Opinião

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    DIÁLOGO COM A INICIATIVA PRIVADA PARA O PERFEITO DELINEAMENTO DO OBJETO

     

     

     

    *Marinês Restelatto Dotti

     

     

     

    Sumário: 1. Introdução. 2. Delineamento do objeto por terceiros qualificados. 3. Contratação de terceiro por meio de inexigibilidade de licitação. 4.  Diálogo com a iniciativa privada. 5. Conclusão

     

     

     

    1. Introdução

    À administração pública compete definir, por meio da elaboração de um projeto básico, o conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado, para caracterizar a obra ou serviço, ou complexo de obras ou serviços objeto da licitação, com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que assegurem a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento, e que possibilite a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução.

    No âmbito das contratações de serviços, realizadas pela administração pública federal direta, autárquica e fundacional, dispõe a Instrução Normativa SEGES/MPDG nº 5, de 2017, que o termo de referência (utilizado na modalidade pregão) ou o projeto básico (utilizado nas modalidades convencionais da Lei nº 8.666, de 1993) deve conter, no mínimo, o seguinte conteúdo: (a) declaração do objeto; (b) fundamentação da contratação; (c) descrição da solução como um todo; (d) requisitos da contratação; (e) modelo de execução do objeto; (f) modelo de gestão do contrato; (g) critérios de medição e pagamento; (h) forma de seleção do fornecedor; (i) critérios de seleção do fornecedor; e (j) estimativas detalhadas dos preços, com ampla pesquisa de mercado.

    No tocante à aquisição de bens (compras), cumpre à administração pública realizar a sua especificação completa e definir as unidades e as quantidades a serem adquiridas em função do consumo e utilização prováveis, cuja estimativa será obtida, sempre que possível, mediante adequadas técnicas quantitativas de estimação.

    A busca da melhor proposta para a administração pública exige adequada caracterização do objeto, com sua especificação completa, porém escoimada de pormenores irrelevantes ou desnecessários. A propósito, estabelece o art. 4º, inciso X, da Lei nº 10.520, de 2002 (lei do pregão) que para julgamento e classificação das propostas será adotado o critério de menor preço, observados os prazos máximos para fornecimento, as especificações técnicas e parâmetros mínimos de desempenho e qualidade definidos no edital.

    A especificação incompleta, ao enevoar a essência do objeto e o que lhe possa influenciar o custo de produção, impede o licitante de apresentar proposta adequada. Os licitantes necessitam, para bem elaborar suas propostas, de especificações claras e precisas, que definam o padrão de qualidade e o desempenho do produto desejado pelo órgão público. Por outro lado, o estabelecimento de condições que restrinjam a competição, pela presença de especificações irrelevantes, pode conduzir (i) ao direcionamento do resultado da licitação, (ii) a um procedimento deserto (nenhum concorrente se apresenta) ou fracassado (os concorrentes ofertam propostas inaceitáveis).

    Na dicção do verbete 177, da Súmula do Tribunal de Contas da União, a definição precisa e suficiente do objeto licitado constitui regra indispensável da competição, até mesmo como pressuposto do postulado de igualdade entre os licitantes, do qual é subsidiário o princípio da publicidade, que envolve o conhecimento, pelos concorrentes potenciais, das condições básicas da licitação, constituindo, na hipótese particular da licitação para compra, a quantidade demandada em uma das especificações mínimas e essenciais à definição do objeto do pregão.

    O órgão ou entidade licitante deve identificar um conjunto representativo de diversos modelos e padrões existentes no mercado que atendam completamente às suas necessidades antes de elaborar as especificações técnicas do objeto, de modo a evitar o direcionamento do certame para modelo ou padrão específico.

     

    2. Delineamento do objeto por terceiros qualificados

    A especificação do objeto com as características que evidenciem o padrão de qualidade e desempenho que garanta a satisfação das necessidades da administração, prestigia os princípios do julgamento objetivo e da busca da proposta mais vantajosa, além de contribuir eficazmente para que se efetive pesquisa de preços ampla e idônea.

    A qualidade do objeto há de corresponder às funções que desempenhará na administração, por isto que deve ser especificada por agentes qualificados e conhecedores dessa relação de adequação, para o que farão a pesquisa que for necessária junto ao mercado fornecedor, nacional e internacional, inclusive de similares, se for o caso.

     

    3. Contratação de terceiro por meio de inexigibilidade de licitação

    Não dispondo de agentes qualificados para o perfeito delineamento do objeto de que necessita, valer-se-á a administração pública da contratação de terceiros privados para essa finalidade. A contratação de serviços técnicos de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, por meio de inexigibilidade de licitação, encontra previsão no art. 25, II, c/c art. 13 da Lei nº 8.666, de 1993.

    O conceito de singularidade, previsto na lei, não se compadece com unicidade. Configura-se a inexigibilidade quando o objeto caracteriza-se por sua complexidade e especificidade, sendo a escolha do profissional ou empresa para executá-lo permeada de subjetividade, ou seja, não aferível segundo padrões objetivos de julgamento, a tornar inviável a seleção mediante licitação. Assim, sendo materialmente impossível ao gestor público traçar critérios objetivos para selecionar a melhor proposta de atuação profissional, a escolha do contratado será discricionária do gestor, desde que consistentemente motivada para o fim de ser aferida pelos controles interno e externo.

    Segundo o Tribunal de Contas da União, o conceito de singularidade não pode ser confundido com a ideia de unicidade, exclusividade, ineditismo ou raridade. O fato de o objeto poder ser executado por outros profissionais ou empresas não impede a contratação direta amparada no art. 25, inciso II, da Lei nº 8.666, de 1993. A inexigibilidade, amparada nesse dispositivo legal, decorre da impossibilidade de se fixarem critérios objetivos de julgamento (Acórdão nº 2.616/2015 – Plenário, Rel. Min. Benjamin Zymler, Processo nº 017.110/2015-7).

    Recordem-se, ainda, os verbetes 39 e 252, de Súmulas da Corte de Contas federal:

    A inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços técnicos com pessoas físicas ou jurídicas de notória especialização somente é cabível quando se tratar de serviço de natureza singular, capaz de exigir, na seleção do executor de confiança, grau de subjetividade insuscetível de ser medido pelos critérios objetivos de qualificação inerentes ao processo de licitação, nos termos do art. 25, inciso II, da Lei nº 8.666/1993.

     

    A inviabilidade de competição para a contratação de serviços técnicos, a que alude o inciso II do art. 25 da Lei nº 8.666/1993, decorre da presença simultânea de três requisitos: serviço técnico especializado, entre os mencionados no art. 13 da referida lei, natureza singular do serviço e notória especialização do contratado.

    No entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a singularidade envolve casos incomuns e anômalos que demandam mais que a especialização, pois apresentam complexidades que impedem sua resolução por qualquer profissional, ainda que especializado (REsp 1505356/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 30/11/2016).

    Considera-se de notória especialização, conforme disposto no §1º do art. 25 da Lei nº 8.666, de 1993, para o efeito de legitimar a contratação direta com base na inexigibilidade de licitação, o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.

     

    4.  Diálogo com a iniciativa privada

    Pode, ainda, a administração pública, para o fim de delinear, com precisão, o objeto da licitação ou da contratação direta, valer-se de diálogo com a iniciativa privada, através de seu chamamento. Uma das opções é a realização de audiência pública, com respaldo jurídico no disposto no art. 39, caput, da Lei nº 8.666, de 1993, in verbis:

    Art. 39.  Sempre que o valor estimado para uma licitação ou para um conjunto de licitações simultâneas ou sucessivas for superior a 100 (cem) vezes o limite previsto no art. 23, inciso I, alínea "c" desta Lei, o processo licitatório será iniciado, obrigatoriamente, com uma audiência pública concedida pela autoridade responsável com antecedência mínima de 15 (quinze) dias úteis da data prevista para a publicação do edital, e divulgada, com a antecedência mínima de 10 (dez) dias úteis de sua realização, pelos mesmos meios previstos para a publicidade da licitação, à qual terão acesso e direito a todas as informações pertinentes e a se manifestar todos os interessados.

     

    Trata-se de um espaço institucional destinado ao cidadão que tenha um interesse específico e que pode ser afetado por uma determinada ação governamental ou para que se manifeste em razão de sua expertise, possibilitando a sua participação no processo de tomada de decisão.

    O diálogo com a iniciativa privada encontra respaldo no art. 37, §3º, da Constituição Federal, com a redação da EC nº 19/98, segundo o qual a lei a disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta.

    Outros diplomas preveem a participação de terceiros, por meio da realização de audiência pública ou do chamamento de entidades privadas para auxiliar a administração na tomada de decisão. Assim:

    Lei nº 9.784, de 1999 (lei do processo administrativo federal):

    Art. 32. Antes da tomada de decisão, a juízo da autoridade, diante da relevância da questão, poderá ser realizada audiência pública para debates sobre a matéria do processo.

     

    Lei nº 6.938, de 1981 (dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente):

    Art. 8º Compete ao CONAMA:

    [...]

    II - determinar, quando julgar necessário, a realização de estudos das alternativas e das possíveis consequências ambientais de projetos públicos ou privados, requisitando aos órgãos federais, estaduais e municipais, bem assim a entidades privadas, as informações indispensáveis para apreciação dos estudos de impacto ambiental, e respectivos relatórios, no caso de obras ou atividades de significativa degradação ambiental, especialmente nas áreas consideradas patrimônio nacional.

     

    Lei Complementar nº 101/00 (lei de responsabilidade fiscal):

     

    Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos.

    Parágrafo único. A transparência será assegurada também mediante:

    I – incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos;

     

    Decreto-lei nº 4.657/42 (lei de introdução às normas do Direito Brasileiro):

    Art. 26. Para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição de licença, a autoridade administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico e, quando for o caso, após realização de consulta pública, e presentes razões de relevante interesse geral, celebrar compromisso com os interessados, observada a legislação aplicável, o qual só produzirá efeitos a partir de sua publicação oficial. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

    [...]

    Art. 29. Em qualquer órgão ou Poder, a edição de atos normativos por autoridade administrativa, salvo os de mera organização interna, poderá ser precedida de consulta pública para manifestação de interessados, preferencialmente por meio eletrônico, a qual será considerada na decisão. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)    

    § 1º  A convocação conterá a minuta do ato normativo e fixará o prazo e demais condições da consulta pública, observadas as normas legais e regulamentares específicas, se houver. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)    

     

    Instrução Normativa nº 40, de 22 de maio de 2020, do Secretário de Gestão da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, a qual dispõe sobre a elaboração dos “Estudos Técnicos Preliminares – ETP” - para a aquisição de bens e a contratação de serviços e obras, no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, e sobre o Sistema ETP digital:

    Art. 7º Com base no documento de formalização da demanda, as seguintes informações deverão ser produzidas e registradas no Sistema ETP digital:

    [...]

    III - levantamento de mercado, que consiste na prospecção e análise das alternativas possíveis de soluções, podendo, entre outras opções:

    [...]

    b) ser realizada consulta, audiência pública ou diálogo transparente com potenciais contratadas, para coleta de contribuições.

     

    Na Lei nº 13.303, de 2016, que dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, aplicável no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, também há previsão a respeito do chamamento de terceiros (privados) para auxiliarem a administração pública na definição precisa do objeto a ser contratado e das condições para sua perfeita execução. Estabelece o seu art. 31, §4º, a possibilidade  dessas empresas estatais de adotarem procedimento de manifestação de interesse privado para o recebimento de propostas e projetos de empreendimentos com vistas a atender necessidades previamente identificadas, cabendo a regulamento a definição de suas regras específicas. 

    No âmbito do regime diferenciado de contratações públicas – RDC, consta previsão na Lei nº 12.462, de 2011, acerca da promoção de troca de experiências e tecnologias entre administração pública e o setor privado. Confira-se:

    Art. 1º [...]

    § 1º  O RDC tem por objetivos:

    [...]

    II - promover a troca de experiências e tecnologias em busca da melhor relação entre custos e benefícios para o setor público;

     

    Um dos objetivos do RDC é a promoção de intercâmbio de informações técnicas com o setor privado, mediante processo seletivo ou contratação direta. Para isso é fundamental que sejam apresentados, pelo órgão ou entidade promotor da licitação ou da contratação direta, minimamente, os seguintes elementos: (a) objetivo a ser alcançado com a contratação; (b) identificação de alternativas viáveis para o alcance desses objetivos; (c) análise de cada alternativa segundo modelos de causa e efeito e de custo-benefício; e (d) indicação dos resultados pretendidos e métodos de avaliação que serão empregados.

    A I Jornada de Direito Administrativo, evento realizado em formato virtual pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CEJ/CJF), entre os dias 3 e 7 do mês de agosto de 2020, aprovou o texto de 40 (quarenta) enunciados na área do direito administrativo. Entre eles está o Enunciado 29, segundo o qual a administração pública poderá promover comunicações formais com potenciais interessados durante a fase de planejamento das contratações públicas para a obtenção de informações técnicas e comerciais relevantes à definição do objeto e elaboração do projeto básico ou termo de referência, sendo que este diálogo público-privado deve ser registrado no processo administrativo e não impede o particular colaborador de participar em eventual licitação pública, ou mesmo de celebrar o respectivo contrato, tampouco lhe confere a autoria do projeto básico ou termo de referência.

     O Projeto de Lei nº 1292, de 1995, que almeja revogar a Lei nº 8.666, de 1993 (lei geral de licitações e contratos), a Lei nº 10.520, de 2002 (lei do pregão) e os artigos 1º a 47 da Lei nº 12.462, de 2011 (regime diferenciado de contratações públicas - RDC), contempla previsão a respeito da realização de audiência pública, pela administração, para a obtenção de propostas de especificações para bens ou serviços que pretenda licitar e, ainda, de procedimento aberto de manifestação de interesse, acerca de estudos, investigações, levantamentos e projetos vinculados à contratação e de utilidade para a licitação. Assim:

     

    Art. 21. A Administração poderá convocar, com antecedência mínima de 8 (oito) dias úteis, audiência pública, presencial ou a distância, na forma eletrônica, sobre licitação que pretenda realizar, com disponibilização prévia de informações pertinentes, inclusive de estudo técnico preliminar, elementos do edital de licitação e outros, e com possibilidade de manifestação de todos os interessados.

    Parágrafo único. A Administração também poderá submeter a licitação à prévia consulta pública, mediante a disponibilização de seus elementos a todos os interessados, que poderão formular sugestões no prazo fixado.

    […]

    Art. 80. A Administração poderá solicitar à iniciativa privada, mediante procedimento aberto de manifestação de interesse a ser iniciado com a publicação de edital de chamamento público, a propositura e a realização de estudos, investigações, levantamentos e projetos de soluções inovadoras que contribuam com questões de relevância pública, na forma de regulamento.

    § 1º Os estudos, investigações, levantamentos e projetos vinculados à contratação e de utilidade para a licitação, realizados pela Administração ou com a sua autorização, estarão à disposição dos interessados, e o vencedor da licitação deverá ressarcir os dispêndios correspondentes, conforme especificado no edital.

    § 2º A realização pela iniciativa privada de estudos, investigações, levantamentos e projetos em decorrência do procedimento de manifestação de interesse mencionado no caput deste artigo:

    I – não atribuirá ao realizador direito de preferência no processo licitatório;

    II – não obrigará o poder público a realizar licitação;

    III – não implicará, por si só, direito a ressarcimento de valores envolvidos em sua elaboração;

    IV – será remunerada somente pelo vencedor da licitação, vedada, em qualquer hipótese, a cobrança de valores do poder público.

    § 3º Para aceitação dos produtos e serviços de que trata o caput deste artigo, a Administração deverá elaborar parecer fundamentado com a demonstração de que o produto ou serviço entregue é adequado e suficiente à compreensão do objeto, que as premissas adotadas são compatíveis com as reais necessidades do órgão e que a metodologia proposta é a que propicia maior economia e vantagem entre as demais possíveis.

    § 4º O procedimento previsto no caput deste artigo poderá ser restrito a startups, assim considerados os microempreendedores individuais, as microempresas e as empresas de pequeno porte, de natureza emergente e com grande potencial, que se dediquem à pesquisa, ao desenvolvimento e à implementação de novos produtos ou serviços baseados em soluções tecnológicas inovadoras que possam causar alto impacto, exigida, na seleção definitiva da inovação, validação prévia fundamentada em métricas objetivas, de modo a demonstrar o atendimento das necessidades da Administração.

     

     

    O Projeto de Lei também prevê o denominado diálogo competitivo, modalidade de licitação em que a administração pública realiza diálogos com licitantes previamente selecionados com o intuito de desenvolver uma ou mais alternativas capazes de atender às suas necessidades, devendo os licitantes apresentar proposta final após o encerramento do diálogo.

     

    5. Conclusão

    As especificações do objeto que a administração almeja contratar devem ser as necessárias e suficientes  para a sua correta apreensão pelo mercado fornecedor e atendimento com a qualidade pertinente. Se forem insuficientes, sujeitarão a administração a adquirir objeto de pouca ou nenhuma qualidade, justamente porque suas características essenciais não foram definidas. Por outro lado, se forem excessivas, desnecessárias ou análogas às especificações técnicas de determinado fabricante, podem denotar restrição ao caráter competitivo do certame e/ou direcionamento da contratação, contrastando com os ditames do art. 3º, §1º, inciso I, da Lei nº 8.666, de 1993.

    Para o eficaz delineamento dos contornos da melhor solução para o objeto que almeja contratar, pode e deve a administração pública valer-se de diálogo com a iniciativa privada, medida que prestigia o princípio constitucional da eficiência e a busca dos melhores resultados para o interesse público, cujo fundamento legal repousa no disposto no art. 32 da Lei nº 9.784, de 1999 (lei do processo administrativo federal[1]).

    Mas o diálogo que se pretenda fazer junto à iniciativa privada só será legítimo se conciliado com a observância do princípio da motivação (art. 2º, parágrafo único, inciso VII, da Lei nº 9.784, de 1999). Ato desprovido de motivação é ato insuscetível de compor objeto do controle analítico de legalidade exercido pelo Poder Judiciário, nos termos do art. 53 da Lei nº 9.784, de 1999, da Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal e do art. 2º da Lei nº 4.717, de 1965. A motivação dos atos administrativos é medida que reduz a possibilidade de atuação arbitrária da administração, uma vez que a transparência pública das razões de fato e de direito, que ensejaram a prática de determinado ato, além de legitimarem essa atuação, serve como parâmetro importante de controle. O Supremo Tribunal Federal assentou o entendimento de que não viola o princípio da separação dos poderes o controle pelo Poder Judiciário de ato administrativo eivado de ilegalidade ou abusividade, o qual envolve a verificação da efetiva ocorrência dos pressupostos de fato e direito, podendo o Judiciário atuar, inclusive, nas questões atinentes à proporcionalidade e à razoabilidade (AG. REG. NO ARE Nº 937.232-BA, Rel. Min. Dias Toffoli, Informativo STF nº 824, de 2016).

    Também o chamamento do maior número possível de interessados em contribuir com a administração pública para a definição do que há de melhor no mercado há de ser observado. Consubstancia-se no direito à informação dos atos praticados pela administração, segundo o disposto no art. 5º, XXXIII (“todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”) e LX (“a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”) da Constituição Federal. A publicidade amplia o acesso de interessados em dialogar com a administração, elevando o teor de soluções e, por conseguinte, o alcance de resultados que sejam ótimos para o interesse público.

     

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    FARIA, Edimur Ferreira de. Controle do mérito do ato administrativo pelo Judiciário. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2016.

    OLIVEIRA, Aroldo Cedraz de (Coord.). O controle da administração na era digital. Belo Horizonte: Fórum, 2016.

    PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres; DOTTI, Marinês Restelatto. Da responsabilidade de agentes públicos e privados nos processos administrativos de licitação e contratação. 2 ed. São Paulo: NDJ, 2014.

    _______, Mil perguntas e respostas necessárias sobre licitações e contratos na ordem jurídica brasileira. Belo Horizonte: Fórum, 2017.

    _______, Políticas públicas nas licitações e contratações administrativas. 3. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2017.

    SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. 2. tir. São Paulo: Malheiros, 2011.

    ZYMLER, Bemjamin. Direito administrativo e controle. Belo Horizonte: Fórum, 2015.

     

     

     

    *Marinês Restelatto DottiAdvogada da União. Especialista em Direito do Estado e em Direito e Economia pela Universidade Federal do Estado do Rio Grande do Sul (UFRGS). Autora da seguinte obra: Governança nas contratações públicas - Aplicação efetiva de diretrizes, responsabilidade e transparência - Inter-relação com o direito fundamental à boa administração e o combate à corrupção. Coautora das seguintes obras: (a) Políticas públicas nas licitações e contratações administrativas; (b) Limitações constitucionais da atividade contratual da administração pública; (c) Convênios e outros instrumentos de Administração Consensual na gestão pública do século XXI. Restrições em ano eleitoral; (d) Da responsabilidade de agentes públicos e privados nos processos administrativos de licitação e contratação; (e) Gestão e probidade na parceria entre Estado, OS e OSCIP; (f) Microempresas, empresas de pequeno porte e sociedades cooperativas nas contratações públicas; (g) Comentários ao RDC integrado ao sistema brasileiro de licitações e contratações públicas; (h) 1000 perguntas e respostas necessárias sobre licitação e contrato administrativo na ordem jurídica brasileira; e (i) Comentários à lei das empresas estatais: Lei nº 13.303/16. Colaboradora nas obras: (a) Direito do estado: Novas tendências; (b) Direito Público do Trabalho - Estudos em homenagem a Ivan D. Rodrigues Alves; (c) Contratações públicas - Estudos em homenagem ao professor Carlos Pinto Coelho Motta; (d) Licitações públicas - Estudos em homenagem ao jurista Jorge Ulisses Jacoby Fernandes; (e) Comentários ao sistema legal brasileiro de licitações e contratos administrativos; e (f) Temas Atuais de Direito Público. Professora nos cursos de: Pós-Graduação em Direito Público com ênfase em Direito Administrativo da UniRitter - Laureate International Universities e em Direito Administrativo e Gestão Pública da Fundação Escola Superior do Ministério Público no Estado do Rio Grande do Sul. Professora nos seguintes cursos de extensão: “Capacitação em Licitações e Contratos Administrativos” da Escola da Magistratura no Estado do Rio Grande do Sul, “Prática em Licitações e Contratações Públicas” e “Prática em Licitações e Contratações das Empresas Estatais” da Escola Superior da Magistratura Federal do Estado do Rio Grande do Sul.  Conferencista na área de licitações e contratações da administração pública

     

     



    [1] De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, no âmbito estadual ou municipal, ausente lei específica, a Lei Federal nº 9.784, de 1999, pode ser aplicada de forma subsidiária, haja vista tratar-se de norma que deve nortear toda a administração pública, servindo de diretriz aos seus órgãos (AgRg no REsp 1092202/DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 18/04/2013).