Opinião

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    DILEMAS JURÍDICOS CINQUENTENÁRIOS NA CONTRATAÇÃO ADMINISTRATIVA DE OBRAS E SERVIÇOS DE ENGENHARIA

     

     

    *Jessé Torres Pereira Junior

    **Marinês Restelatto Dotti

     

     

     

    Sumário: 1. Introdução. 2. Regimes de execução indireta. 3. Regimes de execução indireta no âmbito da Lei nº 12.462/2011. 4. Regimes de execução indireta no âmbito da Lei nº 13.303/2016. 5. Cronograma físico-financeiro. 6. Pesquisa de preços. 7. Existência de sobrepreço em custos do contrato. 8. Os mesmos desafios no direito comparado. 9. Conclusão.

     

     

     

    1. Introdução

    O art. 10 da Lei nº 8.666/1993, a Lei Geral de Licitações, preceitua que obras e serviços podem ser realizados mediante execução direta ou indireta. Na execução direta, a administração pública concretiza a realização de tais objetos com os recursos (humanos, materiais e organizacionais) existentes em sua própria estrutura, ainda que haja de adquirir bens para aplicá-los na execução. Na execução indireta, a administração pública, por não dispor dos recursos necessários e suficientes para a realização do objeto ou por considerar que os recursos de que disponha não estariam adequadamente habilitados — vale dizer, por falta de meios próprios ou por opção estratégica —, contrata a execução a terceiro, pessoa física ou jurídica, que comprove aptidão compatível com a natureza do objeto por realizar. 

    O regime de execução indireta remonta ao Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, segundo o qual a administração, “para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle, e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que existente, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos da execução”.

    A parte final do art. 10, §7º, da vetusta norma federal guarda correlação com o devido processo legal licitatório para a execução de obras, a prestação de serviços ou o fornecimento de bens em proveito da administração pública, ressalvados os casos especificados na legislação como de dispensa ou inexigibilidade, processo esse que somente admitirá, reitere-se, as “exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações” (CF/88, art. 37, XXI, in fine).

    As normas constitucionais e infraconstitucionais, ao exigirem que os interessados em participar de licitação, ou de contratar diretamente com a administração, comprovem a qualificação correspondente às características e ao vulto do objeto, pretendem garantir padrão mínimo de qualidade da execução e de desempenho adequado, traduzindo satisfatório atendimento ao interesse público. Será este o resultado que tem sido obtido nesses cinquenta anos de história da contratação de obras e serviços de engenharia pela administração pública brasileira, contados da introdução da Reforma Administrativa federal, em 1967? Ou estar-se-ia a assistir ao cinquentenário de dilemas jurídicos administrativos até aqui insatisfatoriamente solvidos, não só na experiência do direito público brasileiro como na do direito comparado? É a reflexão a que se dedica o texto a seguir. 

     

    2. Regimes de execução indireta

    A execução indireta de obras e serviços de engenharia pode ocorrer segundo um dos regimes previstos na Lei nº 8.666/1993, independentemente da modalidade licitatória utilizada (concorrência, tomada de preços ou convite). Esses regimes se distinguem segundo o método de execução e a remuneração do contratado, como se distinguem a seguir.

     

    2.1 empreitada por preço global (execução da obra ou serviço em etapas)

    Caracteriza-se pela execução da obra ou do serviço de engenharia por preço certo e total. Na medida em que forem executadas as etapas definidas no cronograma físico, efetivam-se os pagamentos estipulados pelo cronograma financeiro. Ilustre-se com a construção de um edifício, sob o regime de empreitada por preço global: na medida em que cada etapa do objeto (a obra) seja executada, desde que atenda às especificações constantes do projeto básico, será efetivado o pagamento ao contratado. Assim, o cronograma físico especificará cada etapa da obra e o seu respectivo prazo da execução (fundações, estruturas, instalações, revestimentos etc.). Ao final de cada etapa e mediante atestação de seu respectivo cumprimento, haverá a contraprestação financeira, logo, não é verdadeira a síntese de que, nesse regime de execução, são irrelevantes os valores orçados para cada etapa, importando apenas o valor global final, isto porque a cada etapa deve corresponder valor condizente com o seu respectivo custo, tal como previsto nas planilhas que integram o projeto básico.

    De acordo com o Tribunal de Contas da União, nesse regime é necessária a disponibilização, por parte da administração contratante, de cronograma físico-financeiro detalhado, no qual estejam definidas as etapas/fases da obra a executar e os serviços/atividades que as compõem (Acórdão nº 1.948/2011 - Plenário, Rel. Min. Marcos Bemquerer Costa, Processo nº 005.929/2011-3. Informativo de Licitações e Contratos nº 73, de 2011).

    O art. 47 da Lei nº 8.666/1993 exige que, nas contratações por preço global, a administração disponibilize, junto com o edital, todos os elementos e informações necessários para que os licitantes possam elaborar suas propostas de preços com total e completo conhecimento do objeto licitado, ou seja, deve haver projeto básico com alto grau de detalhamento, com o objetivo de minimizar os riscos a serem absorvidos pelo contratado durante a execução contratual, o que resulta, por conseguinte, em menores preços ofertados pelos licitantes. O contratado poderá arcar com eventuais erros ou omissões na quantificação dos serviços, situação na qual, em regra, não teria direito a aditivos contratuais em casos de quantitativos subestimados por erro que pudesse haver sido identificado durante o processo licitatório.

    Conforme o Acórdão nº 1.977/2013 – Plenário (Rel. Min. Valmir Campelo, Processo nº 044.312/2012-1), são as vantagens da utilização do regime de empreitada por preço global: (a) simplicidade nas medições (medições por etapa concluída);
 (b) menor custo para a administração pública na fiscalização da obra; (c) valor final do contrato é, em princípio, fixo; 
(d) restringe os pleitos do construtor e a assinatura de aditivos; (e) dificulta o “jogo de planilha”; e (f) incentiva o cumprimento de prazo, pois o contratado só recebe quando conclui uma etapa.

    No referido Acórdão a Corte de Contas federal elenca as desvantagens do regime de empreitada por preço global: (a) como o construtor assume os riscos associados aos quantitativos de serviços, o valor global da proposta tende a ser superior se comparado com o regime de preços unitários; (b) tendência de haver maior percentual de riscos e imprevistos no BDI do construtor; e (c) a licitação e contratação exige projeto básico com elevado grau de detalhamento dos serviços (art. 47 da Lei nº 8.666/1993).

    O regime de empreitada por preço global é indicado para: (a) contratação de estudos e projetos; (b) elaboração de pareceres e laudos técnicos; (c) obras e serviços executados "acima da terra" que apresentam boa precisão na estimativa de quantitativos, a exemplo de construção de edificações e linhas de transmissão.

     

    2.2 empreitada por preço unitário (execução da obra ou serviço medida em unidades)

    Nesse regime, a execução da obra ou do serviço se dá por preço certo de unidades determinadas. Na medida em que forem executadas as unidades estabelecidas no cronograma físico, e desde que atendam às especificações exigidas no projeto básico, conferida por membro ou equipe de fiscalização do contrato, será efetivado o pagamento indicado pelo cronograma financeiro. É utilizada sempre que os quantitativos a serem executados não puderem ser definidos com grande precisão. Em que pese não ser necessário um grau de detalhamento de projeto no mesmo nível das empreitadas por preço global, o conceito de projeto básico definido no art. 6º da Lei nº 8.666/1993 deve ser respeitado com rigor. De acordo com o Tribunal de Contas da União, não se deve pressupor que a existência de maior imprecisão nos quantitativos dos serviços implique, por si só, deficiência do projeto básico (Acórdão nº 1.977/2013 – Plenário, Rel. Min. Valmir Campelo, Processo nº 044.312/2012-1). Mesmo em projetos bem elaborados, há serviços cujos quantitativos estão intrinsecamente sujeitos a um maior nível de imprecisão, como é o caso de serviços de movimentação de terra em rodovias e barragens. Por isso, recomenda-se que essas tipologias de obras sejam contratadas no regime de empreitada por preço unitário.

    Consoante se extrai do Acórdão nº 1.977/2013 – Plenário (Rel. Min. Valmir Campelo, Processo nº 044.312/2012-1), são as vantagens da utilização do regime de empreitada por preço unitário: (a) pagamento apenas pelos serviços efetivamente executados; (b) apresenta menor risco para o construtor, na medida em que ele não assume risco quanto aos quantitativos de serviços (riscos geológicos do construtor são minimizados); e (c) a obra pode ser licitada com um projeto com grau de detalhamento inferior ao exigido para uma empreitada por preço global ou integral.

    São as desvantagens do regime de empreitada por preço unitário segundo o referido Acórdão: (a) exige rigor nas medições dos serviços; (b) maior custo da administração para acompanhamento da obra; (c) favorece o “jogo de planilha”; (d) necessidade frequente de aditivos, para inclusão de novos serviços ou alteração dos quantitativos dos serviços contratuais; (e) o preço final do contrato é incerto, pois se baseia em estimativa de quantitativos que podem variar durante a execução da obra; (f) exige que as partes renegociem preços unitários quando ocorrem alterações relevantes dos quantitativos contratados; e (g) não incentiva o cumprimento de prazos, pois o contratado recebe por tudo o que fez, mesmo atrasado.

    O regime de empreitada por preço unitário é indicado nas contratações de serviços de gerenciamento e supervisão de obras, em obras executadas abaixo da terra ou que apresentam incertezas intrínsecas nas estimativas de quantitativos, a exemplo de execução de fundações, serviços de terraplanagem, desmontes de rocha, implantação, pavimentação, duplicação e restauração de rodovias, canais, barragens, adutoras, perímetros de irrigação, obras de saneamento, infraestrutura urbana, obras portuárias, dragagem e derrocamento, reforma de edificações e poços artesianos.

     

    2.3 empreitada integral (execução de todas as etapas da obra ou serviço e sua entrega em operação)

    A execução com base nesse regime compreende todas as etapas das obras, serviços e instalações necessárias, sob inteira responsabilidade do contratado até a sua entrega à administração contratante em condições de funcionar, atendidos os requisitos técnicos e legais para a sua utilização com segurança estrutural e operacional, adequada às finalidades para que foi contratada. Não basta concluir a obra. O escopo do contrato somente é atingido com o funcionamento do que se construiu, sob a responsabilidade ainda do contratado. Segundo o Tribunal de Contas da União, o regime de empreitada integral deve ser considerado na condução de projetos de vulto e complexos, em que a perfeita integração entre obras, equipamentos e instalações se mostre essencial para o pleno funcionamento do empreendimento, a exemplo de obras em hidrelétricas. A adoção desse regime em obra pública fora dessas circunstâncias pode ferir o princípio do parcelamento, ao incluir no escopo a ser executado por empresa de construção civil itens que poderiam ser objeto de contratação à parte, como equipamentos e mobiliário (Acórdão nº 711/2016 – Plenário, Rel. Min. Ana Arraes, Processo nº 016.438/2015-9).

     

    2.4 tarefa

    É o regime adotado quando se ajusta mão de obra para pequenos trabalhos por preço certo, com ou sem fornecimento de materiais. O objeto da licitação é a obra ou o serviço coincidente com a tarefa (levantamento de um muro, por exemplo). Dada a simplicidade da execução, é comum que a administração forneça ao executante o material que este empregará na tarefa.

     

    3. Regimes de execução indireta no âmbito da Lei nº 12.462/2011

    A Lei nº 12.462/2011, instituidora do regime diferenciado de contratações públicas, RDC, prevê, além dos regimes de empreitada por preço global, empreitada por preço unitário, empreitada integral e tarefa, também o regime de contratação integrada, cujas características são delineadas a seguir.

     

    3.1 contratação integrada

    Dispõe o art. 9º da Lei nº 12.462/2011, que nas licitações de obras e serviços de engenharia poderá ser utilizada a contratação integrada, desde que técnica e economicamente justificada e cujo objeto envolva, pelo menos, uma das seguintes condições: (a) inovação tecnológica ou técnica; (b) possibilidade de execução com diferentes metodologias; ou (c) possibilidade de execução com tecnologias de domínio restrito no mercado.

    O regime de contratação integrada conhece precedente normativo no Decreto nº 2.745/1998, que regulamenta o procedimento licitatório simplificado da Petróleo Brasileiro S.A. – PETROBRÁS, nos seguintes termos:

    1.9 Sempre que economicamente recomendável, a PETROBRÁS poderá utilizar-se da contratação integrada, compreendendo realização de projeto básico e/ou detalhamento, realização de obras e serviços, montagem, execução de testes, pré-operação e todas as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto, com a solidez e segurança especificadas.

    O regime da contratação integrada aproxima-se da empreitada integral. A coexistência desses regimes justifica-se. É que há situações em que a administração pública defronta-se com a necessidade de contratar a execução de obra ou serviço de engenharia cujo delineamento pormenorizado não seja do domínio técnico suficiente da administração, mas o é de entidades empresariais atuantes no ramo do objeto da licitação. Daí conferir-se, nesses dois regimes, margem maior de autonomia ao contratado para que este conceba soluções técnicas e/ou operacionais essenciais à satisfatória execução do objeto.

    O regime de contratação integrada, ao lado dos regimes de empreitada integral e por preço global, é incompatível com o parcelamento do objeto, sob pena de comprometer-se o pleno alcance do escopo do contrato. Ilustre-se com a construção de um aeroporto: a interdependência entre os diversos sistemas existentes em sua estrutura funcional gera um conjunto indissociável, em que obras e serviços, em diversas frentes não raro concomitantes, devem ser executados de forma sincronizada, tanto em termos de cumprimento do cronograma físico – prazo para conclusão de cada uma das etapas –, quanto em relação à qualidade dos serviços e à perfeita delimitação da responsabilidade técnica de cada qual.

    A diferença entre os regimes de empreitada integral e de contratação integrada reside na ampliação das atribuições do contratado. Na contratação integrada, o particular também é chamado a participar da concepção do objeto a ser contratado, por isto que lhe cabe a elaboração do projeto básico, com o que a ele é transferida parcela maior dos riscos[1] da execução, proporcional às responsabilidades assumidas desde o traçado do projeto básico, a seu cargo.

    A opção pelo regime de contratação integrada deve ser expressamente justificada (art. 9º, caput, da Lei nº 12.462/2011), ou seja, a administração licitante deve apresentar os pressupostos de fato e de direito, técnicos, econômicos e jurídicos, que amparam a escolha desse regime.

    Assentou o Tribunal de Contas da União que:

    A opção pelo regime de contratação integrada com base na possibilidade de execução com diferentes metodologias, art. 9º, inciso II, da Lei 12.462/2011, (i) se restringe às situações em que as características do objeto permitam que haja real competição entre as licitantes para a concepção de metodologias e tecnologias distintas, que levem a soluções capazes de serem aproveitadas vantajosamente pelo Poder Público, no que refere a competitividade, prazo, preço e qualidade, em relação a outros regimes de execução, especialmente a empreitada por preço global; e (ii) deve estar fundamentada em análise comparativa com contratações já concluídas ou outros dados disponíveis, procedendo-se à quantificação, inclusive monetária, das vantagens e desvantagens da utilização do regime de contratação integrada, sendo vedadas justificativas genéricas, aplicáveis a qualquer empreendimento, e sendo necessária a justificativa circunstanciada no caso de impossibilidade de valoração desses parâmetros (Acórdão nº 2.725/2016 – Plenário, Rel. Min. Walton Alencar Rodrigues, Processo nº 024.950/2014-9).

     

    Da combinação do disposto nos artigos 9º, 20, § 1º, I e II, e 8º, § 1º, da Lei nº 12.462/2011 resulta que o regime de contratação integrada, ao lado dos regimes de empreitada integral e por preço global, pretere os demais na contratação de obras e serviços de engenharia, notadamente em casos de obras e serviços de engenharia de natureza predominantemente intelectual, ou de inovação tecnológica ou técnica, ou de objetos que possam ser executados com diferentes metodologias ou tecnologias de domínio restrito no mercado.

    Extrai-se do decisório do Tribunal de Contas da União:

    A utilização da contratação integrada, prevista no Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), a qual deve estar fundamentadamente justificada técnica e economicamente no processo, requer que a obra ou o serviço de engenharia preencha pelo menos um dos requisitos elencados no art. 20, § 1º, da Lei 12.462/11, quais sejam: (i) natureza predominantemente intelectual e de inovação tecnológica; (ii) possibilidade de execução com diferentes metodologias; (iii) possibilidade de emprego de tecnologias de domínio restrito no mercado. (Acórdão nº 1.510/2013 - Plenário, Rel. Min. Valmir Campelo, Processo nº 043.815/2012-0).

     

    O regime de contratação integrada inverte a atribuição de elaborar-se o projeto básico: na Lei nº 8.666/1993, a atribuição é privativa da administração, sob pena de não se instaurar a licitação (art. 7º, § 2º, I); na Lei nº 12.462/2011, cabe ao vencedor da licitação. Em outras palavras: no sistema da Lei nº 8.666/1993, o projeto básico é requisito de validade do procedimento licitatório; sem projeto básico elaborado e aprovado pela administração, não se instaura o procedimento validamente, ou seja, o projeto básico situa-se, topograficamente, na fase interna do procedimento e sem ele não se avança à fase externa. No RDC, sendo de contratação integrada o regime de execução indireta adotado, desloca-se o projeto básico para além da fase externa da licitação, já que caberá ao concorrente vencedor - e só se conhece o vencedor uma vez encerrado o procedimento competitivo - a respectiva elaboração.

    É de indagar-se, então, qual a atribuição que o RDC reserva à administração, no regime de contratação integrada, no que respeita ao projeto básico. É a de desenvolver e divulgar aos interessados em participar do certame o anteprojeto de engenharia, no qual deverão estar contemplados os documentos técnicos necessários para caracterizar a obra ou o serviço, a saber: (a) demonstração e justificativa do programa de necessidades, visão global dos investimentos e definições quanto ao nível de serviço desejado; (b) condições de solidez, segurança, durabilidade e prazo de entrega, observado o disposto no caput e no § 1º do art. 6º da Lei; (c) estética do projeto arquitetônico; e (d) parâmetros de adequação ao interesse público, à economia na utilização, à facilidade na execução, aos impactos ambientais e à acessibilidade. Quer dizer: cabe à administração traçar o anteprojeto do projeto básico.

    Logo, será indispensável, no processo administrativo da contratação, a presença de no mínimo duas ordens de motivação (explicitação dos motivos): primeira, a que justifique a escolha do regime de contratação integrada, em face do qual a administração estará dispensada de elaborar o projeto básico, daí a relevância de enunciarem-se os motivos, cujo falseamento ou inexistência afetariam a validade do certame; segunda, a que justifique o conteúdo do anteprojeto que, oportunamente, guiará o licitante vencedor no desenvolvimento do projeto básico. De toda sorte, o que resulta é a imprescindibilidade do projeto básico, seja como requisito de validade do procedimento licitatório, nos regimes de execução indireta de obras e serviços de engenharia em geral, ou, no caso específico do regime de contratação integrada, como dever jurídico e encargo técnico do licitante vencedor.

    Por isto que tanto o anteprojeto quanto o projeto básico sujeitam-se ao controle exercido pelos Tribunais de Contas, que, sob a ótica da legalidade, da legitimidade e da economicidade (CR/88, art. 70, caput), perquirirão a idoneidade dos motivos que conduziram à opção pelo regime de contratação integrada. Se, de um lado, o repasse ao contratado da tarefa de elaborar o projeto básico, em razão de sua expertise, pode ampliar a eficiência das contratações destinadas àquelas hipóteses que constituem o objeto do RDC, é preciso cautela, de outro turno, quando da escolha do regime de contratação integrada, na medida em que traz implícito o reconhecimento de que a administração não teria condições de elaborar, ela própria, o projeto básico, embora deva definir o correspondente anteprojeto.

    A contratação sem projeto básico suscita outra advertência: o reconhecimento, pela administração, de ser o mercado o detentor de soluções técnicas inovadoras e que, por isso, a tarefa de elaborar o projeto básico pode ser superiormente desempenhada pelo particular, não exonera a administração do dever de julgar o projeto básico elaborado por terceiro, podendo rejeitá-lo se desatender a requisitos técnicos e econômicos previamente estabelecidos, o que também deverá estar previsto e definido nos autos do processo, inclusive quanto a critérios objetivos de julgamento das soluções técnicas apresentadas. Logo, terá a administração de dispor de pessoal e elementos aptos a tal julgamento.

    Em princípio, a elaboração de projeto básico pela própria administração, com todos os requisitos necessários e suficientes à caracterização do objeto e sua execução, além de possibilitar que os interessados conheçam detalhadamente essas condições e, por conseguinte, com mais segurança formulem suas propostas, permite à administração: (a) estimar com maior nível de precisão os custos unitários e global do objeto; (b) adotar critérios objetivos no julgamento das propostas; e (c) acompanhar de forma eficaz a execução contratual.  

    Se, no regime de contratação integrada, a administração elabora apenas o anteprojeto, haverá de, à vista do disposto no art. 2º, parágrafo único, VI, da Lei nº 12.462/2011, desenhar o perfil do orçamento do custo global da obra, que depois constará do projeto básico, devidamente fundamentado em quantitativos de serviços e fornecimentos avaliados de modo pertinente. Não se tratando de contratação integrada, a estimativa concreta dos custos da futura contratação pela administração só poderá ocorrer se esta dispuser do detalhamento do objeto, o que se alcança por meio da elaboração do projeto básico, possibilitando-se, assim, o adequado exame de sua conformidade com os custos apresentados nas propostas.

    O valor estimado do objeto, na contratação integrada, por inexistir projeto básico, não pode ser aferido com base em orçamento detalhado. Este pressupõe a existência do projeto básico, instrumento que antecede a licitação e orienta a elaboração do edital, no qual devem ser identificadas, com maior nível de precisão possível, todas as condições relacionadas ao objeto e sua execução.

    No regime de contratação integrada devem constar do instrumento convocatório critérios de aceitabilidade por etapa, estabelecidos de acordo com o orçamento estimado na forma prevista no art. 9º da Lei nº 12.462/2011 e compatíveis com o cronograma físico do objeto licitado. Não é necessária a exigência de que os licitantes apresentem, em suas propostas, a composição analítica do percentual dos Benefícios e Despesas Indiretas - BDI e dos Encargos Sociais - ES, com a discriminação de todas as parcelas que o compõem (art. 8º, § 2º, II, do Decreto nº 7.581/2011). No regime de contratação integrada, o valor global da proposta ofertada pelo licitante, segundo o art. 42, § 1º, do Decreto nº 7.581/2011, não poderá superar o orçamento estimado pela administração pública, definido na forma estabelecida no art. 9°, § 2º, inciso II, da Lei nº 12.462/2011 (“o valor estimado da contratação será calculado com base nos valores praticados pelo mercado, nos valores pagos pela administração pública em serviços e obras similares ou na avaliação do custo global da obra, aferida mediante orçamento sintético ou metodologia expedita ou paramétrica”). O licitante que ofertar a melhor proposta deverá apresentar o valor do lance vencedor distribuído pelas etapas do cronograma físico, definido no ato de convocação e compatível com o critério de aceitabilidade por etapas (art. 40, § 3º, do Decreto nº 7.581/2011).

    A importância de ter-se um projeto básico prévio à realização da licitação, portanto, traduz-se no necessário conhecimento que deve ter a administração acerca de todos os componentes dos custos do objeto, do específico detalhamento de sua execução e dos materiais ou equipamentos que devam ser utilizados ou incorporados ao empreendimento, o que repercutirá, ainda, na definição dos necessários e suficientes requisitos de qualificação técnica a serem exigidos dos interessados em participar da licitação.       

    No regime de contratação integrada, incumbe ao licitante vencedor também a elaboração do projeto executivo (art. 9º, § 1º, da Lei nº 12.462/2011), o qual poderá ser desenvolvido concomitantemente com a execução da obra ou serviço de engenharia, desde que admitido no instrumento convocatório.

    Registre-se que o Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU) divulgou avaliação dos resultados da adoção do regime diferenciado de contratações públicas (RDC), com ênfase no regime de contratação integrada, pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). O relatório encontra-se disponível em: http://www.cgu.gov.br/noticias/2017/02/ministerio-da-transparencia-avalia-adocao-do-regime-diferenciado-de-contratacao-no-dnit

    A seguir, a síntese do relatório, extraída do portal do referido órgão:

    A auditoria confirmou no RDC do DNIT a diminuição de prazo nos três regimes de execução (preço global, preço unitário e contratação integrada) quando comparado à Lei nº 8.666/1993. Porém, observou a alta taxa de insucesso nas licitações, com muitos editais sendo repetidos, especialmente na contratação integrada – nesta, inclusive, é frequente o descumprimento do prazo previsto nos editais para apresentação e aprovação do projeto.

    O Ministério constatou que a adoção da contratação integrada tem reduzido os aditivos nas obras do DNIT, principalmente aqueles relacionados à alteração de valor contratual. Contudo, esse regime não elimina os aditamentos, tendo-se observado a ocorrência de aditivos em 40% das obras já concluídas e em 31% daquelas em andamento. O número de aditivos tende a aumentar, pois as obras maiores e mais complexas ainda estão em execução, como também pelos recentes contingenciamentos de recursos.

    Os dados evidenciam um menor número de participantes e a redução dos descontos obtidos nas obras no regime de contratação integrada. Os auditores verificaram que, ao se optar por uma contratação integrada, o custo final para a Administração é, em média, 7,5% maior que no regime de preço unitário e 6,9 % maior que no de preço global. Esses percentuais foram obtidos ponderando as taxas médias de riscos, os descontos e os aditivos celebrados.

    O RDC possibilitou a utilização de novas tecnologias e metodologias pelos contratados, porém permitiu que fragilidades no anteprojeto implicassem ganhos, por vezes desproporcionais, integralmente absorvidos pelos parceiros privados, como ganhos de engenharia.

    Recomendações e providências

    O Ministério da Transparência recomendou ao DNIT:

    Utilizar, preferencialmente, o RDC na forma eletrônica, na qual tem-se observado maior concorrência e, por conseguinte, maiores descontos, além de propiciar maior transparência dos procedimentos;

    Não utilizar o percentual de 2% do valor contratual como estimativa de custo para o valor das apólices de seguro risco de engenharia e adotar o valor calculado com base no preço das apólices anteriormente prestadas à Autarquia, que atualmente é, em média, um décimo do valor ora questionado pela CGU;

    Incluir, nos editais, matriz de riscos para explicitar as exatas responsabilidades e encargos a serem assumidos pelos particulares em todos os regimes.

    As duas primeiras recomendações já foram acatadas pela autarquia examinada. Com relação à terceira, o DNIT informou utilizar a matriz de risco em todos os editais de RDC Integrada e se comprometeu a avaliar a possibilidade de estender aos outros dois regimes.

    O Ministério da Transparência permanece na busca conjunta por soluções e realiza sistemático monitoramento da adoção das providências por parte dos gestores.

     

    4. Regimes de execução indireta no âmbito da Lei nº 13.303/2016

    Na Lei nº 8.666/1993, como se viu, apresentam-se quatro regimes de execução indireta: empreitada integral, empreitada por preço unitário, empreitada por preço global e tarefa. Na Lei nº 12.462/2011, instituidora do regime diferenciado de contratações públicas – RDC, além desses quatro regimes, há um quinto, intitulado contratação integrada. Aos cinco regimes de execução indireta (empreitada integral, empreitada por preço unitário, empreitada por preço global, tarefa e contratação integrada) a Lei nº 13.303/2016, que dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, acrescentou um sexto, denominado de regime de contratação semi-integrada, a ser adotado de forma preferencial nas contratações de obras e serviços de engenharia.

     

    4.1 contratação semi-integrada

    O regime de contratação semi-integrada, inovação da Lei nº 13.303/2016, encontra previsão em seu art. 43, inciso V:

    Art. 43.  Os contratos destinados à execução de obras e serviços de engenharia admitirão os seguintes regimes:  [...] V - contratação semi-integrada, quando for possível definir previamente no projeto básico as quantidades dos serviços a serem posteriormente executados na fase contratual, em obra ou serviço de engenharia que possa ser executado com diferentes metodologias ou tecnologias;

     

    Será adotado quando for possível definir previamente, no projeto básico, as quantidades dos itens de obra ou serviço de engenharia que, na fase contratual, conheçam diferentes metodologias ou tecnologias de execução.

    Trata-se de regime preferencial a ser adotado em obras e serviços de engenharia, conforme preceitua o art. 42, §4º, da Lei nº 13.303/2016. Ou seja, a lei privilegia o regime de execução indireta em que o terceiro contratado responde pela elaboração e o desenvolvimento do projeto executivo, a execução do objeto, a montagem, a realização de testes, a pré-operação e as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto, cabendo à empresa estatal licitante a elaboração ou a contratação de projeto básico.

    É viável sua utilização também na contratação de serviços de engenharia nos quais predomine a intelectualidade, assim considerados aqueles cujas diferentes metodologias, tecnologias e níveis de desempenho e qualidade atraiam a utilização de critério de julgamento baseado na combinação técnica e preço, ou seja, quando a avaliação e a ponderação da qualidade técnica das propostas, que superarem os requisitos mínimos estabelecidos no instrumento convocatório, forem relevantes aos fins pretendidos, pontuando-se, na avaliação técnica, as vantagens e os benefícios que eventualmente forem oferecidos para cada produto ou solução.

    O Projeto de Lei nº 1292, de 1995, que almeja revogar a Lei nº 8.666/1993, a Lei nº 10.520/2002 e os artigos 1º a 47 da Lei nº 12.462/2011 -, prevê a utilização do regime de contratação semi-integrada nos seguintes termos:

    Art. 6°. Para os fins desta Lei consideram-se: [...]

    XXXIIII – contratação semi-integrada - regime de contratação no qual o contratado fica responsável pela elaboração e o desenvolvimento do projeto executivo, além da execução de obras e serviços de engenharia, do fornecimento de bens ou da prestação de serviços especiais, bem como da montagem, realização de testes, pré-operação e por todas as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto, ao fornecimento dos bens ou à prestação dos serviços, a ser remunerado de forma mista, em função dos quantitativos apurados em medições das prestações executadas ou em função das fases de avanço das etapas de execução, conforme o caso.

     

    No regime de contratação semi-integrada, segundo o disposto na Lei nº 13.303/2016, compete à empresa pública ou sociedade de economia mista a elaboração ou contratação do projeto básico, sendo encargo da empresa contratada a elaboração e o desenvolvimento do projeto executivo, a execução da obra ou serviço de engenharia, a montagem, a realização de testes, a pré-operação e as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto.

    O projeto básico deve ser elaborado com elevado nível de precisão, para o efeito de as empresas licitantes conhecerem a qualidade mínima exigida para o empreendimento, as diferentes metodologias ou tecnologias que poderão ser empregadas na execução do objeto, importantes, ademais, para a eficaz formulação de suas propostas.

    De acordo com a Lei nº 13.303/2016, o projeto básico no regime de contratação semi-integrada deve contemplar o conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado, para caracterizar a obra ou o serviço, ou o complexo de obras ou de serviços objeto da licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que assegure a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento, e que possibilite a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução, devendo conter os seguintes elementos: a) desenvolvimento da solução escolhida, de forma a fornecer visão global da obra e a identificar todos os seus elementos constitutivos com clareza; b) soluções técnicas globais e localizadas, suficientemente detalhadas, de forma a minimizar a necessidade de reformulação ou de variantes durante as fases de elaboração do projeto executivo e de realização das obras e montagem; c) identificação dos tipos de serviços a executar e de materiais e equipamentos a incorporar à obra, bem como suas especificações, de modo a assegurar os melhores resultados para o empreendimento, sem frustrar o caráter competitivo para a sua execução; d) informações que possibilitem o estudo e a dedução de métodos construtivos, instalações provisórias e condições organizacionais para a obra, sem frustrar o caráter competitivo para a sua execução; e) subsídios para montagem do plano de licitação e gestão da obra, compreendendo a sua programação, a estratégia de suprimentos, as normas de fiscalização e outros dados que se mostrem necessários em cada caso.

    Documento técnico integrará o instrumento convocatório, como anexo, contendo a definição precisa das frações do empreendimento em que haverá liberdade de as empresas contratadas inovarem em soluções metodológicas ou tecnológicas, seja em termos de modificação das soluções previamente delineadas no projeto básico da licitação, seja em termos de detalhamento dos sistemas e procedimentos construtivos previstos nessas peças técnicas.

    Em vista do elevado nível de precisão exigido para o projeto básico, a cargo da empresa estatal, os riscos decorrentes de fatos supervenientes à contratação, associados à escolha da solução no projeto básico, deverão ser vinculantes de sua responsabilidade na matriz de riscos.

    Admite-se a alteração do projeto básico, elaborado ou contratado pela empresa estatal, desde que demonstrada a superioridade das inovações em termos de redução de custos, de aumento da qualidade, de redução do prazo de execução e da facilidade de manutenção ou operação do objeto.

     

    5. Cronograma físico-financeiro     

    A elaboração do cronograma físico-financeiro de desembolso cumpre a tarefa de planejar os custos da obra ou do serviço de engenharia de acordo com as etapas físicas a serem executadas, delimitando-se os recursos do orçamento a serem empregados em cada uma delas. Apropriada sua elaboração, portanto, na hipótese de o objeto ser executado por etapas. A elaboração do cronograma físico-financeiro é da competência da administração pública, conforme se extrai dos seguintes dispositivos da Lei nº 8.666/1993:

    Art. 7º [...]

    § 2º As obras e os serviços somente poderão ser licitados quando:[...]

    III - houver previsão de recursos orçamentários que assegurem o pagamento das obrigações decorrentes de obras ou serviços a serem executadas no exercício financeiro em curso, de acordo com o respectivo cronograma;

    [...]

    Art. 40.  O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte: [...]

    XIV - condições de pagamento, prevendo: [...] b) cronograma de desembolso máximo por período, em conformidade com a disponibilidade de recursos financeiros; (grifamos)

     

    O Decreto nº 10.024/2019, que regulamenta o pregão eletrônico no âmbito da administração pública federal, direta e indireta, também alude à competência para a elaboração do cronograma físico-financeiro. Assim:

    Art. 3º  Para fins do disposto neste Decreto, considera-se:

    [...]

    XI - termo de referência - documento elaborado com base nos estudos técnicos preliminares, que deverá conter:

    a) os elementos que embasam a avaliação do custo pela administração pública, a partir dos padrões de desempenho e qualidade estabelecidos e das condições de entrega do objeto, com as seguintes informações:

    1. a definição do objeto contratual e dos métodos para a sua execução, vedadas especificações excessivas, irrelevantes ou desnecessárias, que limitem ou frustrem a competição ou a realização do certame;

    2. o valor estimado do objeto da licitação demonstrado em planilhas, de acordo com o preço de mercado; e

    3. o cronograma físico-financeiro, se necessário; (grifamos)

     

    Idem no Decreto nº 3.555/2000, que aprova o regulamento para a modalidade pregão:

    Art. 21.  Os atos essenciais do pregão, inclusive os decorrentes de meios eletrônicos, serão documentados ou juntados no respectivo processo, cada qual oportunamente, compreendendo, sem prejuízo de outros, o seguinte: [...] II - termo de referência, contendo descrição detalhada do objeto, orçamento estimativo de custos e cronograma físico-financeiro de desembolso, se for o caso;

     

    Na Lei nº 12.462/2011:

    Art. 8º [...] § 2º  No caso de obras ou serviços de engenharia, o instrumento convocatório conterá ainda: I - o cronograma de execução, com as etapas necessárias à medição, ao monitoramento e ao controle das obras;

    [...]

    Art. 40 [...] § 3º  No caso da contratação integrada prevista no art. 9º da Lei nº 12.462, de 2011, o licitante que ofertou a melhor proposta deverá apresentar o valor do lance vencedor distribuído pelas etapas do cronograma físico, definido no ato de convocação e compatível com o critério de aceitabilidade por etapas previsto no § 5º do art. 42.

     

    Tratando-se de obras de engenharia, o art. 12 do Decreto nº 7.983/2013, instituidor de regras e critérios para a elaboração do orçamento de referência de obras e serviços de engenharia, contratados e executados com recursos dos orçamentos da União, estabelece que a minuta de contrato deverá conter cronograma físico-financeiro com a especificação física completa das etapas necessárias à medição, ao monitoramento e ao controle das obras. A minuta de contrato é instrumento elaborado pela administração pública na fase interna da licitação, a qual deve ser analisada e aprovada pela assessoria jurídica (art. 38, parágrafo único, da Lei nº 8.666/93) juntamente com a minuta de edital e outros anexos, depreendendo-se, pois, que o cronograma físico-financeiro deve ser elaborado pela administração pública conjuntamente com a minuta de termo de contrato, ainda na fase interna da licitação, ou seja, antes da publicação do edital.

    A Orientação Técnica nº 005/2012, do Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas – IBRAOP, define “jogo de cronograma” e “jogo de planilha”:

    3.16 Jogo de cronograma: também denominado jogo de planilha na distribuição dos pagamentos no cronograma físico-financeiro da obra, é a distorção do cronograma físico-financeiro caracterizada pela ocorrência de serviços com sobrepreços nas etapas iniciais do cronograma financeiro e com subpreços nas etapas finais.

    3.17 Jogo de planilha: alterações contratuais em decorrência de aditamentos que modifiquem a planilha orçamentária alterando, em favor do contratado, a diferença percentual entre o valor global do contrato e o obtido a partir dos preços de mercado, exigindo a revisão da avença para manter a vantagem em relação aos preços referenciais de mercado.

     

    Ocorre o jogo de planilha com a celebração de aditivos contratuais, fundamentados na necessidade técnica de corrigir falhas no projeto inicial, em que se operam modificações das seguintes naturezas: aumento da quantidade de itens com preços superestimados; supressão de quantitativos de insumos que estavam depreciados; e criação de novos serviços sem que sejam aplicados os descontos da proposta do licitante contratado.

    Ocorre o jogo de cronograma quando o contratado, no início da execução do objeto, prioriza serviços que lhe proporcionem maior retorno econômico, reduzindo seu comprometimento nas etapas que representem menor faturamento, ou mesmo abandonando o contrato. Assim:

    20. Além disso, o modelo pretendido pelo [...] pode favorecer a ocorrência da prática maliciosa conhecida como “jogo de cronograma”, em que a construtora prioriza a execução dos serviços que lhe proporcionam maior retorno econômico e, posteriormente, relaxa sua conduta para conter seus custos, reduzindo seu comprometimento com a execução da obra nas etapas que representam menor faturamento, ou mesmo abandonando o contrato, afetando negativamente o cumprimento dos prazos, o custo e a qualidade do empreendimento. 20.1. Uma vez vinculado o pagamento da supervisora à execução contratual da construtora, passa a ser possível a ambas, e não apenas à empreiteira, angariar a maior parte de suas receitas logo no início do empreendimento. Assim, o método de medição/pagamento pretendido pelo [...] favoreceria um entendimento espúrio entre essas empresas, voltado à prática de “jogo de cronograma”. (Acórdão nº 3.341/2012 – Plenário, Relator Min. José Múcio Monteiro, Processo nº 026.524/2012-0).

     

    Compete à administração pública elaborar o projeto básico ou o termo de referência da licitação, na hipótese do pregão, assim como o cronograma físico-financeiro. Este é a representação gráfica do desenvolvimento dos serviços a serem executados ao longo do tempo de duração da obra ou serviço de engenharia, demonstrando, em cada período, o percentual físico a ser executado e o respectivo valor financeiro, conforme definição constante na Orientação Técnica nº 001/2006, do Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas (IBRAOP).

    A elaboração do cronograma físico-financeiro não deve ser confiada ao licitante, quando da formulação de sua proposta, ou ao contratado, exatamente para evitar-se o “jogo de cronograma”, competindo à administração pública disponibizá-lo aos interessados como parte integrante do edital da licitação, em consonância com os diplomas retro citados.

    O cronograma físico-financeiro do contrato é passível de alteração para o efeito de antecipar o recebimento de materiais em casos excepcionais, em que fiquem demonstrados inequívocos benefícios para a administração pública, tais como: (a) a necessidade de receber os materiais para consolidar a contratação; (b) a existência de risco de desabastecimento desses materiais; (c) a possibilidade de obtenção de ganhos financeiros e de eficiência, expressivos o suficiente para suplantar a incidência de custos de estocagem, deterioração e perda de garantia (Acórdão nº 643/2016 – Plenário, Rel. Min. Walton Alencar Rodrigues, Processo nº 004.446/2014-3).

     

    6. Pesquisa de preços

    Relacionam-se, a seguir, os diplomas e respectivos dispositivos que aludem à realização de pesquisa de preços nas licitações e contratações de obras e serviços de engenharia.

    Decreto nº 7.983/2013, que estabelece regras e critérios para elaboração do orçamento de referência de obras e serviços de engenharia, contratados e executados com recursos dos orçamentos da União:

    Art. 3°  O custo global de referência de obras e serviços de engenharia, exceto os serviços e obras de infraestrutura de transporte, será obtido a partir das composições dos custos unitários previstas no projeto que integra o edital de licitação, menores ou iguais à mediana de seus correspondentes nos custos unitários de referência do Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil - Sinapi, excetuados os itens caracterizados como montagem industrial ou que não possam ser considerados como de construção civil.

    Parágrafo único.  O Sinapi deverá ser mantido pela Caixa Econômica Federal - CEF, segundo definições técnicas de engenharia da CEF e de pesquisa de preço realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.

    Art. 4°  O custo global de referência  dos serviços e obras de infraestrutura de transportes será obtido a partir das composições dos custos unitários previstas no projeto que integra o edital de licitação, menores ou iguais aos seus correspondentes nos custos unitários de referência do Sistema de Custos Referenciais de Obras - Sicro, cuja manutenção e divulgação caberá ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes - DNIT, excetuados os itens caracterizados como montagem industrial ou que não possam ser considerados como de infraestrutura de transportes.

    Art. 5º  O disposto nos arts. 3º e 4º não impede que os órgãos e entidades da administração pública federal desenvolvam novos sistemas de referência de custos, desde que demonstrem sua necessidade por meio de justificativa técnica e os submetam à aprovação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.

    Parágrafo único. Os novos sistemas de referência de custos somente serão aplicáveis no caso de incompatibilidade de adoção dos sistemas referidos nos arts. 3o e 4o, incorporando-se às suas composições de custo unitário os custos de insumos constantes do Sinapi e Sicro.

    Art. 6º  Em caso de inviabilidade da definição dos custos conforme o disposto nos arts. 3º, 4º e 5º, a estimativa de custo global poderá ser apurada por meio da utilização de dados contidos em tabela de referência formalmente aprovada por órgãos ou entidades da administração pública federal em publicações técnicas especializadas, em sistema específico instituído para o setor ou em pesquisa de mercado.

     

    Lei nº 12.462/2011, instituidora do regime diferenciado de contratações públicas, RDC:

    Art. 8º  [...]

    § 3º O custo global de obras e serviços de engenharia deverá ser obtido a partir de custos unitários de insumos ou serviços menores ou iguais à mediana de seus correspondentes ao Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil (Sinapi), no caso de construção civil em geral, ou na tabela do Sistema de Custos de Obras Rodoviárias (Sicro), no caso de obras e serviços rodoviários.

    § 4º No caso de inviabilidade da definição dos custos consoante o disposto no § 3º deste artigo, a estimativa de custo global poderá ser apurada por meio da utilização de dados contidos em tabela de referência formalmente aprovada por órgãos ou entidades da administração pública federal, em publicações técnicas especializadas, em sistema específico instituído para o setor ou em pesquisa de mercado.

    § 5º Nas licitações para a contratação de obras e serviços, com exceção daquelas onde for adotado o regime previsto no inciso V do caput deste artigo, deverá haver projeto básico aprovado pela autoridade competente, disponível para exame dos interessados em participar do processo licitatório.

    § 6º No caso de contratações realizadas pelos governos municipais, estaduais e do Distrito Federal, desde que não envolvam recursos da União, o custo global de obras e serviços de engenharia a que se refere o § 3o deste artigo poderá também ser obtido a partir de outros sistemas de custos já adotados pelos respectivos entes e aceitos pelos respectivos tribunais de contas.

     

    Lei nº 13.303/2016, que dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios:

    Art. 31 [...]

    § 2º  O orçamento de referência do custo global de obras e serviços de engenharia deverá ser obtido a partir de custos unitários de insumos ou serviços menores ou iguais à mediana de seus correspondentes no Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil (Sinapi), no caso de construção civil em geral, ou no Sistema de Custos Referenciais de Obras (Sicro), no caso de obras e serviços rodoviários, devendo ser observadas as peculiaridades geográficas.

    § 3º  No caso de inviabilidade da definição dos custos consoante o disposto no § 2º, a estimativa de custo global poderá ser apurada por meio da utilização de dados contidos em tabela de referência formalmente aprovada por órgãos ou entidades da administração pública federal, em publicações técnicas especializadas, em banco de dados e sistema específico instituído para o setor ou em pesquisa de mercado.

    § 4º  A empresa pública e a sociedade de economia mista poderão adotar procedimento de manifestação de interesse privado para o recebimento de propostas e projetos de empreendimentos com vistas a atender necessidades previamente identificadas, cabendo a regulamento a definição de suas regras específicas.

    § 5º  Na hipótese a que se refere o § 4º, o autor ou financiador do projeto poderá participar da licitação para a execução do empreendimento, podendo ser ressarcido pelos custos aprovados pela empresa pública ou sociedade de economia mista caso não vença o certame, desde que seja promovida a cessão de direitos de que trata o art. 80.

     

    De acordo com os referidos diplomas, o custo global de obras e serviços de engenharia deverá ser obtido a partir de custos unitários de insumos ou serviços menores ou iguais à mediana de seus correspondentes ao Sinapi, no caso de construção civil em geral, ou na tabela Sicro, no caso de obras e serviços rodoviários.

    Considera-se mediana o valor do meio que separa a metade maior da metade menor no conjunto de dados. Menos influenciada por valores muito altos ou muito baixos, a mediana pode ser adotada em casos onde os dados são apresentados de forma mais heterogênea e com um número pequeno de observações. A média, por outro lado, corresponde à soma de todas as medições dividida pelo número de observações no conjunto de dados. Em razão de ser suscetível a valores extremos (muito altos ou muito baixos), a média é adequada quando os dados estão dispostos de forma homogênea.

    Em caso de inviabilidade da definição dos custos, com base nas tabelas Sinapi e Sicro, a estimativa de custo global poderá ser apurada por meio da utilização de dados contidos em tabela de referência formalmente aprovada por órgãos ou entidades da administração pública federal em publicações técnicas especializadas, em sistema específico instituído para o setor ou em pesquisa de mercado; leia-se, neste último caso, a consulta a outras contratações realizadas e a fornecedores.

    É fundamental que a administração pública apure, com elevado nível de precisão e documentação nos autos do processo, os custos unitários e global de obras e serviços que pretende licitar ou contratar diretamente, afastando, assim, eventual aplicação do disposto no art. 10, V, da Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa) o qual prevê sanções ao agente público pela prática de qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que permita ou facilite a aquisição de bem ou serviço por preço superior ao de mercado, com prejuízo ao erário.

     

    6.1 pesquisa de preços no regime de contratação integrada

    Estabelece o Decreto federal nº 7.581/2011, que regulamenta a Lei nº 12.462/2011:

    Art. 42 [...]

    § 6º  O orçamento estimado das obras e serviços de engenharia será aquele resultante da composição dos custos unitários diretos do sistema de referência utilizado, acrescida do percentual de BDI de referência, ressalvado o disposto no art. 9º da Lei nº 12.462, de 2011, para o regime de contratação integrada.

     

    Art. 66 [...]

    § 4º  O disposto no § 3º do art. 8º da Lei nº 12.462 não se aplica à determinação do custo global para execução das obras e serviços de engenharia contratados mediante o regime de contratação integrada.

     

    O  § 3º do art. 8º da Lei nº 12.462/2011 estatui que:

     

    O custo global de obras e serviços de engenharia deverá ser obtido a partir de custos unitários de insumos ou serviços menores ou iguais à mediana de seus correspondentes ao Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil (Sinapi), no caso de construção civil em geral, ou na tabela do Sistema de Custos de Obras Rodoviárias (Sicro), no caso de obras e serviços rodoviários.

     

    Depreende-se que, no regime de contratação integrada, o custo estimado do objeto não será obtido a partir do Sinapi, no caso de construção civil em geral, nem na tabela do Sicro, no caso de obras e serviços rodoviários. O valor estimado da contratação será calculado com base nos valores praticados pelo mercado, nos valores pagos pela administração pública por serviços e obras similares, ou na avaliação do custo global da obra, aferida mediante orçamento sintético ou metodologia expedita ou paramétrica (art. 9º, § 2º, II, da Lei nº 12.462/2011 e art. 75 do Decreto nº 7.581/2011).

    Precedente do Tribunal de Contas da União, contudo, orienta que as estimativas de preço a que se refere o art. 9º, § 2º, II, da Lei nº 12.462/2011 devem basear-se em orçamento sintético tão detalhado quanto possível, balizado, sim, pelo Sinapi e/ou Sicro, todavia adaptadas às peculiaridades da obra. Ou seja, sempre que possível, visando balizar o critério de aceitabilidade das propostas e assegurar a vantagem do preço ofertado, deve o orçamento estimativo espelhar de forma precisa o custo da obra ou serviço, utilizando-se das tabelas oficiais existentes. Assim:

    9.1. notificar a […], com base no art. 179, § 6º, do Regimento Interno do TCU, em razão de os futuros instrumentos convocatórios que venha a publicar, tendo em vista as irregularidades encontradas no Edital RDC Presencial 013/DALC/SBCT/2012, observe os seguintes requisitos para as licitações baseadas no regime de contratação integrada: […]

    9.1.5. sempre que o anteprojeto, por seus elementos mínimos, assim o permitir, as estimativas de preço a que se refere o art. 9º, § 2º, inciso II, da Lei 12.462/2011 devem se basear em orçamento sintético tão detalhado quanto possível, balizado pelo Sinapi e/ou Sicro, devidamente adaptadas às condições peculiares da obra, conforme o caso, devendo a utilização de estimativas paramétricas e a avaliação aproximada baseada em outras obras similares serem realizadas somente nas frações do empreendimento não suficientemente detalhadas pelo anteprojeto, em prestígio ao que assevera o art. 1º, §1º, inciso IV c/c art. 8º, §§ 3º e 4º, todos da Lei 12.462/2011;

    9.1.6. quando utilizada metodologia expedita ou paramétrica para abalizar o valor do empreendimento - ou fração dele -, consideradas as disposições do subitem anterior, dentre duas ou mais técnicas estimativas possíveis, utilize a que viabilize a maior precisão orçamentária (Acórdão nº 1.510/2013 – Plenário, Rel. Min. Valmir Campelo, Processo nº 043.815/2012-0).

     

    7. Existência de sobrepreço em custos do contrato

    É incompatível com o regime jurídico dos contratos administrativos que se tornem definitivos os erros em que incidiram os particulares contratados pela administração pública na composição de preços unitários, notadamente quando gerarem o pagamento de serviços acima dos custos necessários e realmente incorridos para a sua execução.

    De acordo com o Tribunal de Contas da União, os licitantes, sob risco de responderem por superfaturamento em solidariedade com os agentes públicos, têm a obrigação de oferecer preços que reflitam os paradigmas de mercado, ainda que os valores fixados pela administração no orçamento-base do certame se situem além daquele patamar (Acórdão nº 1.959/2017 – Plenário, Rel. Min. Benjamin Zymler, Processo nº 021.533/2017-2).

    Segundo o art. 31 da Lei nº 13.303/2016 (estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias) considera-se que há sobrepreço quando os preços orçados para a licitação ou os preços contratados são expressivamente superiores aos preços referenciais de mercado, podendo referir-se ao valor unitário de um item, se a licitação ou a contratação for por preços unitários de serviço, ou ao valor global do objeto, se a licitação ou a contratação for por preço global ou por empreitada. Há superfaturamento quando houver dano ao patrimônio da empresa pública ou da sociedade de economia mista, caracterizado: a) pela medição de quantidades superiores às efetivamente executadas ou fornecidas; b) pela deficiência na execução de obras e serviços de engenharia que resulte em diminuição da qualidade, da vida útil ou da segurança; c) por alterações no orçamento de obras e de serviços de engenharia que causem o desequilíbrio econômico-financeiro  do contrato em favor do contratado; d) por outras alterações de cláusulas financeiras que gerem recebimentos contratuais antecipados, distorção do cronograma físico-financeiro, prorrogação injustificada do prazo contratual com custos adicionais para a empresa pública ou a sociedade de economia mista, ou reajuste irregular de preços.

    Quando a equação econômico-financeira inicial se assenta em bases antieconômicas, ocorre violação ao princípio da economicidade desde a origem contratual. Nesse caso, não há que se falar em ato jurídico perfeito nem em direito adquirido à manutenção de situação lesiva aos cofres públicos. Verificado o sobrepreço,  é dever jurídico da administração eliminá-lo com base nos preços praticados pelo mercado, evitando, assim, o enriquecimento sem causa do particular em detrimento da administração, além de promover as medidas necessárias ao estorno de valores pagos a maior. Confiram-se os precedentes:

    Embargos de Declaração apontaram omissão e contradição em decisão que determinara ao [...] a repactuação de contrato para execução de obras de restauração de rodovias, bem como a devolução de valores pagos a maior. O recorrente alegara, em síntese, que “não era cabível a retroação da tabela Sicro para alcançar atos já praticados, consoante o princípio da segurança jurídica e o entendimento jurisprudencial consolidado desta Corte de Contas...”. Alegara ainda que “os serviços relativos aos referenciais modificados já haviam sido executados, sendo incabível a correção determinada...”, e que o preço oferecido pela contratada baseou-se “nos referenciais disponíveis à época”. O relator entendeu não haver a omissão e a contradição alegadas, destacando entendimento consubstanciado no Acórdão 3393/2013-Plenário, de sua relatoria: “... não há que se falar em violação do princípio da segurança jurídica em face da contratação com sobrepreço. Constatada a sua presença no ajuste, o controle deve incidir para promover a adequação necessária. Sendo materializado o enriquecimento sem causa da contratada, a saída é a devolução dos valores pactuados em excesso, conforme jurisprudência desta Corte (Acórdãos 570/2013-TCU-Plenário, 2.069/2008-TCU-Plenário e 1.767/2008-TCU-Plenário e Decisão 680/2000-TCU-Plenário)”. Observou que, no caso concreto, não se trata de “aplicação retroativa de nova composição de custo unitário”, mas sim de “mera correção de composição vigente, cuja aplicação aos contratos em andamento tem como objetivo evitar o enriquecimento sem causa do particular em detrimento da Administração, nos termos dos princípios da boa-fé contratual e probidade administrativa”. Por fim, ressaltou que “o regime jurídico-administrativo a que estão sujeitos os particulares contratantes com a Administração não lhes dá direito adquirido à manutenção de erros observados nas composições de preços unitários, precipuamente quando em razão de tais falhas estiver ocorrendo o pagamento de serviços acima dos custos necessários e realmente incorridos para a sua realização”. O Tribunal, ao acolher a proposta do relator, negou provimento ao recurso (Acórdão nº 117/2014 – Plenário, Rel. Min. Benjamin Zymler, Processo nº 004.993/2011-3);

     

    Voto do Ministro Relator [...] 16. A respeito, ressalto que o caso em discussão trata de serviço com sobrepreço devido à superestimativa de quantitativo de mão-de-obra, tendo sido evidenciado vício na formação de preço do certame. O sobrepreço viola os arts. 3º e 6º, IX, ‘f’, c/c o art. 43, IV, da Lei de Licitações e Contratos, bem como o princípio da economicidade e a função social do contrato. Assim, não há que se falar em violação do princípio da segurança jurídica em face da contratação com sobrepreço. Constatada a sua presença no ajuste, o controle deve incidir para promover a adequação necessária. Sendo materializado o enriquecimento sem causa da contratada, a saída é a devolução dos valores pactuados em excesso, conforme jurisprudência desta Corte (Acórdãos 570/2013-TCU-Plenário, 2.069/2008-TCU-Plenário e 1.767/2008-TCU-Plenário e Decisão 680/2000-TCU-Plenário). (Acórdão nº 3.393/2013 – Plenário, Rel. Min. Benjamin Zymler, Processo nº 004.993/2011-0).

     

    Diante de comprovado superfaturamento na execução contratual, é de se adotar a medida administrativa apta a elidir o dano, mediante a formalização de acordo destinado a compensar os valores superfaturados com as obrigações não adimplidas pela administração contratante no âmbito do mesmo ajuste, desde que estas sejam suficientes para tanto. O eventual insucesso no acordo administrativo para o encontro de contas acarreta a condenação dos responsáveis ao recolhimento ao erário do prejuízo apurado. Assim, na jurisprudência da Corte de Contas Federal:

    ACORDAM os ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão da 2ª Câmara, diante das razões expostas pela relatora e com fundamento nos arts. 1º, inciso I, e 45, caput, da Lei nº 8.443/1992, c/c os arts. 1º, inciso I, e 251 do Regimento Interno, em: 9.1. fixar prazo de 30 (trinta) dias para que o Dnit adote medidas tendentes à elisão do débito de R$494 mil constatado nestes autos, conduzindo a formalização de acordo, entre a Prefeitura Municipal de [...] e a empresa [...] Engenharia e Empreendimentos S/A, que promova a compensação dos valores indevidamente pagos com os créditos devidos à contratada na execução do contrato 271/PMC/99; 9.2. determinar ao Dnit que, para cumprimento da medida indicada no item anterior, apure, por preços unitários compatíveis com os de mercado, os créditos de serviços efetivamente executados e associados ao convênio PG-115/98-00, tomando como referencial os valores indicados à peça 82, advindos do Sicro e utilizados na tabela elaborada pela Secex/RO para cálculo do superfaturamento; 9.3. dar ciência aos responsáveis de que o insucesso das medidas preliminares indicadas neste acórdão ensejará a condenação dos responsáveis ao recolhimento, aos cofres do Tesouro Nacional, dos valores relativos ao superfaturamento constatado nestes autos (Acórdão nº 2.654/2015 – Segunda Câmara, Rel. Min. Ana Arraes, Processo nº 012.573/2005-8).

     

    Ainda de acordo com a Corte de Contas Federal, a execução de serviço com menor custo para a empresa contratada, respeitada a qualidade exigida no edital, não representa superfaturamento se o preço global contratado for inferior ao referencial de mercado. Sendo tecnicamente admissíveis diversas alternativas de execução de serviços, é lícito que a empresa contratada opte por aquela que minimiza o seu custo e maximiza o seu lucro.

    Assim:

    A utilização de patrulha mecânica de menor custo do que aquela prevista na composição de preços do contrato não representa superfaturamento se o preço global contratado para os serviços de terraplenagem for inferior ao preço referencial de mercado calculado com os custos dos equipamentos efetivamente empregados. Sendo tecnicamente admissíveis diversas alternativas de execução dos serviços, é lícito que a empresa contratada opte por aquela que minimiza o seu custo e maximiza o seu lucro (Acórdão nº 800/2016 – Plenário, Rel. Min. Vital do Rêgo, Processo nº 008.224/2010-2).

     

    8. Os mesmos desafios no direito comparado

    A contratação de obras e serviços de engenharia enfrenta os mesmos desafios no direito comparado. O reconhecido Curso de Direito Administrativo, de Diogo Freitas do Amaral, com cujo volume II colaborou Lino Torgal, deixa claras as semelhanças de ordens jurídicas nacionais acerca do tema, a saber (Coimbra: Ed. Almedina, 2001, pp 525-530):

    A enorme relevância prática deste contrato administrativo, por um lado, e a sua densa regulamentação legal..., por outro, justificam que se proceda aqui a um breve excurso tendente a uma caracterização pormenorizada dos aspectos mais relevantes da figura em causa. Importa começar por referir que, de acordo com o modo de retribuição do empreiteiro, existem três modalidades típicas de empreitada de obras públicas: a empreitada por preço global, a empreitada por série de preços, e a empreitada por percentagem... Em qualquer das três..., o empreiteiro é responsável por todos os erros de execução que não resultem de obediência a ordens e instruções escritas transmitidas pela fiscalização ou que tenham tido a concordância desta, através de inscrição no livro de obra... Pelos erros de concepção dos projectos e elementos análogos respondem o dono da obra ou o empreiteiro, conforme as peças em que se definem os trabalhos a executar tenham sido apresentados pelo primeiro ou pelo segundo. Porém, quando o projeto ou variante for da autoria do empreiteiro, mas estiver baseado em dados de campo, estudos ou previsões fornecidos, sem reservas, pelo dono da obra, será este o responsável pelas deficiências e erros do projecto ou variante que derivem da inexactidão dos referidos dados, estudos ou previsões... A responsabilidade implica, por um lado, a obrigação de efectuar as obras, alterações e reparações necessárias à adequada supressão das deficiências verificadas e, por outro lado, a obrigação de indemnizar a outra parte ou terceiros pelos prejuízos sofridos... Por outro lado, o empreiteiro é obrigado a dar execução a todas as alterações nas obras e a todos os trabalhos a mais que, dentro dos limites da lei, lhe forem ordenados por escrito pelo Dono da Obra, salvo o direito de rescisão caso dessas alterações ou trabalhos resulte considerável agravamento dos trabalhos previstos por outros de espécie diferente, e sempre mediante o pagamento dos trabalhos a mais segundo os preços estipulados... A diferença substantiva e processual entre a empreitada de direito público e a empreitada de direito privado, que desde há muito tempo se verifica no direito português, não é comum a todos os sistemas jurídicos e tem origem no direito francês... pode verificar-se que, na Itália, os tribunais administrativos só têm competência para resolver os litígios que advêm da formação dos contratos de empreitada de obras públicas, pois, quanto aos derivados da execução dos mesmos, a competência é dos tribunais comuns. No Brasil, na Bélgica e no Luxemburgo, todos os problemas suscitados pelos contratos de empreitada de obras públicas são dirimidos nos tribunais judiciais, não havendo, por conseguinte, qualquer jurisdição especial. No que respeita ao regime jurídico, verifica-se que no Brasil, em França, na Itália, na Bélgica, no Luxemburgo, na Alemanha e na Suíça, os contratos de empreitada de obras públicas, para além de algumas diferenças de pormenor, designadamente quanto à sua formação, estão sujeitos às regras estabelecidas nos respectivos códigos civis...

     

    9. Conclusão

    A contratação, pelo estado, de obras e serviços de engenharia desafia, por toda parte, pelo menos três questões prenhes de dilemas jurídicos administrativos, que, por seu custo e repercussão sobre a qualidade dos serviços prestados pelo estado à sociedade, se mostram permanentes e universais, nos estados contemporâneos:

    (i) a de se definir a quem incumbe a elaboração dos projetos básicos e executivos, com o fim de fixarem-se responsabilidades por erros e imperfeições que os comprometam, a par de modelar-se o exercício, pela administração, da prerrogativa de introduzir alterações unilaterais destinadas a garantir que o resultado da execução das obrigações contratuais efetivamente corresponda às finalidades de interesse público que justificaram a contratação, e que deveriam estar previstas desde a inauguração do processo administrativo pertinente;

    (b) a de que ditas alterações de projetos, quantitativas ou qualitativas, no curso da execução do contrato, a par de excepcionais, preservem o direito – que é subjetivo de ambas as partes contraentes – ao equilíbrio da equação econômica financeira do contrato, a ensejar as recomposições que se comprovarem legítimas, nenhuma outra;

    (c) a adequação dos projetos básicos e executivos e o direito à manutenção do equilíbrio contratual dependem de dois procedimentos – o primeiro, concernente à ampla pesquisa de preço de mercado da obra projetada, a obter-se mediante consulta a fontes variadas (cadastros especializados, registros de preços em licitações, indicadores específicos de variação de valores indexados ou não, preços obtidos em contratações precedentes de objetos assemelhados, preços praticados no balcão de atendimento a consumidores comuns), com o fim de precatar a administração contra cotações lançadas por licitantes, aberrantes da realidade do mercado e tendentes a induzir preços superfaturados ou outros vícios que contaminem as propostas e o juízo de sua aceitabilidade; o segundo, concernente ao permanente exercício das funções de “fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”, tal como exige o art. 174 da Constituição da República, funções mercê das quais os contratos de obras e serviços de engenharia deverão retratar prioridades, objetivos e metas constantes do planejamento estratégico da gestão pública, por isto que sua execução há de submeter-se a fiscalização instante e apta a assegurar a integridade técnica e financeira do cumprimento de todas as obrigações contratadas.  

     

     



    [1] A jurisprudência do Tribunal de Contas da União admite a possibilidade de, no regime de contratação integrada, por exigir resguardos proporcionais aos maiores riscos assumidos pela Administração em termos de inadimplemento do objeto, exigir-se garantia superior às previstas no art. 56 da Lei de Licitações, desde que devidamente motivada e proporcional aos riscos assumidos (Acórdão nº 2745/2013 – Plenário, Relator Min. Valmir Campelo, Processo nº 012.242/2013-6).

     

    *Jessé Torres Pereira Junior: Desembargador do Tribunal de Justiça. Professor e coordenador dos cursos de pós-graduação em direito administrativo da Escola da Magistratura e da Escola de Administração Judiciária do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Professor visitante da Escola de Direito, Rio, da Fundação Getúlio Vargas.

     

    **Marinês Restelatto DottiAdvogada da União. Especialista em Direito do Estado e em Direito e Economia pela Universidade Federal do Estado do Rio Grande do Sul (UFRGS). Autora da seguinte obra: Governança nas contratações públicas - Aplicação efetiva de diretrizes, responsabilidade e transparência - Inter-relação com o direito fundamental à boa administração e o combate à corrupção. Coautora das seguintes obras: (a) Políticas públicas nas licitações e contratações administrativas; (b) Limitações constitucionais da atividade contratual da administração pública; (c) Convênios e outros instrumentos de Administração Consensual na gestão pública do século XXI. Restrições em ano eleitoral; (d) Da responsabilidade de agentes públicos e privados nos processos administrativos de licitação e contratação; (e) Gestão e probidade na parceria entre Estado, OS e OSCIP; (f) Microempresas, empresas de pequeno porte e sociedades cooperativas nas contratações públicas; (g) Comentários ao RDC integrado ao sistema brasileiro de licitações e contratações públicas; (h) 1000 perguntas e respostas necessárias sobre licitação e contrato administrativo na ordem jurídica brasileira; e (i) Comentários à lei das empresas estatais: Lei nº 13.303/16. Colaboradora nas obras: (a) Direito do estado: Novas tendências; (b) Direito Público do Trabalho - Estudos em homenagem a Ivan D. Rodrigues Alves; (c) Contratações públicas - Estudos em homenagem ao professor Carlos Pinto Coelho Motta; (d) Licitações públicas - Estudos em homenagem ao jurista Jorge Ulisses Jacoby Fernandes; (e) Comentários ao sistema legal brasileiro de licitações e contratos administrativos; e (f) Temas Atuais de Direito Público. Professora nos cursos de: Pós-Graduação em Direito Público com ênfase em Direito Administrativo da UniRitter - Laureate International Universities e em Direito Administrativo e Gestão Pública da Fundação Escola Superior do Ministério Público no Estado do Rio Grande do Sul. Professora nos seguintes cursos de extensão: “Capacitação em Licitações e Contratos Administrativos” da Escola da Magistratura no Estado do Rio Grande do Sul, “Prática em Licitações e Contratações Públicas” e “Prática em Licitações e Contratações das Empresas Estatais” da Escola Superior da Magistratura Federal do Estado do Rio Grande do Sul.