito que os agentes da Administração devem ter para com as normas que os regem, em cumprimento aos deveres e obrigações a eles impostos.8

    58.Dessa forma, não é razoável exigir instauração de inquérito policial, oferecimento de denúncia ou existência de ação penal para o exercício da atividade administrativa descrita no § 2º do art. 142 da Lei n.º 8.112/90.

    59.Como dito, a capitulação na forma do § 2º do art. 142 do Estatuto dos Servidores Públicos Federais retrata exercício da função administrativa e não se confunde, de modo algum, com usurpação da jurisdição penal pela Administração.

    60.Não há afronta alguma ao princípio da separação de poderes. Em realidade, a interpretação aqui vislumbrada protege e realiza a separação de poderes.

    61.A fim de afastar qualquer tentativa de equiparar a capitulação prevista no art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112/90 com o exercício da jurisdição penal, vários fundamentos podem ser lançados.

    62.Em primeiro lugar, não se deve olvidar que a lei determinou que a Administração fizesse a capitulação e aplicasse os prazos prescricionais penais.

    63.Em segundo lugar, parece óbvio que a aplicação do art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112/90 não permitirá que a Administração substitua o Poder Judiciário e aplique uma sanção penal ao servidor.

    64.E, por último, a interpretação do § 2º do art. 142 do Estatuto dos Servidores aqui sustentada não impede eventual controle judicial, preservando, assim, o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5.º, XXXV, da Constituição da República).

    65.Parece haver uma supervalorização do ato de capitular uma infração administrativa como crime. No entanto, não merece prosperar essa tentativa de equiparação entre as atividades administrativa e jurisdicional. Tais atividades possuem natureza distinta e, por isso, seguem regramentos próprios.

    66.Na seara administrativa, por vezes, o servidor público tem de avaliar a ocorrência ou não de crime. Basta lembrar os deveres a ele impostos pelos incisos III, IV e VI do art. 116 da Lei n.º 8.112/90, assim enunciados:

    Art. 116.  São deveres do servidor:

    (...)

    III - observar as normas legais e regulamentares;

    IV - cumprir as ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais;

    (...)

    VI - levar as irregularidades de que tiver ciência em razão do cargo ao conhecimento da autoridade superior ou, quando houver suspeita de envolvimento desta, ao conhecimento de outra autoridade competente para apuração; (Redação dada pela Lei nº 12.527, de 2011).

    67.Por oportuno, cabe observar que as eventuais irregularidades e ilegalidades sugeridas nas normas transcritas acima podem até mesmo ter natureza penal. Em razão disso, o servidor deve fazer um juízo sobre determinadas condutas, classificando-as como criminosas ou não. A depender de sua avaliação, adotará as providências previstas em lei. Além das normas citadas e do art. 142, § 2º, seguem alguns outros exemplos estatutários dessa necessidade de capitulação por parte dos servidores:

    Art. 126-A. Nenhum servidor poderá ser responsabilizado civil, penal ou administrativamente por dar ciência à autoridade superior ou, quando houver suspeita de envolvimento desta, a outra autoridade competente para apuração de informação concernente à prática de crimes ou improbidade de que tenha conhecimento, ainda que em decorrência do exercício de cargo, emprego ou função pública. (Incluído pela Lei nº 12.527, de 2011)

    (...)

    Art. 154.  Os autos da sindicância integrarão o processo disciplinar, como peça informativa da instrução.

    Parágrafo único.  Na hipótese de o relatório da sindicância concluir que a infração está capitulada como ilícito penal, a autoridade competente encaminhará cópia dos autos ao Ministério Público, independentemente da imediata instauração do processo disciplinar.

    (...)

    68.Por certo, o mencionado parágrafo único do art. 154 da Lei n.º 8.112/90 ao estabelecer que no relatório da sindicância pode haver a capitulação da infração disciplinar também como crime evidencia a possibilidade de tipificação pela Administração.

    69.Assim, percebe-se que essa avaliação da tipicidade penal pelos servidores públicos é admitida e até mesmo estimulada pela legislação administrativa em vigor.

    70.Neste momento, deve-se indicar o princípio da independência relativa entre as instâncias administrativa e penal como um outro forte argumento para apoiar a tese pela prescindibilidade de persecução criminal para utilização do art. 142, § 2º, da Lei n.º 8.112/90 pela Administração.

    71.Tal princípio resulta da conjugação dos arts. 121, 125 e 126 do Estatuto dos Servidores, que assim dispõem:

    Art. 121.  O servidor responde civil, penal e administrativamente pelo exercício irregular de suas atribuições.

    (...)

    Art. 125.  As sanções civis, penais e administrativas poderão cumular-se, sendo independentes entre si.

    Art. 126.  A responsabilidade administrativa do servidor será afastada no caso de absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria.

    72.Além do relevo dado ao princípio da independência das instâncias pelo Superior Tribunal de Justiça (Mandados de Segurança nº 20.857/DF, 20.869/DF, e 25.401/DF, e Agravo Interno no Recurso em Mandado de Segurança nº 58.488/BA) e pelo Supremo Tribunal Federal (Agravo Regimental no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 31.506/DF e Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 33.858/DF), convém ressaltar que o recente Parecer nº JL-02, aprovado pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República em 26/05/2020, publicado no DOU de 27/05/2020 e republicado em 1º/06/2020, adotou o Parecer nº 2/2019/CNPAD/CGU/AGU, e assim também fez prevalecer o importante princípio:

    (...)

    13. Além dos princípios reitores do Processo Administrativo Disciplinar, essa possibilidade de examinar o Pedido de Reconsideração ou de Revisão ainda que a parte tenha ingressado em juízo, desde que cumpridos os demais requisitos legais, está alicerçado também no princípio da independência das instâncias. Com efeito, até a prolação de decisão judicial em sentido contrário, os processos administrativos podem, via de regra, ser livremente decididos pela autoridade competente.

    (...)

    24. Assim, considerando os princípios reitores do Processo Administrativo Disciplinar, a tendência atual de desjudicialização das demandas administrativas, a independência das instâncias, a celeridade, a economicidade, a prevalência da coisa julgada, bem como as manifestações mais recentes da Advocacia-Geral da União, aprovadas pelo Exmo. Sr. Presidente da República, entende-se que os pedidos administrativos (Reconsideração, Revisão e/ou Recurso Hierárquico) apresentados em face de penalidade disciplinar, desde que preenchidos os demais requisitos que lhes são exigidos, devem ser conhecidos pela autoridade competente ainda que o Requerente simultaneamente tenha ingressado em juízo alegando os mesmos fatos e fundamentos. Registra-se que tal conhecimento não implica, necessariamente, no provimento do Pedido.

    (...)

     

    73.Ao examinar os arts. 121 e 125 da Lei n.º 8.112/90, José dos Santos Carvalho também realça o princípio da independência relativa das instâncias:

    Em virtude da independência das responsabilidades e, em consequência, das respectivas instâncias, é que o STF já decidiu, acertadamente, que pode a Administração aplicar ao servidor a pena de demissão em processo disciplinar, mesmo se ainda em curso a ação penal a que responde pelo mesmo fato. [MS nº 21.708/DF] Pode até mesmo ocorrer que a decisão penal influa na esfera administrativa, mas isso a posteriori. O certo é que a realização do procedimento administrativo não se sujeita ao pressuposto de haver prévia definição sobre o fato firmada na esfera judicial.

    74.Outro princípio destacado pelo Superior Tribunal de Justiça foi o da segurança jurídica na medida em que o "lapso prescricional não pode variar ao talante da existência ou não de ação penal, justamente pelo fato de a prescrição estar relacionada ao vetor da segurança jurídica" (Mandado de Segurança nº 20.857/DF, por exemplo)

    75.Tal constatação da mencionada Corte Superior foi precisa porque a variação do prazo prescricional da infração administrativa por influência exclusiva da existência ou não de apuração criminal realmente não garante a estabilidade requerida pelo princípio da segurança jurídica.

    76.Ao comentar sobre o princípio da segurança jurídica, o Professor Alexandre Santos de Aragão demonstra a importância de se conferir clareza às normas jurídicas:

     

    Um dos mais clássicos princípios gerais de Direito, o princípio da segurança jurídica, que junto à ideia geral de Justiça, compõe o grande binômio axiológico do Direito (justiça-segurança), também possui grande importância no Direito Administrativo.

    (...)

    A noção de segurança jurídica, apesar de multifacetária não é difícil de intuir, e circunscreve-se num amplo espectro que vai desde a existência das instituições garantidoras dos direitos fundamentais (Judiciário, Administração) à clareza das normas jurídicas e ao respeito aos acordos firmados. [10]

     

    77.Considerando esse aspecto, a clareza deve estar presente desde a produção da norma até a sua aplicação. E, ao se formular uma interpretação mais objetiva do § 2º do art. 142, do Estatuto dos Servidores, a meta é tentar preservar o princípio da segurança jurídica.

    78.Além disso, a visualização da desnecessidade de investigação policial para o emprego do art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112/90 não traduz injustiça para o servidor faltoso. Isso porque a extensão dos prazos prescricionais penais é uma escolha legítima do legislador pautada na percepção de que as infrações administrativas também capituladas como crime são mais graves que as outras faltas disciplinares, o que recomenda a adoção de prazos prescricionais mais longos para aquelas.

    79.Todavia, em algumas situações pode acontecer de a aplicação do § 2º do art. 142, do Estatuto dos Servidores Públicos Federais resultar em prazo prescricional mais curto do que aquele previsto para o ilícito funcional no apropriado inciso do art. 142.

    80.Escolhido o posicionamento no sentido da prescindibilidade de persecução penal para a aplicação do § 2º do art. 142 da Lei nº 8.112/90 e diante do fato de que os vigentes Pareceres nº AM-02 e AM-03 seguiram premissa oposta, cabe recomendar que as autoridades superiores desta Advocacia-Geral avaliem a conveniência da revogação dos referidos pareceres normativos e a adoção do presente entendimento.

    81.Ademais, nota-se que a tese sustentada ao longo desta manifestação está em harmonia com os mais recentes julgados do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. Contudo, é válido dizer que esses precedentes não gozam de efeito vinculante.

    82.Por fim, devem ser lançadas algumas brevíssimas considerações sobre o ilícito disciplinar de abandono de cargo tratado no Parecer nº AM-02.

    83.Seguindo a lógica demonstrada no presente estudo, a aplicação do prazo da prescrição penal para a infração disciplinar de abandono de cargo exige a avaliação, em cada caso concreto, do enquadramento da conduta como crime (art. 323 do Código Penal). Caso a Administração não vislumbre, em tese, a ocorrência de crime, terá vez a apuração da prescrição com base no critério previsto no inciso I do art. 142 da Lei n.º 8.112/90.

    VII - Conclusão

    84.Ante o exposto, com fundamento sobretudo no princípio da independência entre as instâncias, entende-se que:

    a) a aplicação do § 2º do art. 142 da Lei nº 8.112/90 prescinde da existência de inquérito policial ou ação penal, ou seja, a capitulação da infração disciplinar também como crime pela Administração é suficiente para fundamentar a utilização dos prazos prescricionais penais; e

    b) os posicionamentos constantes dos Pareceres nºAM-02 e AM-03 devem ser superados.

    À consideração superior.

     Brasília, 20 de outubro de 2020.

     ANTONIO DOS SANTOS NETO

    ADVOGADO DA UNIÃO


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     Notas

    1. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 34ª ed. São Paulo: Atlas, 2020, p. 837.

    2. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 684.

    3. ARAÚJO, Edmir Netto de. A Prescrição em Abstrato no Processo Administrativo Disciplinar. Revista de Direito Administrativo, Volume 244, 2007. Disponível em http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/42436/41182. Acesso em 15/10/2020.

    4. COUTO, Reinaldo. Curso de Processo Administrativo Disciplinar e Sindicância. 3ª ed. Salvador: JusPODIVUM, 2017, p. 127.

    5.LESSA, Sebastião José. Prescrição da ação disciplinar. Fórum Administrativo - FA, Belo Horizonte, ano 13, nº 153, nov. 2013. Disponível em: http://www.bidforum.com.br/bidLogin.aspx?ReturnUrl=%2fbid%2fPDI0006.aspx%3f Acesso em: 10 out. 2020.

    6. COSTA, José Armando da. Direito Administrativo Disciplinar. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, pp. 286-289.

    7. Ob. cit., p. 82.

    8. Ob. cit., p. 76.

    9. Ob. cit., pp. 833-834.

    10. ARAGÃO, Alexandre Santos de. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2012, pp. 65-66.

    Documento assinado eletronicamente por ANTONIO DOS SANTOS NETO, de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 506959702 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): ANTONIO DOS SANTOS NETO. Data e Hora: 27-10-2020 12:21. Número de Série: 2354148774697928242. Emissor: AC CAIXA PF v2.

    Este texto não substitui o publicado no DOU de 13.11.2020 - Edição extra