Opinião

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    A COMPROVAÇÃO DE APTIDÃO TÉCNICO-PROFISSIONAL NA LEI Nº 14.133/2021

     

     

    *Luiz Cláudio de Azevedo Chaves

     

     

    Resumo: Na fase de seleção do fornecedor do ciclo de vida do processo licitatório, será por meio da avaliação das condições de habilitação que a Administração mitigará o risco de contratar com empresa inadequada, seja pela falta de condições jurídicas; por não ter capacidade econômica ou ainda, por não ter a qualificação técnica necessária. Dentre todos os conjuntos de documentos de habilitação — jurídica, fiscal e trabalhista — econômico-financeira — qualificação técnica, é esta última que representa o ponto nevrálgico da avaliação das condições de execução, pois nela, residirá a comprovação de que a empresa proponente tem, de fato, reais condições de bem executar o objeto a que se propõe. Isto porque não é incomum empresas com boa saúde financeira, em dia com suas obrigações fiscais e trabalhistas e juridicamente regularizada, mas que jamais executaram aquele objeto, se aventurarem em licitações justamente porque, sua vitória lhes garante um nicho de mercado importante. Uma empresa pode ter listada determinada atividade em seu contrato social, mas jamais a ter executado. Por isso, é que a verificação da qualificação técnica se apresenta como principal condutor de sucesso, pois tende a proteger a Administração dos aventureiros, mormente naquelas licitações que envolvem objetos mais complexos, com maior envolvimento financeiro e mais estratégicos em termos de políticas públicas. No entanto, é sabido que nem sempre será tarefa das mais fáceis fixar os requisitos de qualificação técnica, principalmente pelo fato de que esta atribuição deve ser direcionada aos profissionais da área técnica relativa ao objeto a ser contratado, via de regra, não afetos à seara jurídica o que traz a dificuldade adicional para redigir cláusulas de cunho normativo como o são as cláusulas do documento de referência, do edital e do contrato. Requisitos de qualificação técnica mal formulados podem provocar uma contratação ruinosa ou até mesmo o desfazimento da licitação por invasão da margem de legalidade que deve permear os procedimentos administrativos.

     

    Palavras-chave: Licitação. Habilitação. Qualificação técnica.

     

    Abstract

    In the supplier selection phase of the bidding process life cycle, it will be through the evaluation of the qualification conditions that the Administration will mitigate the risk of contracting with an inappropriate company, either due to the lack of legal conditions; for not having economic capacity or for not having the necessary technical qualification. Among all the sets of qualification documents - legal, tax and labor - economic-financial - technical qualification, it is the latter that represents the neuralgic point of the evaluation of the execution conditions, because it will be the proof that the proposing company has, in fact, real conditions of well executing the object that it proposes. This is because it is not uncommon for companies with good financial health, up to date with their tax and labor obligations and legally regulated, but which have never executed that object, to venture into bids precisely because their victory guarantees them an important market niche. A company may have listed a certain activity in its articles of association, but never performed it. That is why the verification of technical qualification presents itself as the main driver of success, as it tends to protect the Administration from adventurers, especially in those bids that involve more complex objects, with greater financial involvement and more strategic in terms of public policies. However, it is known that it will not always be the easiest task to establish the technical qualification requirements, mainly due to the fact that this attribution must be directed to professionals in the technical area related to the object to be contracted, as a rule, not related to the harvest. which brings the additional difficulty to write normative clauses such as the clauses of the reference document, the public notice and the contract. Poorly formulated technical qualification requirements can lead to a ruinous contract or even the cancellation of the bidding by invading the margin of legality that must permeate administrative procedures.

     

    Keywords: Bidding. Qualification. Technical qualification.

     

    Sumário: 1. Visão geral e conceito. 2. Hipóteses em que será aplicável o diálogo competitivo. 3 Processo e julgamento da licitação. 4. A utilização nas concessões e permissões. 5. Conclusões.

     

    1. Introdução

     

    A habilitação é a fase do procedimento que objetiva avaliar a aptidão do interessado em contratar com a Administração. Por meio de prova documental, se verificará se a licitante tem capacidade jurídica para contrair obrigações e se está em dia com suas obrigações fiscais, inclusive para se verificar que não é atingida pela vedação contida no art. 195, § 3º da CRFB[1]. Também poderá ser demonstrado se a licitante tem conhecimento e expertise técnica para executar a contento o objeto; e, finalmente verificar se o licitante possui fôlego financeiro suficiente para suportar os encargos que pretende assumir, caso vença a licitação.

    Ao contrário dos dois primeiros aspectos, em que a documentação a ser apresentada faz prova fática da situação de habilitação jurídica e fiscal, nos dois últimos aspectos — técnico e econômico — a prova documental a ser apresentada serve apenas para a formação de uma espécie de presunção de que a habilitante terá condições técnicas de executar o objeto e que terá poder econômico para suportar o encargo. Isto porque, o conhecimento técnico, como será visto mais adiante, verificará a experiência anterior da licitante, o que faria presumir que diante de uma experiência positiva, a execução do novo contrato tende a ser igualmente positiva. E no caso das demonstrações de saúde financeira, o que se investiga é o resultado demonstrado no último exercício da empresa. Nessas duas categorias, a documentação mitiga o risco de quebra contratual, mas não tem poder de afastá-lo. Quem bem executou objeto assemelhado no passado, pode no presente não repetir o bom resultado anterior. E quanto à saúde financeira da empresa, em questão de meses, dependendo do cenário econômico e outras inúmeras variáveis, pode virar de ponta a cabeça.

    Nada obstante, não resta a menor sombra de dúvidas sobre a importância desta fase do procedimento para o sucesso da realização do objeto. É determinante (e, em última análise, o único meio legalmente previsto) para filtrar o universo de interessados e possibilitar que a Administração mitigue o risco de um contrato mal executado. Problemas que vão desde a falta de capacidade de contrair obrigações (por exemplo, não ter uma autorização de órgão de controle para exercer a atividade empresária) até a fragilidade financeira da contratada, que pode provocar o abandono do contrato ou até mesmo sua falência, são potencialmente destrutivos para a Administração Pública.

    A nova lei não inovou nas categorias de documentos já previstos na Lei nº 8.666/1993, mantendo as mesmas quatro categorias já existentes, acrescentando apenas a habilitação social para acomodar a comprovação de que tratava o inciso V, do art. 27 da lei primitiva[2]:

     

    Art. 62. A habilitação é a fase da licitação em que se verifica o conjunto de informações e documentos necessários e suficientes para demonstrar a capacidade do licitante de realizar o objeto da licitação, dividindo-se em:

    I - jurídica;

    II - técnica;

    III - fiscal, social e trabalhista;

    IV - econômico-financeira.

     

    No que se refere especificamente à qualificação técnica, mede-se, neste conjunto de documentos, a capacidade de o proponente executar de forma adequada o objeto quanto ao aspecto técnico. Verifica-se se o mesmo reúne as habilitações profissionais e experiência na execução do objeto em disputa; se tem disponibilidade das instalações, máquinas, ferramentas e equipamentos adequados; se conta, em seus quadros, com profissional habilitado e equipe técnica com formação e experiência necessárias à perfeita execução do contrato.

    Imagine que uma Prefeitura pretenda contratar uma obra, por exemplo, a construção de um hospital. Deve cerca-se de cuidados para verificar se o licitante já executou empreendimento de proporções assemelhadas e se conta com engenheiro ou arquiteto devidamente habilitado e com experiência adequada para tocar a obra.

    De acordo com a nova lei (art. 67, da Lei 14.133/2021), podem ser exigidos os seguintes documentos:

     

    Art. 67.  - A documentação relativa à qualificação técnico-profissional e técnico-operacional será restrita a:

    I - apresentação de profissional, devidamente registrado no conselho profissional competente, quando for o caso, detentor de atestado de responsabilidade técnica por execução de obra ou serviço de características semelhantes, para fins de contratação;

    II - certidões ou atestados, regularmente emitidos pelo conselho profissional competente, quando for o caso, que demonstrem capacidade operacional na execução de serviços similares de complexidade tecnológica e operacional equivalente ou superior, bem como documentos comprobatórios emitidos na forma do § 3º do art. 88 desta Lei;

    III - indicação do pessoal técnico, das instalações e do aparelhamento adequados e disponíveis para a realização do objeto da licitação, bem como da qualificação de cada membro da equipe técnica que se responsabilizará pelos trabalhos;

    IV - prova do atendimento de requisitos previstos em lei especial, quando for o caso;

    V - registro ou inscrição na entidade profissional competente, quando for o caso;

    VI - declaração de que o licitante tomou conhecimento de todas as informações e das condições locais para o cumprimento das obrigações objeto da licitação.

     

    Comentando as exigências de qualificação técnica no regime da Lei nº 8.666/1993, Julieta Mendes Lopes Vareschini[3] classifica o rol de documentos em duas categorias, a saber: genérica e específica. Na primeira, se encontra a prova de inscrição em entidade competente; na segunda, a capacidade técnico-profissional e a técnico-operacional.

    Interessante notar que o novel texto legal parece apontar para uma inversão de prioridade documental quando comparado com o teor do art. 30, da Lei primitiva. Nesta, a prova de registro em entidade profissional competente vem logo no primeiro inciso; naquele, é o penúltimo. A nova lei sinaliza com maior importância sobre a comprovação de experiência anterior, elencando nos dois primeiros incisos a comprovação técnico-profissional e a técnico-operacional, agora, sem as dúvidas carregadas pelo veto ao inciso II do art. 30 da lei antiga, que obrigou intérpretes e tribunais a promoverem verdadeiro exercício de hermenêutica para reconhecer válida a exigência de capacitação técnico-operacional.

    Cumpre também destacar que a nova lei recepcionou a ideia segundo a qual o rol de documentos que servem à habilitação nas licitações públicas é exaustivo. O caput do art. 67 é enfático nesse sentido, não deixando margem de dúvidas. Sendo assim, exigências que transbordem dos limites estabelecidos em lei serão consideradas ilegais e violam o direito subjetivo dos licitantes em se apresentar cumprindo apenas as exigências previstas em lei. Marçal Justen Filho[4], ao analisar os dispositivos da Lei 8.666/93 que se referem aos documentos de habilitação assim se posiciona:

     

    O elenco dos requisitos de habilitação está delineado em termos gerais nos arts. 27 a 32 da Lei de Licitações. É inviável o ato convocatório ignorar os limites legais e introduzir novos requisitos de habilitação, não autorizados legislativamente. (...) O elenco dos arts. 28 a 31 deve ser reputado como máximo e não como mínimo. Ou seja, não há imposição legislativa a que a Administração, em cada licitação, exija comprovação integral quanto a cada um dos itens contemplados nos referidos dispositivos. O edital não poderá exigir mais do que ali previsto, mas poderá demandar menos.

     

    Nas licitações, não é obrigatório que o edital exija da licitante comprovação de qualificação técnica. Trata-se de uma decisão de caráter discricionário, em que se avalia, caso a caso, os riscos inerentes a cada objeto. É comumente exigida nas licitações de obras e serviços, dado o volume financeiro e a complexidade envolvidos. Nas aquisições, são frequentes quando se contrata equipamentos, que envolvem obrigações acessórias de instalação, transporte e manutenção em garantia. Nesse sentido, cite-se, mais uma vez o festejado mestre, verbis:

     

    Como decorrência, a determinação dos requisitos de qualificação técnica far-se-á caso a caso, em face das circunstâncias e peculiaridades das necessidades que o Estado deve realizar. Caberá à Administração, na fase interna antecedente à própria elaboração do ato convocatório, avaliar os requisitos necessários, restringindo-se estritamente ao indispensável a assegurar um mínimo de segurança quanto à idoneidade dos licitantes.[5]

     

    2. Limitação estabelecida na CRFB

    Antes, porém, de adentrar mais especificamente nos conceitos e características de cada documento comprobatório de qualificação técnica, faz-se necessários retomar lição anterior sobre os fundamentos constitucionais do dever geral de licitar.

    O art. 37, XXI, da CRFB, dentre outras premissas, limita as exigências de qualificação técnica (e, também, as de cunho econômico-financeiro) a apenas aquilo que for indispensável ao cumprimento das obrigações. Como se trata de comando constitucional, deve ser observado em todos os atos de natureza normativa infraconstitucional, o que inclui, termos de referência, projetos básicos e executivos, e, principalmente, editais de licitação.

    Por “indispensáveis” deve se entender o mínimo necessário. O gestor público não está livre para fixar os requisitos de qualificação técnica de acordo com seu próprio alvitre. A discrição estará limitada a esse comando constitucional. Significa que se a exigência fixada for superior ao que se consideraria mínimo necessário, o edital estará eivado de ilegalidade. Vamos a um exemplo bem simples.

    Se em um serviço complexo, como uma reforma de um prédio com 30.000m2 de área construída, o edital faz exigência de comprovação de o licitante ter executado reforma em edificação com área construída de, no mínimo, 15.000m2, não poderá fazer essa mesma exigência se a reforma se der em uma edificação de 1.000m2. A exigência estaria superando muito o mínimo necessário.

    Nossa Corte Suprema, acerca de dispositivos de lei estadual anterior à vigência da Lei nº 8.666/1993, reconheceu a limitação constitucional quanto às exigências de qualificação técnica no julgamento da ADI nº 2.716:

     

    Afronta ao princípio da isonomia, igualdade entre todos quantos pretendam acesso às contratações da Administração. A lei pode, sem violação do princípio da igualdade, distinguir situações a fim de conferir a um tratamento diverso do que atribui a outra. Para que possa fazê-lo, contudo, sem que tal violação se manifeste, é necessário que a discriminação guarde compatibilidade com o conteúdo do princípio. A Constituição do Brasil exclui quaisquer exigências de qualificação técnica e econômica que não sejam indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. A discriminação, no julgamento da concorrência, que exceda a essa limitação é inadmissível. Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade dos arts. 16 e 19 e seu parágrafo, da Lei nª 260/1990 do Estado de Rondônia. (ADI nº 2.716/1990, rel. Min. Eros Grau, julg. em 29/11/2007).

     

    Ao tratarmos de cada um dos documentos que compõe o rol de exigências de qualificação técnica, serão pontuadas as possibilidades e as limitações, de forma a dar maior clareza e pragmatismo possível aos conceitos.

     

    3. Competência para dispor sobre a qualificação técnica e o seu caráter discricionário

    Bom que fique claro, desde já, que a competência para dispor sobre o que deverá ser exigido a título de qualificação técnica será do autor do termo de referência/projeto básico, que, como se estudará no Capítulo 4, traz as informações de cunho técnico que orientam a elaboração do edital de licitações e da minuta do contrato, nos aspectos técnicos e operacionais.

    Fácil perceber que é a unidade especialista que detém essa competência. Conforme se verá mais adiante, a definição dos elementos de habilitação técnica depende de conhecimento sobre o objeto e o ramo de negócio pertinente. Saber se a atividade objeto da licitação é ou não fiscalizada por conselho de classe e qual é o conselho competente; parametrizar os níveis de comparação da experiência do licitante com o objeto licitado; relacionar instalações e equipamentos mínimos necessários, bem como justificar a necessidade de visita técnica, tudo, depende de conhecimento específico sobre objeto da licitação, a cargo da unidade ou do agente especializado no assunto.

    Na hipótese de o documento de referência (PB/TR) se apresentar silente quanto às exigências de qualificação técnica, o setor responsável por minutar o edital não lhe substituirá (pelo menos, não deve fazê-lo), o que importará a aceitação de licitantes sem exame de suas qualificações técnicas.

     

    4. A Comprovação de experiência anterior

    Um dos principais documentos desta categoria da habilitação é a verificação da experiência anterior do licitante na execução de objeto assemelhado. A Lei anterior chamava de “comprovação de desempenho em atividade pertinente e compatível com o objeto da licitação” (art. 30, II, da L. 8.666/1993). A nova lei simplifica o conceito já no caput do art. 67. Vale transcrever novamente:

     

    Art. 67. A documentação relativa à qualificação técnico-profissional e técnico-operacional será restrita a:

     

    Não se utiliza mais o termo “comprovação de desempenho”, indo direto ao ponto o texto normativo ao indicar que essa categoria de documentos se refere à qualificação técnico-profissional e técnico-operacional. A primeira é relativa ao futuro responsável técnico; a segunda é a experiência da própria empresa licitante.

    Mas, ainda assim, se mantém a percepção de que a comprovação de que trata o citado dispositivo nada mais é do que uma demonstração de experiência anterior na execução do objeto posto em disputa. Por meio dessa comprovação, a Administração se precata de contratar empresa que não detenha a necessária vivência naquele objeto, seja por não ter em seus quadros um profissional habilitado e experiente, seja por jamais ter tido sua capacidade logística testada anteriormente. Uma construtora que só tem histórico de execução de pequenas reformas, provavelmente não teria o traquejo necessário para tocar uma obra de grande vulto. Desde a vigência do Decreto-Lei nº 2.300/1986, convencionou-se chamar essa comprovação de atestados de capacidade técnica.

    Esses atestados nada mais são que uma declaração do cliente anterior do licitante dando conta de que o mesmo prestou de forma adequada o fornecimento, a obra ou o serviço. Normalmente tem o seguinte teor:

     

    Atesto, para os devidos fins, que a empresa xxxxx executou serviços de xxxxxx pelo período de xxxxx meses, nada tendo havido que desabone a sua conduta ético-profissional.

     

    A comprovação e experiência anterior pode ser considerada uma resposta preventiva ao risco da má execução do objeto. Por meio desta comprovação, a Administração mitiga o risco de que a inexperiência do executor provoque falhas na execução e, consequentemente, prejuízos para a Administração contratante.

     

    5. A capacitação técnico-profissional

    A primeira categoria a ser estudada é a que mede a experiência da licitante a partir da experiência do profissional que indicará como responsável técnico da obra/serviço. Isto porque haverá parcelas da obra ou serviço cuja execução se dá de forma predominantemente intelectual. Um exemplo simples guiará o raciocínio.

    Em um serviço de controle de pragas, para debelar uma infestação de ratos na sua sede, de nada adiantará o órgão contratar uma empresa ter uma excelente estrutura operacional e logística (várias viaturas disponíveis, farto estoque de veneno etc) se não contar com um profissional em seus quadros que entenda desse tipo de praga para orientar a melhor metodologia de combate.

    Esta comprovação responde a pergunta: sem o profissional experiente, a empresa tem plenas condições de executar a obra/serviço? Ou seja, diz respeito a parcelas da obra ou serviço que correspondam, preponderantemente, a execução intelectual, independentemente do porte da licitante. Na nova lei de licitações, sua regulamentação se acha com o seguinte teor:

     

    Art. 67 [...]

    I - apresentação de profissional, devidamente registrado no conselho profissional competente, quando for o caso, detentor de atestado de responsabilidade técnica por execução de obra ou serviço de características semelhantes, para fins de contratação;

     

    Em primeiro plano veja-se que a novel redação não utiliza mais a expressão “comprovação do licitante de possuir em seu quadro permanente...”, substituindo por “apresentação de profissional”. Essa sutil modificação acaba com as celeumas surgidas em razão da interpretação literal que a lei anterior conduzia muitos aplicadores. Agora, com o novo texto, a exigência se vê alinhada à jurisprudência do Tribunal de Contas da União que sempre defendia uma interpretação mais extensiva ao que dispunha o art. 30, § 1º, I, da Lei nº 8.666/1993.

    Em razão daquela redação, inúmeros editais formulavam exigências que logo foram consideradas ilegais pelo Controle Externo, tais como, cópia do livro de registro de empregados ou mesmo cópia das carteiras de trabalho. Imaginavam, seus autores, que por “quadro permanente” somente seria possível se o profissional fosse contratado no regime da CLT, o que jamais foi verdade.

    Em que pese a literalidade do inciso I, do §1º do art. 30 da Lei de Licitações anterior, não era necessário que os licitantes comprovassem possuir, já na data da licitação, em seus quadros permanentes tal profissional. Bastava a simples demonstração de que a licitante dispunha desse profissional para a execução do objeto. Passou-se a aceitar que o profissional fosse não só empregado, mas também empregado, sócio, contratado ou mesmo compromissado ainda que sem contrato formal, neste último caso, a mera declaração de disponibilidade para contratação futura, caso a empresa venha se sagrar vencedora. O raciocínio é que a exigência de comprovação de vínculo empregatício do responsável técnico com a empresa licitante, imporia um ônus desnecessário aos concorrentes, na medida em que se veriam forçados a contratar, ou a manter em seu quadro o profissional mesmo sem a garantia de que seria contratada, porquanto isso dependeria de a empresa ser a vencedora. O Tribunal de Contas da União veio pacificar tal entendimento:

     

    Configura restrição ao caráter competitivo da licitação a exigência, para fins de comprovação da capacidade técnico-profissional (art. 30, § 1º, inciso I, da Lei 8.666/1993), da demonstração de vínculo empregatício, por meio de carteira de trabalho, do profissional com a empresa licitante, sendo suficiente a comprovação da disponibilidade do profissional mediante contrato de prestação de serviços, sem vínculo trabalhista e regido pela legislação civil. Em processo relativo a Auditoria realizada em contrato de repasse celebrado com vistas à implementação de obras de infraestrutura em vilas e bairros do município de Sete Lagoas/MG, no âmbito de Fiscalização de Orientação Centralizada, realizaram-se audiências em razão de variados achados de auditoria, dentre os quais restrição à competitividade de licitação. Uma das exigências consideradas restritivas consistiu na obrigatoriedade de comprovação, por meio de carteira de trabalho, de vínculo empregatício entre a empresa licitante e os profissionais considerados para a qualificação técnica. Ao apreciar o mérito, observou o relator tratar-se, efetivamente, “de cláusula com caráter restritivo ao certame, segundo consolidada jurisprudência deste Tribunal (v.g., Acórdãos ns. 2.297/2005; 597/2007; 2.553/2007; 141/2008; 381/2009 e 1.041/2010, todos do Plenário)”. Nesse ponto, a título de fundamentação, o relator transcreveu excerto do voto condutor do Acórdão 2.297/2005 Plenário, de relatoria do Ministro Benjamin Zymler, no qual se observou que “o artigo 30, § 1º, inciso I, da Lei n. 8.666/1993 utiliza a expressão ‘qualificação técnico-profissional’ para indicar a existência, nos quadros permanentes de uma empresa, de profissionais em cujo acervo técnico conste a responsabilidade pela execução de obras ou serviços similares àqueles aspirados pelo órgão ou entidade da Administração”, destacando-se a ausência de definição na lei do que seria “quadro permanente”. Ponderou o relator da citada deliberação que o conceito de quadro permanente “reclama certa ampliação nas hipóteses em que a autonomia no exercício da profissão descaracteriza o vínculo empregatício sem afastar a qualificação do sujeito como integrante do quadro permanente, como é o caso dos profissionais da área de engenharia”, e prosseguiu: “A exigência de que as empresas concorrentes possuam vínculo empregatício, por meio de carteira de trabalho assinada, com o profissional técnico qualificado mostra-se, ao meu ver, excessiva e limitadora à participação de eventuais interessados no certame, uma vez que o essencial, para a Administração, é que o profissional esteja em condições de efetivamente desempenhar seus serviços no momento da execução de um possível contrato. Em outros termos, o sujeito não integrará o quadro permanente quando não estiver disponível para prestar seus serviços de modo permanente durante a execução do objeto do licitado”, assim, “se o profissional assume os deveres de desempenhar suas atividades de modo a assegurar a execução satisfatória do objeto licitado, o correto é entender que os requisitos de qualificação profissional foram atendidos. Não se pode conceber que as empresas licitantes sejam obrigadas a manter profissionais de alta qualificação, sob vínculo empregatício, apenas para participar da licitação, pois a interpretação ampliativa e rigorosa da exigência de vínculo trabalhista se configuraria como uma modalidade de distorção”. Nesse sentido, seria suficiente “a comprovação da existência de um contrato de prestação de serviços, sem vínculo trabalhista e regido pela legislação civil comum”. Em razão dessa e de outras irregularidades, o Tribunal rejeitou as razões de justificativas dos responsáveis e aplicou-lhes multa. (Acórdão 872/2016 Plenário, Relator Ministro-Substituto Marcos Bemquerer.) (GN)

     

    É ilegal a exigência, para participação em licitação, de comprovação de vínculo empregatício do responsável técnico com a empresa licitante. Também na Representação acerca da licitação conduzida pelo Município de Brasilândia D’Oeste/RO, fora apontada exigência de vínculo empregatício, na data de entrega da proposta, de engenheiro civil, ambiental e sanitarista com as licitantes. Realizado o contraditório, a relatora destacou que ‘a jurisprudência do Tribunal também é pacífica no sentido de ser ilegal a exigência de comprovação de vínculo empregatício do responsável técnico com a empresa licitante, pois impõe um ônus desnecessário aos concorrentes, na medida em que são obrigados a contratar, ou a manter em seu quadro, profissionais apenas para participar da licitação (acórdãos 103/2009 e 1.808/2011, do Plenário, entre outros)’. Pontuou a relatora que o objetivo da Administração é garantir que os profissionais indicados possam, de fato, desempenhar suas funções para garantir a execução do objeto licitado: ‘O vínculo do profissional qualificado não precisa, portanto, ser necessariamente trabalhista ou societário. É suficiente a existência de um contrato de prestação de serviços, regido pela legislação civil comum’. Nesse passo, ausentes as justificativas que embasassem a exigência editalícia, o Plenário acatou a proposta da relatora para que a Representação fosse considerada procedente, rejeitando-se as razões apresentadas pelos responsáveis e imputando-lhes multas individuais. (TCU. Acórdão nº 1.842/2013 – Plenário)

     

    Requisitos de habilitação indevidos: 2 - Necessidade de vínculo empregatício entre o responsável técnico e a licitante. Outra possível irregularidade apontada no edital da Concorrência n.º 002/2009, destinada à contratação das obras do Centro de Convenções de Umuarama/PR, envolvendo recursos federais transferidos pelo Ministério do Turismo, foi a ‘exigência de comprovação de vínculo empregatício entre o responsável técnico, elencado no subitem 3.3.7, e a proponente, mediante registro em carteira de trabalho e ficha de registro da empresa, decorrente do descumprimento do art. 30, § 1º, inciso I, da Lei nº 8.666/93, e de reiteradas decisões deste Tribunal’. Em seu voto, o relator ressaltou que a exigência de vínculo empregatício entre o responsável técnico e a proponente, na fase de habilitação, é, de fato, irregular. Além de extrapolar as exigências de qualificação técnico-profissional, ela poderia prejudicar o caráter competitivo da licitação. No entanto, o relator concordou com a unidade técnica que, no caso concreto, a aludida impropriedade não teve o condão de afetar a competitividade do certame. Dessa forma, a fim de evitar a sua repetição em futuras licitações com recursos federais e de cumprir a função pedagógica do Tribunal, o Plenário, nos termos do voto do relator, decidiu expedir alerta à Prefeitura Municipal de Umuarama/PR. Precedentes citados: Acórdãos n.os 2.170/2008, 800/2008, 141/2008 e 1.100/2007, todos do Plenário.”6 (grifou-se)

     

    Configura restrição ao caráter competitivo da licitação a exigência, para fins de comprovação da capacidade técnico-profissional, de demonstração de vínculo empregatício do profissional com a empresa licitante (arts. 3º, § 1º, inciso I, e 30, § 1º, inciso I, da Lei 8.666/1993). (TCU, Acórdão nº 3.144/2021, Plenário. Rel. Min. Bruno Dantas)

     

    Ao utilizar a expressão “apresentação de profissional”, a nova lei coloca uma pá de cal sobre a controvérsia, não deixando margem para interpretações equivocadas. A qualificação técnico-profissional se fará pela apresentação da licitante pelos mesmos meios já admitidos pela jurisprudência, isto é, por meio de registro de empregado ou a CTPS, contrato social, que demonstre que o profissional apresentado faz parte do corpo societário da licitante, contrato de prestação de serviço autônomo, ou, finalmente, o compromisso de que o profissional será contratado caso a empresa seja a adjudicatária e venha a ser convocada para executar o objeto.

    Isto esclarecido, seguimos com os requisitos impostos no inciso em estudo.

    O inciso faz referência que o profissional deverá ser “devidamente registrado no conselho profissional competente, quando for o caso”. Explica-se.

    As profissões de nível superior, em sua maioria, são exercidas pelos profissionais sob a fiscalização de entidades que têm a finalidade justamente de acompanhar e controlar o seu exercício. São os Conselhos Regionais da respectiva profissão. Tais profissões são reguladas por lei e o seu exercício, quando assim regulamentadas, exigem que o profissional obtenha o registro junto ao seu respectivo Conselho de Classe. O engenheiro, ao se formar na faculdade, ainda não pode responsabilizar-se por projetos de engenharia. Antes, deverá inscrever-se no CREA — Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura. Sem estar inscrito no CREA, o indivíduo, mesmo que tenha concluído a graduação de engenharia, não poderá exercer a profissão. O mesmo ocorre com o bacharel em Direito. Após diplomado no curso de graduação, não poderá exercer o ofício da advocacia enquanto não obter o registro na OAB.

    Correto o texto da nova lei ao exigir o registro no Conselho competente “quando for o caso”, na medida em que nem todas as profissões são afetadas por Conselhos de Classe, por exemplo, como é o caso dos Analistas de Sistemas. Portanto, somente se exigirá o registro se a profissão a que se refere a parte principal do objeto assim o exigir para exercício da profissão.

    Seguindo com a interpretação do dispositivo, este impõe que o profissional a ser apresentado deva ser detentor de “atestado de responsabilidade técnica por execução de obra ou serviço de características semelhantes”. Para correto entendimento, vamos explicar o que vem a ser essa comprovação. Tudo começa com a execução de contratos anteriores que podem gerar o chamado atestado de capacidade técnica.

    Atestado de capacidade técnica é uma declaração fornecida pelo cliente anterior do licitante na qual se afirma (atesta) que a empresa bem executou determinado contrato. Buscando se habilitar na licitação, o licitante se dirigirá ao seu cliente anterior para o qual teria realizado o objeto similar ao da licitação e solicitará que este expeça o respectivo atestado. Este atestado é o que figurará no rol de documentos a serem inseridos no sistema (no caso de licitações eletrônicas[6]) ou no envelope (no caso das licitações presenciais).

    Nos casos em que a atividade é regulamentada por lei e fiscalizada por Conselhos de Classe, após obter junto ao seu cliente o atestado de capacidade técnica, a empresa o leva a registro no seu respectivo Conselho Regional. O Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura foi das primeiras entidades de fiscalização profissional a criar um sistema de arquivamento das atividades dos profissionais de engenharia e arquitetura. A cada serviço executado, o profissional se dirige ao respectivo Conselho e apresenta um atestado do seu cliente em que nele se explicita todos os serviços por aquele executado. O Conselho avalia se os serviços estão de acordo com as habilitações do profissional e arquiva o atestado e pode emitir, a pedido do profissional, dois documentos para: a) a anotação de responsabilidade técnica – ART; e b) Certidão de Acervo Técnico – CAT.

    Os profissionais indicados pelo licitante para fins de comprovação da capacitação técnico-profissional deverão participar da obra ou serviço objeto da licitação, admitindo-se a substituição por profissionais de experiência equivalente ou superior, desde que aprovada pela administração, na forma do § 6º do art. 67 da Lei 14.133/2021.

    O inciso I do art. 67 da nova lei cria uma pequena confusão quando menciona que o profissional apresentado pela licitante deve ser “detentor de atestado de responsabilidade técnica”, o que é uma impropriedade considerando as regras dos Conselhos de Classe.

    Para que não sobre dúvidas entre esses termos e, consequentemente, confusão no momento da elaboração do termo de referência/projeto básico, tomando por base as normas do Sistema CONFEA/CREA, que são as mais frequentes, vamos definir abaixo o que vem a ser atestado; anotação; registro e certidão de acervo técnico.

    Quanto ao atestado de capacidade técnica, conforme definido alhures, é a declaração prestada pelo tomador da obra ou do serviço ou o adquirente dos produtos, ou seja, pelo cliente do licitante, na qual dá conta de que o mesmo realizou obra, serviço ou vendeu bens ou produtos sem que tenha havido qualquer fato que o desabone. Logo, atestado jamais será do profissional, uma vez que ele é emitido a favor do contratado, que é a empresa em que o profissional trabalha. Daí a impropriedade do termo utilizado no inciso I, do art. 67 da nova lei.

    Como o texto fala em “profissional detentor de atestado...”, por óbvio que quis se referir ao registro da atividade do profissional junto ao seu Conselho de Classe. No caso do Sistema CONFEA/CREA, o registro do acervo técnico relativo às atividades executadas pelos profissionais de engenharia vem regulamentado pela Resolução CONFEA nº 1.025/2009, cujo art. 47 assim dispõe:

     

    Art. 47. O acervo técnico é o conjunto das atividades desenvolvidas ao longo da vida do profissional compatíveis com suas atribuições e registradas no Crea por meio de anotações de responsabilidade técnica.

     

    Já o art. 57 da mesma Resolução, viabiliza que o profissional requeira o registro de atestado fornecido por pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado. Segundo o parágrafo único do mesmo dispositivo, atestado é a declaração fornecida pela contratante da obra ou do serviço cuja responsabilidade técnica o profissional pretende registrar. Importante destacar que o atestado é emitido em nome da empresa contratada para a execução da obra ou do serviço, jamais, emitida em nome do profissional. Quanto ao registro, veja-se a redação do art. 59, caput c/c seu §3º:

     

    Art. 59. O registro de atestado deve ser requerido ao Crea pelo profissional por meio de formulário, conforme o Anexo III, e instruído com original e cópia, ou com cópia autenticada, do documento fornecido pelo contratante. (GN)

    [...]

    § 3º Será́ mantida no Crea uma cópia do atestado apresentado.

     

    Em resumo, executada a obra ou o serviço, a empresa contratada receberá de seu cliente um atestado no qual conste as informações e características do objeto, bem como a indicação dos respectivos responsáveis técnicos. Estes, caso queiram, poderão requerer junto ao seu Conselho Regional, o registro deste atestado. Este registro gerará uma ART – Anotação de Responsabilidade Técnica. Ficará arquivado no CREA uma cópia do atestado que deu causa ao ART Como a ART somente é registrada contra apresentação de atestado, é correto afirmar que não há ART sem um atestado correspondente.

    Já a Certidão de Acervo Técnico-CAT é o conjunto de todos os ARTs do profissional. Daí falar-se em acervo técnico. Vem disposta no art. 59 da citada Resolução:

     

    Art. 49. A Certidão de Acervo Técnico - CAT é o instrumento que certifica, para os efeitos legais, que consta dos assentamentos do Crea a anotação da responsabilidade técnica pelas atividades consignadas no acervo técnico do profissional.

     

    Para fazer prova nas licitações, o profissional poderá emitir a Certidão da ART, que é a prova de que o Conselho Regional registrou um atestado que lhe rendeu as anotações de responsabilidade técnica registradas. Ou ainda, poderá emitir o CATCertidão de Acervo Técnico, que seria o conjunto de ARTs de que o profissional dispõe e que foi se acumulando ao longo de sua carreira.

    Em resumo:

    ·      Atestado de capacidade técnica: declaração do cliente anterior no qual relata a execução da obra ou do serviço. É emitido pelo tomador da obra/serviço em nome da empresa contratada.

    ·      Anotação de responsabilidade técnica – ART: é o registro do atestado, pelo profissional que se responsabilizou pela obra ou serviço, junto ao Conselho Regional. É emitido pelo Conselho Regional em nome do Profissional.

    ·      Certidão de acervo técnico – CAT: é o conjunto de ARTs do profissional registradas no Conselho Regional. A certidão é emitida pelo Conselho Regional, em nome do profissional.

     

    Já no Conselho Regional de Arquitetura e Urbanismo-CAU[7], que foi resultado do desmembramento do Sistema CONFEA/CREA, o que era ART se tornou RRT, Registro de Responsabilidade Técnica, mesma nomenclatura utilizada pelo Sistema CFA/CRA[8], para os profissionais Administradores.

    Portanto, a lei se equivocou ao usar o termo atestado, quando deveria ter se utilizado anotação ou registro de responsabilidade técnica, devendo assim ser interpretado.

     

    6. A necessidade de parametrizar a comparação entre o objeto da licitação e a experiência anterior: as chamadas parcelas de maior relevância

    Medir a qualificação técnica da licitante por meio de sua experiência anterior é uma tarefa extremamente difícil, dado que obras e serviços nunca são iguais. No campo da qualificação técnica, o Decreto-Lei nº 2.300/1986 se resumia a indicar que a capacidade técnica poderia ser demonstrada por meio de “comprovação de aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível, em quantidades e prazos com o objeto da licitação”. O referido normativo não dispunha como se daria essa comprovação.

    A Lei nº 8.666/1993 tratou desse tema com um pouco mais de sofisticação do que a norma que lhe antecedeu, estabelecendo que as exigências serão “limitadas exclusivamente às parcelas de maior relevância e valor significativo do objeto da licitação”. Não restava dúvida de que o dispositivo se referia aos pontos principais do escopo do serviço/obra. Estas parcelas é que aproximam o objeto anteriormente executado com o da licitação, possibilitando identificar a similitude em termos de características, quantidades e prazos.

    Mas o que seriam parcelas de maior relevância e valor significativo? Estava claro que “parcelas de maior relevância”, seriam aquelas do ponto de vista técnico, uma vez que o valor da parcela estaria expressamente albergado no texto do art. 30, § 1º, I da Lei nº 8.666/1993. Mas ainda permanecia a lacuna aberta sobre o que poderia ser considerado de relevo técnico, tornando-se altamente subjetivo. Também permaneceu intrigando os aplicadores da norma a questão do parâmetro para definição de “valor significativo”. Afinal, a partir de qual valor ou percentual sobre o valor estimado da contratação poderia ser considerado de valor significativo?

    Parcela de maior relevância técnica é a parte do todo da execução que apresenta características e elementos que evidenciam os pontos mais críticos, de maior dificuldade técnica, bem como que representam risco mais elevado para a sua perfeita execução. Trata-se aqui da essência do objeto licitado, aquilo que é realmente caracterizador da obra ou do serviço, que é de suma importância para o resultado almejado pela contratação. Já o conceito de valor significativo do objeto leva em consideração a relação estabelecida entre o valor da parcela eleita para comprovação da experiência e o valor total do objeto. Mas a Lei nº 8.666/1993 deixou em branco qual deveria ser este valor ou percentual sobre o valor do objeto, tornando subjetiva a sua aplicação. A nova lei soluciona esse problema ao estabelecer que será assim considerado o item que, sozinho, representar 4% (quatro por cento) ou mais em relação ao valor total estimado da contratação:

     

    Art. 67 [...]

    § 1º A exigência de atestados será restrita às parcelas de maior relevância ou valor significativo do objeto da licitação, assim consideradas as que tenham valor individual igual ou superior a 4% (quatro por cento) do valor total estimado da contratação.

     

    No regime da Lei nº 8.666/1993, o Tribunal de Contas da União firmou entendimento no sentido de que as parcelas eleitas para fins de habilitação técnica devem, ao mesmo tempo, ser de relevo técnico e valor significativo:

     

    ENUNCIADO

    As exigências de qualificação técnica devem se limitar às parcelas de maior relevância e valor significativo do objeto da licitação.

    [...]

    18. Coaduno-me com a unidade técnica no sentido de que tais requisitos não estão de acordo com o art. 30, § 1º, inciso I da Lei 8.666/1993, haja vista que as exigências devem se limitar às parcelas de maior relevância e valor significativo do objeto da licitação. Enquanto os serviços de terra armada respondem por apenas 0,6% do valor global da obra, os itens de concreto protendido representam apenas 3,17% do total dos serviços. Não se trata, portanto, de parcelas de valor significativo. Enquadram-se na mesma situação os serviços de transferência ou reassentamento de famílias, sequer cotados na planilha de formação de preços ou mesmo constantes da respectiva contratação. (Acórdão nº 517/2012, Plenário. Rel. Min. Ana Arraes)

     

    Na sua visão, se a parcela eleita é de valor significativo, mas não guarda nenhuma característica técnica de relevo, não poderá ser alvo de exigência editalícia. Do mesmo modo se a parcela for relevante tecnicamente, mas não representar valor significativo. Nesse sentido:

     

    ENUNCIADO

    A habilitação técnico-operacional só pode ser exigida de licitantes para demonstração da capacidade de execução de parcelas do objeto a ser contratado que sejam, cumulativamente, de maior relevância e de maior valor. (TCU, Acórdão nº 2.992/2011, Plenário. Rel. Min. Valmir Campelo) (GN)

     

    Pessoalmente, concordo apenas em parte com esse entendimento. Há casos, sim, que a parcela representa parte maior do custo total do objeto, mas que não representa nenhum desafio técnico. Diga-se, à guisa de exemplo, as parcelas relativas às estruturas de lajes em pré-moldados em obra de edificação, que, sozinha, pode representar próximo a 50% do valor total do empreendimento. Qualquer empreiteira realiza com facilidade essa parcela que, inclusive, costuma ser objeto de subcontratação, e que, por isso mesmo, não podem figurar como requisito de qualificação técnica. De lembrar que a capacidade da empresa em suportar o encargo financeiro da referida parcela estaria comprovada por meio da qualificação econômico-financeira. Portanto, concordo que, além de valor significativo, deve a parcela ser de relevo técnico. Mas, o contrário, não. E é nesse ponto que discordo do entendimento da Corte Federal de Contas.

    Importante reafirmar que as parcelas de maior relevância são aquelas que, quando mal executadas, reduzem os benefícios pretendidos com a realização do objeto ou atraem riscos não aceitáveis, isto é, que podem acarretar danos elevados de difícil reparação. A experiência da contratada nesses aspectos se torna fundamental para o sucesso do empreendimento, pois minimiza esses riscos. Vamos a um exemplo.

    Digamos que um Tribunal de Justiça esteja licitando a construção de um prédio que abrigará o Fórum da cidade. E que, os processos judiciais, todos, já sejam eletrônicos. Parte importantíssima da obra será a parcela relativa à instalação dos pontos de rede. Todos os serviços judiciários são dependentes de acesso à rede de computadores. Uma falha no sistema de pontos de rede lógica, inviabiliza a prestação jurisdicional, atividade fim do Tribunal, com claros e graves prejuízos tanto ao próprio órgão, como também, e principalmente, à sociedade. Ora, se uma pessoa conecta dois notebooks por meio de um cabo, já teremos uma rede. Mas definitivamente, não é disso que estamos falando. Neste exemplo, o órgão precisará tratar o risco de mal funcionamento da rede lógica por falha técnica da contratada. E isso basicamente se faz na fase de seleção do fornecedor, por meio da documentação de qualificação técnica. Apesar de a parcela relativa à instalação de rede lógica representar, quando muito, 0,1% do valor da obra, sua execução defeituosa trará gravíssimos prejuízos para a Administração, na medida em que somente seria possível identificar a falha na instalação da rede lógica no momento que forem ligados os computadores. Significa que o Tribunal teria realizado toda a mobilização de instalação das serventias judiciais e após conectar os computadores é que se saberia do defeito. Com isso haveria graves prejuízos para o Tribunal, porque teria que paralisar as atividades para que a empresa responsável pela obra fizesse todos os ajustes necessário, que pode envolver, até mesmo, ter de abrir as paredes e refazer todo o cabeamento. A sociedade também suportaria danos uma vez que, sem rede lógica operativa, os prazos dos processos judiciais não fluiriam.

    Daí porque entendo ser perfeitamente aceitável a unidade técnica apontar uma parcela de alta relevância técnica, mas cujo valor se situe abaixo do percentual estabelecido no parágrafo acima transcrito.

     

    7. A fixação dos quantitativos mínimos: uma evolução normativa

    A questão da fixação de quantitativos mínimos nas exigências de qualificação técnica foi alvo de intensos debates na doutrina e na jurisprudência. Isto porque o inciso I, do §1º, do art. 30 da Lei nº 8.666/1993 traz, em sua parte final, uma vedação expressa aparentemente neste sentido ao dispor que são “vedadas as exigências de quantidades mínimas ou prazos máximos.”

    Mas essa interpretação literal esbarrava em dois problemas. O primeiro, já aqui apontado, é que nenhuma obra ou serviço é igual ao outro. Se isso é verdade, como seria possível comparar projetos distintos sem um denominador comum? Imaginemos que a Prefeitura do Rio de Janeiro pretenda construir uma outra ponte para travessia da capital fluminense para a cidade de Niterói a fim de desafogar a Ponte Presidente Costa e Silva (conhecida como Ponte Rio-Niterói). Será uma obra de edificação complexa por atravessar a baía da Guanabara numa extensão de cerca de 14 quilômetros. Uma ART por execução de uma obra de construção de uma ponte sobre o leito de um riacho com extensão de 800 metros estaria compatível com características, quantidades e prazos? Claro que não.

    O segundo problema decorre da necessidade de se observar um dos mais importantes princípios licitatórios: o do julgamento objetivo (art. 5º, caput, da Lei nº 14.133/2021). Por ele, os editais de licitação somente poderão prever formas de classificar e habilitar licitante com esteio em critérios objetivos de julgamento, o que exige que os editais tragam tais parâmetros como critério de aferição do grau de compatibilidade dos atestados com o objeto. Nesse sentido:

     

    ENUNCIADO

    É obrigatório o estabelecimento de parâmetros objetivos para análise da comprovação (atestados de capacidade técnico-operacional) de que a licitante já tenha prestado serviços e fornecido bens pertinentes e compatíveis em características, quantidades e prazos com o objeto da licitação (art. 30, inciso II, da Lei 8.666/1993). (TCU, Acórdão nº 18.144/2021, Segunda Câmara. Rel. Min. André de Carvalho)

     

    Ora, se a comparação entre o objeto licitado e os atestados se faz a partir da compatibilidade de características, quantidades e prazos e os projetos quase nunca são comparáveis, a fixação de quantitativos mínimos da parcela que deve ser comprovada é um dos meios idôneos e mais precisos para que se estabeleça o grau de similitude entre o objeto a ser licitado e aquele que serviu de base para a emissão do atestado.

    Logo, a vedação acima apontada, não se referia a quantitativos da execução, mas a quantidade de atestados. Cláusulas que exijam, por exemplo, “no mínimo dois atestados” é que estão vedadas. Vejamos como cuidou do tema o Tribunal de Contas da União com base nos dispositivos da Lei nº 8.666/1993:

     

    ENUNCIADO

    Para comprovar a capacidade técnico-operacional das licitantes, guardada a proporção com a dimensão e a complexidade do objeto da licitação, podem-se exigir, desde que devidamente justificados, atestados de execução de quantitativos mínimos em obras ou serviços similares, limitados, contudo, às parcelas de maior relevância e valor significativo. (TCU, Acórdão nº 1.842/2013, Rel. Min. Ana Arraes)

     

    SÚMULA TCU 263: Para a comprovação da capacidade técnico-operacional das licitantes, e desde que limitada, simultaneamente, às parcelas de maior relevância e valor significativo do objeto a ser contratado, é legal a exigência de comprovação da execução de quantitativos mínimos em obras ou serviços com características semelhantes, devendo essa exigência guardar proporção com a dimensão e a complexidade do objeto a ser executado.

     

    7.1 Os limites para a fixação dos quantitativos mínimos

    Uma vez estabelecida a possibilidade de se fixar quantitativos mínimos para a parametrização dos atestados com o objeto a ser colocado em disputa, o próximo passo é saber até onde pode ir o edital em relação a esses números.

    Recorda-se que a CRFB, no seu art. 37, XXI, limita a exigência de qualificação técnica nas licitações ao indispensável ao cumprimento das obrigações. E, sendo assim, os quantitativos a serem fixados não podem ultrapassar, no caso concreto, o mínimo necessário para servir de base de comparação. Nesse aspecto, o Tribunal de Contas da União possui vasto repertório de julgados em que estabelece que, como regra, os quantitativos não podem ultrapassar 50% do objeto, salvo se robustamente justificado:

     

    ENUNCIADO

    A exigência de comprovação da execução de quantitativos mínimos em obras ou serviços com características semelhantes, para fins de atestar a capacidade técnico-operacional, deve guardar proporção com a dimensão e a complexidade do objeto e recair, simultaneamente, sobre as parcelas de maior relevância e valor significativo. Como regra, os quantitativos mínimos exigidos não devem ultrapassar 50% do previsto no orçamento base, salvo em condições especiais e devidamente justificadas no processo de licitação. (TCU, Acórdão nº 244/2015, Plenário. Rel. Min. Bruno Dantas)

     

    A exigência de comprovante de qualificação técnica (art. 30 da Lei 8.666/1993) contendo quantitativos superiores a 50% do previsto para a execução, sem motivação específica, constitui restrição indevida à competitividade. (TCU, Acórdão nº 2.595/2021, Plenário. Rel. Min. Bruno Dantas)

     

    É irregular a exigência de atestado de capacidade técnica com quantitativo mínimo superior a 50% do quantitativo de bens e serviços que se pretende contratar, exceto se houver justificativa técnica plausível. (TCU, Acórdão nº 2.696/2019, Plenário. Rel. Min. Bruno Dantas)

     

    Nas licitações realizadas por empresas estatais, é irregular a exigência de atestados de qualificação técnico-operacional com previsão de quantitativos desproporcionais ao objeto do certame, que não se atenham ao limite percentual de 50% do quantitativo do serviço licitado (art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, c/c art. 58 da Lei 13.303/2016). (TCU, Acórdão nº 1.621/2021, Plenário. Rel. Min. Benjamin Zymler)

     

    É irregular a exigência de atestado de capacidade técnico-operacional com quantitativo mínimo superior a 50% do quantitativo de bens e serviços que se pretende contratar, a não ser que a especificidade do objeto o recomende, situação em que os motivos de fato e de direito deverão estar devidamente explicitados no processo licitatório. (TCU, Acórdão nº 2.924/2019, Plenário. Rel. Min. Benjamin Zymler)

     

    Ainda sobre a fixação nos quantitativos, em um primeiro momento, o TCU não admitia que fossem estabelecidos parâmetros numéricos na capacitação técnico-profissional, mas apenas em relação à técnico-operacional[9]. Mais recentemente, revendo seu posicionamento, a Corte Federal de Contas passou a reconhecer que muitas vezes essa quantificação se faz necessária. Retornando ao exemplo da construção da nova ponte Rio-Niterói, o profissional que acompanhou a execução de 14 obras de construção de ponte com 1km de extensão cada, não tem a proficiência necessária para assumir o projeto de construir uma de 14kms. Nesse sentido:

     

    É legal, para a comprovação da capacidade técnico-profissional de licitante, a exigência de quantitativos mínimos, executados em experiência anterior, compatíveis com o objeto que se pretende contratar, cabendo à Administração demonstrar que tal exigência é indispensável à garantia do cumprimento da obrigação a ser contratada. (TCU, Acórdão nº 2.032/2020, Plenário. Rel. Min. Marcos Bemquerer)

     

    A Lei nº 14.133/2021, acolhendo a jurisprudência pacífica do TCU, ao contrário do silêncio da norma anterior, assim estabelece:

     

    Art. 67 [...]

    § 2º Observado o disposto no caput e no § 1º deste artigo, será admitida a exigência de atestados com quantidades mínimas de até 50% (cinquenta por cento) das parcelas de que trata o referido parágrafo, vedadas limitações de tempo e de locais específicos relativas aos atestados.

     

    Além do fato de estabilizar e objetivar o parâmetro, dois aspectos sutis merecem destaque. O primeiro deles é que a controvérsia anterior sobre a possibilidade ou não de fixação de quantitativos mínimos foi resolvida. O texto legal não faz diferenciação quanto à aplicação do percentual de 50%. Logo, poderão ser fixados quantitativos mínimos tanto para a capacitação técnico-profissional como a técnico-operacional.

    O segundo aspecto é que o percentual estabelecido na norma se apresenta de forma taxativa. Todavia, o próprio Tribunal de Contas da União admite que, de forma excepcional, esse percentual seja superado, desde que com as devidas justificativas técnicas. Penso que cabe interpretação extensiva para entender que o parágrafo estabeleceu uma regra geral, e que excepcionalmente, será viável fixar percentual maior, desde que robustamente justificado sob o ponto de vista técnico.

     

    7.2 A possibilidade (ou não) de soma dos atestados para alcance dos quantitativos mínimos

    Esses julgados apontam que a vedação ou limitação de somatório de atestados é medida excepcional, restrita a casos em que seja tecnicamente verificado que o estabelecimento de um determinado quantitativo de item de serviço implique aumento da complexidade de sua execução, exigindo maior capacidade operativa do licitante - que pode dizer respeito, por exemplo, a alocação de mão de obra, a locação de equipamentos ou a esforços de planejamento e coordenação.

     

    É irregular, quando não tecnicamente justificada, a limitação do número de atestados para fins de comprovação dos quantitativos mínimos exigidos para demonstrar a capacidade técnico-operacional da empresa na execução dos serviços de maior complexidade e relevância do objeto licitado. (TCU, Acórdão nº 1.101/2020, Plenário. Rel. Min. Vital do Rêgo)

     

    A vedação, sem justificativa técnica, ao somatório de atestados para comprovar os quantitativos mínimos exigidos na qualificação técnico-operacional contraria os princípios da motivação e da competitividade. (TCU, Acórdão nº 2.291/2021, Plenário. Rel. Min. Bruno Dantas)

     

    A posição do TCU no sentido de que a regra geral é a permissibilidade do somatório de atestados, que chegou a firmar o entendimento de que a omissão do edital quanto à viabilidade de se somar atestados a fim de atingir os quantitativos mínimos fixados não conduz à interpretação de que tal somatório seria vedado, uma vez que a vedação, sendo a regra excepcional, é que deve ser expressa. Veja-se o precedente:

     

    Não configura irregularidade a inexistência de regra expressa no edital permitindo o somatório de atestados de capacidade técnica. O impedimento à utilização de mais de um atestado é que demanda, além da demonstração do seu cabimento por parte do contratante, estar expressamente previsto no edital. (TCU, Acórdão nº 1.983/2014, Plenário. Rel. Min. José Múcio Monteiro)

     

    Caso o ato convocatório resolva vedar a soma de atestados, deverá apresentar as devidas justificativas técnicas, as quais, necessariamente, deverão apontar por que razões dois ou mais atestados, caso somados, não configurariam compatibilidade com o objeto.

    De todo modo, somente faria sentido falar-se em soma de atestados para comprovação de qualificação técnico-profissional nos casos em que se revelou necessário fixar quantitativos mínimos nas parcelas de maior relevância, o que, somente ocorre em casos excepcionais.

     

    7.3 Fixação das parcelas de maior relevância nas obras e serviços

    Nas obras e serviços é que entra o complicador da definição das parcelas técnico-profissionais e técnico-operacionais. Ou seja, antes mesmo de quantificar e estabelecer as características será preciso separar do conjunto do escopo quais são as parcelas de maior relevância técnica e valor significativo do objeto.

    Não se perca de vista que somente poderá figurar como parcela de maior relevância, as atividades que não comportam subcontratação, conforme já decidiu o TCU:

     

    REPRESENTAÇÃO. FALHAS EM EDITAL PADRÃO DO DNIT. PROCEDÊNCIA DAS JUSTIFICATIVAS DE ALGUNS DIRIGENTES. PROCEDÊNCIA PARCIAL OU IMPROCEDÊNCIA DAS JUSTIFICATIVAS DE OUTROS DIRIGENTES. MULTA. CONSIDERAÇÕES SOBRE POSSIBILIDADE DE SUBCONTRATAÇÃO DE FRAÇÕES RELEVANTES DO OBJETO LICITADO. DETERMINAÇÕES E ALERTAS. 1 - É inadmissível a subcontratação das parcelas tecnicamente mais complexas ou de valor mais significativo do objeto, que motivaram a necessidade de comprovação de capacidade financeira ou técnica pela licitante contratada. (TCU, Acórdão nº 3.144/2011, Plenário. Rel. Min. Aroldo Cedraz)

     

    A razão desse entendimento não chega a desafiar o intérprete. Se as parcelas que podem ser eleitas para fins de qualificação técnica devem ser de relevância técnica e de valor significativo em relação ao valor global do objeto, não faria sentido uma empresa se habilitar e vencer a licitação, mas, no momento da execução ser autorizada a indicar outra em seu lugar. Haveria, em verdade, uma desnaturação da pessoa jurídica habilitada. A contrário senso, o raciocínio se mantém. Se se permite que a contratada, que teve investigada a sua condição jurídica, técnica, fiscal e econômico-financeira, subcontratar partes do serviço ou da obra, somente faz sentido lógico que as parcelas subcontratáveis não tenham maior importância dentro do conjunto do empreendimento.

    A jurisprudência também entendia que não seria possível exigir do licitante que indicasse qual empresa seria por ela subcontratada, tampouco, que fosse exigido do licitante que apresentasse documentação de habilitação do subcontratado. O raciocínio é correto, uma vez que o subcontratado não firma relação jurídica com o órgão contratante, mas apenas com a pessoa do contratado, permanecendo, este, como único responsável pelo cumprimento das obrigações assumidas. Nada obstante, o TCU firmou entendimento de que o instrumento convocatório poderia exigir que a contratada, quando da execução da parcela subcontratada, apresentasse comprovação de experiência da empresa subcontratada naquela parcela:

     

    [...]

    9.3.3. exija das contratadas originais, nos casos abrangidos pelo subitem 9.3.2.2 desta decisão ou no caso da subcontratação de parcela da obra para a qual houve solicitação de atestados de qualificação técnica na licitação, como condicionante de autorização para execução dos serviços, a comprovação de experiência das subcontratadas para verificação de sua capacidade técnica, disposição essa que deve constar, necessariamente, do instrumento convocatório;[...](GN) (TCU, Acórdão nº 2.992/2011, Plenário, Rel. Min. Valmir Campelo)

     

    Todavia, a nova lei traz uma discutível novidade que é a possibilidade de o edital exigir não só a indicação como também a qualificação técnica do potencial subcontratado:

     

    Art. 67 [...]

    § 9º O edital poderá prever, para aspectos técnicos específicos, que a qualificação técnica seja demonstrada por meio de atestados relativos a potencial subcontratado, limitado a 25% (vinte e cinco por cento) do objeto a ser licitado, hipótese em que mais de um licitante poderá apresentar atestado relativo ao mesmo potencial subcontratado.

     

    A novidade começa pelo fato de que, ao contrário do regime anterior, em que o edital não poderia exigir, na licitação, a indicação do subcontratado, se houver exigência de qualificação técnica relativa à parcela subcontratável, obrigatoriamente o licitante terá de indicá-lo junto com os documentos de habilitação.

    Digo que a norma é discutível pelo fato de que, sendo parcela submetida à subcontratação, ficaria difícil caracterizá-la como de maior relevância. No entanto, essa questão fica temperada pelo fato de que os limites quantitativos são a metade para as parcelas a que ficarão a cargo da própria licitante.

    Além disso, o texto parece ter incorrido em equívoco ao ter indicado que o percentual de 25% seria sobre o valor do objeto. Não faz qualquer sentido que assim o seja, uma vez que a parcela eventualmente pode não representar 10% dos quantitativos do objeto. O texto deve ser interpretado em consonância com a Constituição que prevê exigências de qualificação técnica e econômico-financeira apenas nos limites indispensáveis ao cumprimento das obrigações a serem assumidas[10], ou seja, que o percentual de 25% sobre os quantitativos da parcela que ficará a cargo do potencial subcontratado.

    Aliás, outra sutileza esconde o dispositivo em estudo. O novo texto se utiliza da expressão potencial subcontratado. Significa que a licitante não será obrigada a manter o indicado no momento da execução. Claro que, caso venha a indicar empresa diversa, a nova subcontratada deverá apresentar qualificação técnica nos moldes fixados no edital como condição de assinatura do contrato.

    Destaque-se, por oportuno, que a nova lei, a despeito de possibilitar exigir qualificação técnica do subcontratado, nada falou em relação à sua habilitação jurídica, fiscal e trabalhista e econômico-financeira. O art. 122, § 2º da nova lei remete ao edital ou a regulamento próprio o estabelecimento de condições para a subcontratação, o que daria margem para que todas essas exigências recaíssem no potencial subcontratado. Entendo, todavia, que somente faria sentido exigir as demais categorias de documentos diante da hipótese de a Administração realizar pagamento direto ao subcontratado. Caso o pagamento seja integral a favor da empresa contratada, não se estabelecerá relação jurídica entre o subcontratado e a Administração, não fazendo qualquer sentido esta exigir daquele toda esse conjunto de documentos.

     

    8. Vedações: limitações de tempo, época, local e número mínimo

    O § 2º, do art. 67, em sua parte final carrega outra limitação quanto às exigências nos atestados que é a vedação à imposição de limitação de tempo (que tenha executado há menos de um ano); ou, em locais específicos (que tenha executado obra no Estado do Rio de Janeiro). Tais indicações, caso autorizadas, teriam enorme potencial para direcionar a contratação a uma empresa específica, motivo pelo qual andou bem o legislador em manter recepcionar vedação que constava do §5º do art. 30, da Lei nº 8.666/1993.

    Nada obstante, o Tribunal de Contas da União flexibilizou essa vedação no seguinte precedente:

     

    A exigência de atestados com limitação de época pode ser aceita nas situações em que a tecnologia envolvida só se tornou disponível a partir do período indicado. É essencial, contudo, que as exigências dessa natureza, por seu caráter excepcional, sejam especificadas e fundamentadas em estudos técnicos que constem no processo de licitação. (TCU, Acórdão nº 2.205/2014, Segunda Câmara. Rel. Min. Ana Arraes)

     

    O Relator fundamentou tal posição, considerando que “a vedação à exigência de atestados com limitação de época pode ser contemporizada nas situações em que a tecnologia envolvida só se tornou disponível a partir do período indicado.” Ouso discordar desse fundamento. E a razão é simples. Se o licitante se apresenta com um atestado que se refere à execução de serviço com uso de tecnologia diversa e já obsoleta, tal execução não seria compatível no quesito características com o objeto da licitação. Assim, ao invés de limitar em tempo ou época, a parcela de maior relevância deveria estar calcada na característica do objeto, e.g.que tenha executados os serviços com uso da tecnologia xxxxx”.

    Já em relação ao número mínimo, hodiernamente não há desafios hermenêuticos a serem vencidos, uma vez que o § 1º do art. 67 é expresso quanto a possibilidade de fixação de quantitativos mínimos para fins de comparação dos atestados com o objeto da licitação. A vedação se refere à quantidade de atestados. Se os quantitativos devem ficar em até 50% das quantidades a serem contratadas, não faria sentido exigir do licitante, por exemplo, que o mesmo apresente no mínimo dois atestados. Ora, se cada atestado tivesse que apontar execução anterior de 50% do objeto, o edital, em verdade, estaria exigindo comprovação de 100% do objeto, ultrapassando o limite estabelecido no dispositivo legal aqui indicado.

     

     

    *Luiz Claudio Chaves é Administrador e Jurista, Pós-Graduado em Direito Administrativo. Professor Convidado da Fundação Getúlio Vargas-FGV/PROJETOS e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro-PUC-RIO, e autor das seguintes obras: Curso Prático de Licitações, os segredos da Lei 8.666/93, Lumen Juris, 2011; Licitação Pública, Compra e Venda governamental Para Leigos, Alta Books, 2016; O Novo Pregão Eletrônico (co-autoria), Ed JML, 2018; Gerenciamento de Riscos nas Aquisições e Contratações de Serviços da Administração Direta, Estatais e Sistema S, Ed. JML, 2020; e, A Atividade de Planejamento e Análise de Mercado nas Contratações Governamentais, 2ª ed., Ed Fórum, 2022.. É articulista nos seguintes periódicos: Revista do Tribunal de Contas da União, ed. TCU; Revista RJML de Licitações e Contratos, ed. JML; ILC-Informativo de Licitações e Contratos, ed. ZÊNITE; Revista Infraestrutura Urbana, ed. PINI; Soluções em Licitações e Contratos-SLC, Ed. SGP; Revista FCGP, ed. Fórum; e, Revista Ordem Jurídica. Sua experiência profissional nas mais diversas funções ligadas às contratações públicas exercidas ao longo de mais de 30 anos junto Tribunal de Justiça/RJ, onde é servidor de carreira, aliado a seu elevado conhecimento técnico o credenciam como um dos mais expoentes conferencistas em temas relacionado às contratações públicas.

     

     



    [1] CRFB, art. 195, § 3º - A pessoa jurídica em débito com o sistema de seguridade social, como previsto em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.

    [2] Art. 27 – omissis [...] V – cumprimento do disposto nº inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal.

    [3] VARESCHINI, Julieta Mendes Lopes. Licitações Públicas. ed. JML, Curitiba: 2012, pág. 117.

    [4] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos.16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 537 e 541.

    [5] Op. Cit., p. 429.

    [6] Decreto Federal nº 10.024/2019: Art. 26. Após a divulgação do edital no sítio eletrônico, os licitantes encaminharão, exclusivamente por meio do sistema, concomitantemente com os documentos de habilitação exigidos no edital, proposta com a descrição do objeto ofertado e o preço, até a data e o horário estabelecidos para abertura da sessão pública. (GN). A disciplina anterior (Decreto Federal nº 5.450/2005) indicava que os documentos de habilitação somente seriam enviados via sistema após a declaração de vencedor.

    [9] Nesse sentido: Acórdão nº 2.521/2019, Plenário. Rel. Min. Marcos Bemquerer. E ainda: Ac. 165/2012, Plenário

    [10] Vide Capítulo 7.