Opinião

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    A COMPRA DE PRODUTOS PELA INTERNET, PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

     

                                     *Luiz Cláudio de Azevedo Chaves

     

     

    Resumo

    Observando o teor das normas licitatórias e de contratos contidas na Lei nº 8.666/1993, percebe-se que a referida lei trata as contratações a partir de modelos contratuais tradicionais para compras, obras e serviços. Nem é de se estranhar, visto que à época das discussões da norma no Congresso Nacional, quase não havia ferramentas de tecnologia que viabilizassem outros formatos. Estamos falando de um tempo em que os contratos eram formalizados por meio físico e assinados de próprio punho. Os pagamentos eram realizados por meio de cheques e a contabilidade quase não era informatizada. Nessa época, era muito comum os concursos públicos exigirem prova classificatória e eliminatória de datilografia. Mal se podia imaginar as maravilhosas soluções tecnológicas hoje disponíveis. E, uma dessas ferramentas tecnologias tem potencial para interferir diretamente no campo das contratações públicas: o e-commerce. Esse modelo de vendas atrai preços muito mais competitivos e vantajosos do que aqueles ofertados nos modelos tradicionais. É certo que a Administração Pública tem de acompanhar a evolução tecnológica e se servir das possibilidades disponíveis, de modo a melhorar a eficiência e qualidade dos gastos públicos. Mas, como possibilitar que órgãos da Administração Pública possam comprar produtos e serviços em sites de venda eletrônica, que não comporta competição e via de regra, exige pagamento à vista e de forma antecipada ao recebimento do objeto? A resposta para essas questões é o objeto do presente trabalho, que, nas linhas abaixo, buscará uma solução que equilibre o interesse público sob o ponto de vista comercial, formal e legal: comprar com as melhores vantagens possíveis, sem se afastar das normas licitatórias e de contratos. 

    Palavras-chave: Licitação. Contratos. Internet. Compra direta. Pagamento.

     

    Abstract

    Observing the content of the bidding rules and contracts contained in Law nº 8.666/1993, it can be seen that the referred law deals with contracts based on traditional contractual models for purchases, works and services. Nor is it surprising, given that at the time of discussions of the norm in the National Congress, there were almost no technology tools that enabled other formats. We are talking about a time when contracts were formalized by physical means and signed by hand. Payments were made through checks and accounting was almost not computerized. At that time, it was very common for public tenders to require classification and eliminatory typing tests. One could hardly imagine the wonderful technological solutions available today. And, one of these technological tools has the potential to interfere directly in the field of public procurement: e-commerce. This sales model attracts much more competitive and advantageous prices than those offered in traditional models. It is true that the Public Administration has to keep up with technological developments and make use of available possibilities, in order to improve the efficiency and quality of public spending. But, how to make it possible for Public Administration bodies to buy products and services on electronic sales sites, which do not involve competition and, as a rule, require payment in cash and in advance of receiving the object? The answer to these questions is the object of the present work, which, in the lines below, will seek a solution that balances the public interest from a commercial, formal and legal point of view: to buy with the best possible advantages, without departing from the bidding rules and contracts.

    Keywords: Bidding. Contracts. Internet. Direct purchase. Payment.

     

     

    Sumário: 1. Introdução. 2. A utilização do e-commerce pela Administração Pública. 3. A possibilidade jurídica de se adotar o pagamento antecipado pela Administração Pública. 3.1 – Os deveres constitucionais de eficiência, razoabilidade e economicidade. 3.2 – A harmonização das normas de Direito Financeiro com os princípios constitucionais da eficiência, razoabilidade e economicidade. 3.3 – A viabilidade de se estabelecer pagamento antecipado nas contratações públicas. 3.4 – A excepcionalidade do pagamento antecipado e o dever de a Administração respeitar as práticas usuais de mercado. 4. Cautelas para a contratação no formato e-commerce. 5. Requisitos para a adoção do pagamento antecipado. 6. Propostas de soluções. 7. Conclusões

     

     

     

    1. Introdução

    Destacamos, no resumo que epigrafa este trabalho que a Lei Federal nº 8.666/1993 foi concebida numa época em que internet, telefonia móvel, armazenamento de dados na nuvem e outras tecnologias hodiernamente muito comuns e acessíveis a todos os brasileiros eram considerados devaneios de ficção científica.

    No campo da tecnologia da informação, o Brasil estava saindo de uma reserva de mercado que teve início em 1977 que acabou por atravancar o avanço tecnológico no País, efeito totalmente contrário aos objetivos da política de informática implementada pelo Governo Militar, que era o de obter tecnologia de ponta e criar uma indústria local competitiva[1]. Já a telefonia móvel somente se iniciou no final do ano de 1990 e assim mesmo operando somente na cidade do Rio de Janeiro para 10 mil terminais. Em que pese ter sido um importante marco para a telefonia brasileira, o serviço era praticamente um embrião. Não se imaginava que atingiria a capilaridade que hoje se vê. Segundo dados da ANATEL[2], atualmente há mais de 200 milhões de linhas móveis ativas no País.

    Falando de internet, no Brasil, a conexão de computadores por uma rede somente era possível para fins estatais. Em 1991, a comunidade acadêmica brasileira conseguiu, por intermédio do Ministério da Ciência e Tecnologia, acesso a redes de pesquisas internacionais. Apenas em maio de 1995, a rede foi aberta para fins comerciais, ficando a cargo da iniciativa privada a exploração dos serviços.[3]

    A explanação acima é importante para contextualizar o momento a partir do qual vimos entrar a lei licitatória que regulamenta o art. 37, XXI da Carta Política de 1988. Quando é criada, a norma recebe tratamento a partir das informações conhecidas pelo legislador. As relações que serão tuteladas são aquelas por ele conhecidas. Com o ingresso da norma no sistema jurídico, esta mesma norma atingirá relações e interesses que sequer poderiam ser imaginadas à época de sua criação. É exatamente o que vemos ocorrer nos dias atuais com as normas que orientam o atua da Administração Pública.

    Assim, o que hoje nos parece retrógrado em termos de normas licitatórias, mormente sobre contratos, em verdade, é fruto daquilo que se tinha conhecimento à época da sua criação.

    O mundo se globalizou, se modernizou. É mister que a Administração Pública acompanhe esse movimento, pois a sociedade não pode prescindir dessa atualização a fim de que seus interesses sejam plenamente satisfeitos. É necessário que a máquina estatal seja, ao mesmo tempo, ágil, moderna e transparente.

    Vertendo o olhar para as contratações públicas, não é desconhecida a dificuldade crônica que a Administração Pública enfrenta para adquirir bens e serviços. Além daquelas decorrentes do (necessário) processo burocrático, as de natureza financeira são extremamente sensíveis.

    Por óbvio que, a fim de colocar em prática o conjunto de políticas públicas planejadas, bem como manter em operação a máquina estatal, os órgãos e entidades da Administração Pública precisam se servir do mercado, assim entendido, o conjunto de empresas fornecedoras e prestadoras de serviço para contratar coisas, obras e serviços. Necessita, pois, estabelecer relações comerciais saudáveis a fim de que possa dar sustentação às ações governamentais.

    Essa relação somente se consolida a partir do momento em que o negócio comercial oferecido pelo Poder Público se mostra atrativo ao mercado. As empresas têm de se interessar em vender para o governo. Quando não há interesse, a relação negocial não se concretiza. Apesar de o Estado ser um grande comprador de bens e serviços, pois contrata em volume e regularidade praticamente imbatíveis[4], infelizmente, em boa parte dos casos, não se revela o melhor contratante.

    Problemas que vão desde exigências de comprovações fiscais previstas na legislação, mas que reduzem o universo de possíveis contratados, até ao descrédito na integridade dos agentes públicos envolvidos no processo, passando por conhecidos atrasos no pagamento de faturas, vão afastando parcela significativa do mercado, que opta por atuar em segmentos nos quais a liquidez e o risco empresarial são muito menores. Mesmo nos casos em que o órgão contratante é pontual nos pagamentos e cumpridor das obrigações avençadas, a oportunidade de negócio oferecida pode não ser suficientemente sedutora. A Administração Pública goza de prerrogativas que não são afetas aos contratos privados, que são pautados pelo sinalagma, tais como a possibilidade de rescisão e alteração unilateral entre outras cláusulas exorbitantes. Avançando nessa análise fática, há situações de extremo risco empresarial, como nos casos de contratação por meio do Sistema de Registro de Preços, posto que as quantidades oferecidas nem sempre são efetivadas em razão da desobrigação de a Administração Pública contratar todas as quantidades registradas. Esse movimento de resistência foi objeto de reflexão das competentíssimas juristas Cristiana Fortini e Juliana Picinin[5], ao avaliar o cenário das contratações públicas na vivência da pandemia. Na oportunidade, destacaram que:

    O risco de não receber, de receber com atraso e sem juros, de ter o contrato rescindido, ainda que não se possa atribuir falha ao contratado, de sofrer sanções por vezes dilacerantes, contribuem para o alto preço praticado. [...] Portanto, a reação de parte importante dos fornecedores hoje apenas escancara a realidade de má pagadora da Administração Pública brasileira.

     

    Seguindo a mesma linha de pensamento, Marcos Nóbrega[6] adverte que a ineficiência das contratações públicas não está vinculada apenas às questões relacionadas à quebra de integridade de agentes públicos, mas também pela insistência em se manter procedimentos arcaicos que permitem perpetuar a ineficiência da modelagem das contratações públicas.

    É um grande equívoco ignorar a realidade econômica das relações contratuais da Administração Pública com os particulares, desprezando as evidências de que o excessivo formalismo ou conservadorismo pode gerar empecilhos à competitividade e diversos custos transacionais que afetam o resultado do processo seletivo e da própria execução contratual.[7]

    O mercado é sensível. Quanto maior a incerteza sobre a conclusão do processo de compra, maior será o risco do negócio. E o risco elevado, eleva o preço.[8] Tais custos promovem uma espécie de limitação econômica que dificulta ou mesmo inviabiliza o mercado de se tornar partícipe de um negócio comercial que, em princípio, aparenta ser lucrativo.

    Veja-se a questão do prazo e meios de pagamento, que será um dos pontos nodais a serem aqui enfrentados. É de conhecimento popular que as compras feitas no formato à vista atraem preços mais brandos. Isto porque, o risco de inadimplência é integralmente afastado, permitindo que o empresário possa reduzir o custo da transação. Explica-se: em um conjunto de vendas a prazo (maior risco de inadimplência), o preço final do produto incluirá um delta que compensará a inadimplência de alguns. Assim, o empresário consegue suportar certo nível de inadimplência em razão da pontualidade dos demais compradores. Se o risco de inadimplência é afastado, esse acréscimo passa a ser dispensável, o que reduz o preço final do produto.

    A Lei de Licitações impõe um prazo máximo para que a Administração Pública providencie seus pagamentos. É o que dispõe o art. 40, XV

    Art. 40. [...]

    XIV - condições de pagamento, prevendo:

    a) prazo de pagamento não superior a trinta dias, contado a partir da data final do período de adimplemento de cada parcela;

     

    Apesar de ser o máximo aceitável pela lei, tornou-se padrão entre os órgãos da Administração Pública realizar os pagamentos a fornecedores e prestadores de serviço com 30 dias após a liquidação da despesa.[9] [10] Muito embora não haja óbice algum a que as faturas sejam pagas em prazo mais curto, os órgãos tratam os fornecedores com a regra mais rigorosa possível, esquecendo-se de que tal tratamento atrai preços mais elevados ou o desinteresse do empresário.

    Certamente tais circunstâncias é que levam diversas empresas, dentre elas, os grandes varejistas, a recusarem contratar com o Poder Público, como é bastante cediço. Essa situação acaba impedindo que a Administração de se servir das ofertas mais vantajosas que o mercado tem a oferecer.

    Posta a situação-problema, fundamentalmente, dois serão os aspectos a serem aqui analisados: a) se é possível a Administração Pública contratar bens e serviços por meio de lojas virtuais; e, b) se é possível realizar o pagamento por boleto bancário ou cartão corporativo. Nesse contexto, também será alvo de estudo a viabilidade de a Administração Pública realizar pagamento antecipado ao recebimento do objeto, visto que, caso admitida a aquisição em lojas virtuais, essa é a forma usual de contratação, pois, nesse modelo, o cliente escolhe o produto, faz o pagamento e, somente após sua confirmação é que o produto adquirido é encaminhado ao comprador. Tudo, com o objetivo central de verificar se a Administração pode melhorar as condições de contratação com vistas à atração da verdadeira proposta mais vantajosa.

    A hipótese é atual e guarda alta relevância, mormente pela tendência acelerada de crescimento do comércio eletrônico e todas as ferramentas comerciais nele envolvidas, o que vem atraindo o empresariado justamente porque, com esse formato de vendas, mitiga-se o risco de inadimplemento do cliente. Se trazido para o campo das contratações públicas, mitigar-se-á o risco do afastamento desse mercado em participar de suas contratações. Assim, espera-se que as conclusões que advirão do presente estudo poderão servir de bússola para as inúmeras situações concretas futuras.

    Feita essa breve introdução, passa-se a análise propriamente dita.

     

    2. A utilização do e-commerce pela Administração Pública

    O primeiro ponto a ser investigado é se é possível a Administração Pública se utilizar de lojas virtuais para aquisição de coisas e contratação de serviços.

    De plano, consigne-se que tal possibilidade somente pode ser objeto de apreciação se considerada a hipótese de dispensa de licitação. Isto porque a aquisição de produtos em lojas virtuais é incompossível de ser submetida a cotejamento de propostas, uma vez que a característica da venda pela internet é assemelhada à da adjudicação direta. Ademais disso, caso assim o desejassem, os grandes varejistas e demais lojas virtuais poderiam perfeitamente participar de certames licitatório, pois a eles não é vedada a participação. Só não o fazem justamente pela falta de interesse na oportunidade de negócio.

    Não é controverso o fato de que a internet impactou comércio em todos os segmentos. A redução de custos operacionais com a eliminação de lojas físicas, associado à maior capilaridade no alcance da clientela, propiciou às empresas alavancar seus negócios. Hodiernamente, vemos o fenômeno do marketplace[11] dar maior amplitude a essas vantagens, sendo, na opinião de Carol Kuviatkoski[12], um dos modelos de negócio mais rentáveis do mercado. Ricardo Zacho[13] explica que:

    O marketplace é um modelo de negócio que surgiu no Brasil em 2012, também é conhecido como uma espécie de shopping center virtual. É considerado vantajoso para o consumidor, visto que reúne diversas marcas e lojas em um só lugar, facilita a procura pelo melhor produto e melhor preço. (GN)

     

    É justamente no que se transformaram as grandes varejistas como Lojas Americanas, Magalu, entre outros. É fácil explicar o motivo. Como essas lojas virtuais têm grande alcance ao mercado e custos reduzidos, conseguem praticar preços muito mais vantajosos em razão da economia de escala[14].

    Se considerado o rol de princípios insculpidos no caput do art. 37, da CRFB, notadamente, os da economicidade e o da eficiência, não é razoável admitir que o setor público se veja impedido de utilizar das tecnologias disponíveis nos meios eletrônicos, para atrair maior vantagem nas suas compras, quanto mais pelo fato de que já vem se beneficiando das ferramentas tecnológicas para melhorar suas contratações, com a ampliação do uso do formato eletrônico para as licitações e também para as contratações diretas.

    Por lado outro, não há na legislação nenhum dispositivo que exija que o contratado exerça sua atividade empresária por meio de estabelecimento comercial físico. Logo, não há qualquer empecilho apto a afastar a modalidade de compra virtual pela Administração Pública. Aliás, sobre esse tema, já se manifestou o Tribunal de Contas da União:

    A exigência de loja física em determinada localidade para prestação de serviços de agenciamento de viagens, com exclusão da possibilidade de prestação desses serviços por meio de agência virtual, afronta o disposto no art. 3º, § 1º, inciso I, da Lei 8.666/1993. (Acórdão n.º 6798/2012-1ª Câmara, TC-011.879/2012-2, rel. Min. José Múcio Monteiro, 8.11.2012.)

     

    Vários são os serviços que podem ser executados remotamente, como os de certificação digital, de gerenciamento de mídias sociais, entre outros. Cite-se ainda a contratação de transporte de pessoas por aplicativo e ainda as capacitações contratadas diretamente em plataformas universais treinamento, como o Udemy e Hotmart.

    Por tal motivo, seria mesmo absurda a obrigatoriedade de que a empresa a ser contratada pela Administração possua sede física. Ora, se a legislação empresarial e fiscal admite o exercício de atividade empresária por meio virtual, por óbvio que não seria a Lei de Licitações e Contratos o campo para inadmitir essa possibilidade. Aliás, nem a Lei nº 8.666/1993, tampouco a Lei nº 14.133/2021 apresentam qualquer dispositivo condicionante de eficácia da contratação, à existência de estabelecimento físico da pessoa do contratado.

    No entanto, a contratação com portal eletrônico de vendas não dispensa o gestor das formalidades legais a que está submetido. Ressalte-se que deve ser instaurado o competente processo administrativo prévio em que fique devidamente justificado o motivo da dispensa, bem como a instrução com os requisitos exigidos no artigo 26, parágrafo único, da Lei nº 8.666/1993:

    Art. 26. [...]

    Parágrafo único. O processo de dispensa, de inexigibilidade ou de retardamento, previsto neste artigo, será instruído, no que couber, com os seguintes elementos:

    I - caracterização da situação emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa, quando for o caso;

    I - caracterização da situação emergencial, calamitosa ou de grave e iminente risco à segurança pública que justifique a dispensa, quando for o caso;

    II - razão da escolha do fornecedor ou executante;

    III - justificativa do preço.

    IV - documento de aprovação dos projetos de pesquisa aos quais os bens serão alocados.

     

    Cuidando-se de uma relação jurídico-contratual, deve ser observado, no que for compatível o disposto no artigo 38 da norma regente. Além dos requisitos legais autorizadores, deve ficar demonstrado também que o preço cobrado é compatível com o praticado pelo mercado, isto é, deve haver prévia pesquisa de preços. Por fim, deve ser observada a regra prevista no art. 60 da Lei Federal nº 4.320/1964, no sentido de que é vedada a realização de despesa sem o prévio empenho. No mesmo sentido, colhe-se resposta à consulta formulada ao Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da Bahia:

    CONSULTA. COMPRAS PELA INTERNET. DISPENSA EM RAZÃO DO VALOR. POSSIBILIDADE. Ao contratar com portal eletrônico de vendas de bens, o gestor não pode se descuidar de exigir a documentação mínima necessária para a dispensa de licitação fundada no art. 24, II, assim como atentar-se para o cumprimento do art. 26, parágrafo único. Do mesmo modo, deve compatibilizar as características do e-commerce com o regramento legal, para que a contratação direta seja processada com os procedimentos devidos, inclusive com a observância das etapas da despesa pública. A compra em site eletrônico sem a observância do rito administrativo para a contratação direta contraria a Lei de Licitações. (Parecer nº 01067-19, Processo nº 07815e19)

     

    Sendo assim, vencido o primeiro ponto controvertido, entende-se sobre a possibilidade de a Administração Pública contratar com loja virtual, respeitadas as formalidades acima expostas.

    Passemos ao segundo aspecto.

     

    3. A possibilidade jurídica de se adotar o pagamento antecipado pela Administração Pública.

    Conforme já dito anteriormente, uma vez que a Administração lance mão da compra em lojas virtuais, o pagamento invariavelmente (salvo raríssimas exceções) se dará de forma antecipada. Trata-se de condição para que a compra seja aperfeiçoada. A loja virtual só iniciará o procedimento de remessa do bem adquirido após a conformação do pagamento. Como se sabe., o pagamento antecipado está longe de ser uma prática corriqueira entre os órgãos e entidades do Poder Público. A fim de verificar se há possibilidade de pagamento antecipado, faz-se mister esclarecer o que prescreve a legislação correlata sobre o processo de pagamento a fornecedores a que se submete a Administração Pública.

    A Lei nº 4.320/1964, também chamada de Lei de Meios, que estatui normas gerais de Direito Financeiro, descreve o processo de pagamento, dividindo-o em três fases: a) empenho; b) liquidação; e, c) pagamento. O texto prescreve o seguinte:

    Art. 60. É vedada a realização de despesa sem prévio empenho.

    [...]

    Art. 62. O pagamento da despesa só será efetuado quando ordenado após sua regular liquidação.

    Art. 63. A liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito.

    § 1° Essa verificação tem por fim apurar:

    I - a origem e o objeto do que se deve pagar;

    II - a importância exata a pagar;

    III - a quem se deve pagar a importância, para extinguir a obrigação.

    § 2º A liquidação da despesa por fornecimentos feitos ou serviços prestados terá por base:

    I - o contrato, ajuste ou acordo respectivo;

    II - a nota de empenho;

    III - os comprovantes da entrega de material ou da prestação efetiva do serviço.

    Art. 64. A ordem de pagamento é o despacho exarado por autoridade competente, determinando que a despesa seja paga.

    Parágrafo único. A ordem de pagamento só poderá ser exarada em documentos processados pelos serviços de contabilidade.

    Art. 65. O pagamento da despesa será efetuado por tesouraria ou pagadoria regularmente instituídos por estabelecimentos bancários credenciados e, em casos excepcionais, por meio de adiantamento.

     

    Conforme acima apontado, o art. 60 do diploma legal em tela veda a realização de despesa sem prévio empenho. Assim, a primeira fase da despesa é o empenho. É a etapa em que o órgão público reserva a dotação orçamentária com o fito de garantir que o recurso financeiro, quando disponível o crédito orçamentário[15], seja direcionado ao adimplemento da obrigação contraída.

    Ao mesmo passo, estatui o art. 58 da Lei nº 4.320/1964, o empenho de despesa é o ato emanado de autoridade competente que cria para o Estado obrigação de pagamento pendente ou não de implemento de condição. Conforme leciona o saudoso Prof. Heraldo da Costa Reis[16], o empenho é:

    Uma reserva que se faz, ou garantia que se dá ao fornecedor ou prestador de serviços, com base em autorização e dedução da dotação respectiva, de que o fornecimento ou o serviço contratado lhe será pago, desde que observadas as cláusulas contratuais.

     

    Portanto, o empenho é a fase que cria para o Estado o dever de adimplir as obrigações contraídas perante o credor. Tanto o é, que a Nota de empenho — que é a formalização do empenho — é considerado título executivo extrajudicial, dado que apresenta os requisitos da certeza, liquidez e exigibilidade, nos termos do art. 783 do CPC, como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

    Em suma, as notas de empenho revelam obrigação líquida e certa assumida pela entidade pública, passível de exigibilidade pela via executiva. Repita-se, conclusão inversa implicaria impor ao credor do Estado por obrigação líquida e certa instaurar processo de conhecimento para definir direito já consagrado pelo próprio devedor através de ato da autoridade competente. (REsp 331.199/GO, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julg. em 07/02/2002)

     

    A segunda fase da despesa, é a liquidação, sendo que, nos termos do acima transcrito art. 62, é condição para implementação da terceira fase, a do pagamento.

    Na lição do autor suso citado,[17], a liquidação é a verificação do cumprimento do implemento da condição, aduzindo que se trata de “verificar o direito do credor ao pagamento, isto é verificar se o implemento de condição foi cumprido.” Tal condição, nos casos de contratação, é a verificação da realização, por parte do contratado, do objeto do contrato, seja ele obra, serviço ou compra. É a constatação da ocorrência do fato gerador da despesa e os respectivos impactos a serem produzidos no patrimônio da entidade.

    Da leitura dos dispositivos acima transcritos, o § 2º, III aparentemente se apresenta como o verdadeiro entrave à possibilidade de pagamento antecipado. Ao dispor que a liquidação da despesa terá por base “os comprovantes da entrega de material ou da prestação efetiva do serviço”, o texto normativo, em princípio, induz o aplicador à interpretação no sentido de que a contraprestação ao fornecedor/prestador de serviço somente poderá ser implementada após o recebimento definitivo do objeto. E, sendo assim, a Administração estaria impedida de contratar com as lojas virtuais e, com isso, deixaria de se servir de ótimos fornecedores e preços muito mais vantajosos. Talvez essa não seja a melhor solução, pois, na clássica lição de Carlos Maximiliano[18]:

    Deve o Direito ser interpretado inteligentemente: não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter a conclusões inconsistentes ou impossíveis. Também se prefere a exegese de que resulte eficiente a providência legal ou válido o ato, à que torne aquela sem efeito, inócua, ou este, juridicamente nulo.

     

    3.1 – Os deveres constitucionais de eficiência, razoabilidade e economicidade

    Com o advento da Emenda Constitucional nº 19, a Administração Pública passou a ser também orientada pelo dever de observância ao princípio da eficiência e, desde então, a doutrina vem tentando interpretar esse princípio de modo a tirá-lo do campo abstrato, para indicar, com pragmatismo, quais são os deveres a ele inerentes a pautar a atuação do agente público.

    A eficiência, encontra origem na ciência da Administração, que é que mais se ocupou e ocupa em classificá-lo. Um dos mais festejados autores da ciência da Administração, Idalberto Chiavenato5, explica que toda organização deve ser analisada sob o escopo da eficácia e da eficiência, ao mesmo tempo:

    [...] eficácia é uma medida normativa do alcance dos resultados, enquanto eficiência é uma medida normativa da utilização dos recursos nesse processo. (...) A eficiência é uma relação entre custos e benefícios. Assim, a eficiência está voltada para a melhor maneira pela qual as coisas devem ser feitas ou executadas (métodos), a fim de que os recursos sejam aplicados da forma mais racional possível [...].

     

    Para a ciência da Administração, portanto, a eficiência não se preocupa com os fins, ou seja, os resultados, mas apenas com os meios, quer dizer, a forma utilizada para a busca dos resultados pretendidos. Os resultados a serem obtidos é a preocupação da eficácia.

    Certo, porém, que nem sempre ambos os conceitos aparecem simultaneamente, muito embora, esse seja o ideal. Para qualquer organização, ser eficiente (desenvolver meios adequados de se atingir bons resultados) e ser eficaz (efetivamente atingi-los) é o ideal a ser alcançado. Ocorre que, não raro, o administrador usa de meios adequados mas ainda assim não consegue atingir os objetivos que buscava alcançar. O autor acima citado prossegue, aduzindo que:

    À medida que o administrador se preocupa em fazer corretamente as coisas, ele está se voltando para a eficiência (melhor utilização dos recursos disponíveis). Porém, quando ele utiliza estes instrumentos fornecidos por aqueles que executam para avaliar o alcance dos resultados, isto é, para verificar se as coisas bem feitas são as que realmente deveriam ser feitas, então ele está se voltando para a eficácia (alcance dos objetivos através dos recursos disponíveis).[19]

     

    Tendo sido alçado à condição de norma jurídica, certo é que o dever de eficiência encontrará na própria ciência jurídica o seu significado. Os mais renomados autores do Direito Administrativo pátrio lançaram muitas dúvidas quanto à efetividade da norma, ou seja, quanto à sua aplicação prática no dia a dia das repartições e como controlar o atendimento a essa norma. Carvalho Filho[20] anota que a grande preocupação dos publicistas é justamente “a questão ao controle da observância do princípio da eficiência” dada a complexidade que envolve o tema. Hely Lopes de Meirelles[21] entende que:

    [...] o Princípio da Eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e seus membros.

     

    Sendo assim, pode-se afirmar que, eficiência é meio; eficácia é resultado. Logo, não se admite que haja confusão entre esses dois conceitos, nem tampouco que sejam tratados como se fossem sinônimos. Como uma norma jurídica não pode prescrever um resultado, mas apenas uma conduta (omissiva ou comissiva) para o indivíduo, o princípio constitucional não está a obrigar o agente público a atingir um dado resultado, mas o obriga a buscar o melhor resultado possível ao interesse público. Por isso, o dever de eficiência é um dever de meio.

    Nesse sentido, ninguém menos do que Cintra do Amaral[22]:

    [...] o princípio da eficiência, contido no caput do art. 37 da Constituição, refere-se à noção de obrigação de meios. Ao dizer que o agente administrativo deve ser eficiente, está-se dizendo que ele deve agir, como diz TRABUCCHI, com ‘a diligência do bom pai de família’ (destaques do original).

     

    Diante de tudo o que foi dito, o dever de eficiência é a obrigação na qual o agente tem o dever de utilizar todos os meios disponíveis e adequados para o alcance dos objetivos colimados, não se conformando com o mínimo necessário, ainda que de acordo com a letra fria da norma.

    Na esteira do dever de eficiência, emerge, com igual força, o dever de razoabilidade, que, nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello[23], significa que, no exercício da discrição agente deverá decidir a partir de critérios aceitáveis, do ponto de vista racional, ou seja, adotar a solução ótima para a Administração.

    Não se perca de vista que o agir do gestor público deve ser pautado pelo não menos importante princípio da economicidade, cuja previsão repousa em sede constitucional (CRFB, art. 70).

    O dever de economicidade não pode ser confundido com o “dever de economizar”, mas quer dizer, o dever de o Poder Público realizar a despesa de forma inteligente. Nem sempre gastar menos significa gastar melhor. Pode-se dizer que o dever de economicidade é o viés financeiro do dever de eficiência.

     

    3.2 – A harmonização das normas de Direito Financeiro com os princípios constitucionais da eficiência, razoabilidade e economicidade

    É bastante cediço que a interpretação literal (legalidade estrita) não se revela a melhor solução quando envolvidos vários interesses a serem tutelados. Adotar-se um olhar estanque sobre as disposições dos arts. 62 e 63 da Lei nº 4.320/1964 pode acarretar, em certos casos, prejuízos justamente ao bem jurídico que a citada norma pretendia tutelar. Seria ilógico admitir interpretação que cause sacrifício aos interesses da coletividade. Faz-se mister sopesar, por na balança, os diversos princípios aplicáveis e, a partir daí, extrair da norma a melhor solução ao desiderato a que se destina.

    Ronny Chaves, Anderson Pedra e Rafael de Oliveira[24], em excelente trabalho no qual, abordam minudentemente a temática do pagamento antecipado na Administração Pública, se encaminham no sentido dessa harmonização. Com apoio na doutrina de Canaris, os autores discorrem sobre o método da interpretação sistemática e da concordância prática, como a solução adequada para o enfrentamento do problema ora tratado:

    Pelo método da interpretação sistemática o intérprete deve partir do pressuposto de que um enunciado normativo, inclusive o de um princípio publicista, não existe isoladamente, e sim em coexistência com os demais enunciados (normas e regras) que formam o sistema jurídico. A interpretação do direito é a interpretação do direito em seu todo, não de textos isolados – não se interpreta o direito em tiras, aos pedaços; sendo um dos postulados da metodologia jurídica o da existência fundamental da unidade do Direito, o que converge assim para a interpretação sistemática.

    Conjuntamente com o método da interpretação sistemática, o princípio da concordância prática ou da harmonização se apresenta de forma importante e forte para se buscar a solução de conflitos entre princípios.

    O princípio da concordância prática ou da harmonização não formula apenas no caso da existência de contradições normativas, mas também nos casos de concorrências e colisões de princípios publicistas no sentido de uma sobreposição parcial dos seus âmbitos de vigência.

     

    E arrematam:

    Por tal princípio, deve-se buscar a conformação dos diversos princípios que se extraem do ordenamento jurídico e que estejam em confrontação, de forma que se evite a necessidade de exclusão (sacrifício) total de um ou de alguns deles.

     

    Dito isto, é dever do intérprete buscar a harmonização dos princípios que se revelam aparentemente conflitantes, buscando a solução mais equilibrada possível.

    Não há dúvida que o apego imoderado ao formalismo, fulcrado numa interpretação literal e isolada dos dispositivos da Lei nº 4.320/1964 não representa a melhor solução, pois poderá induzir a Administração a concorrer com despesa irrazoável e antieconômica, o que, em última análise não corresponde à expectativa da sociedade.

    Disso decorre que, na presente avaliação, o ponto focal será verificar se o órgão/entidade poderá lançar mão de meios de contratação e pagamento não usuais no âmbito dos órgãos da Administração Pública. Tal análise terá como corolário, o dever de eficiência, de razoabilidade e de economicidade, sendo que a decisão final, terá de ser a solução ótima, ou seja, a mais razoável dentre as alternativas disponíveis e juridicamente aceitáveis.

     

    3.3 – A viabilidade de se estabelecer pagamento antecipado nas contratações públicas.

    Preliminarmente, bom que se diga que a legislação regente da matéria não veda expressamente a realização de pagamento antecipado a fornecedores e prestadores de serviço, como bem assinala Di Pietro[25]:

    No Brasil quando se impugnam os pagamentos antecipados, usualmente se invocam os arts. 62 e 63 da Lei nº4.320/64. Tais dispositivos não disciplinam, no entanto, o tema específico, eis que sua finalidade reside em submeter o pagamento a um controle documental adequado. (…) Não se veda expressamente o pagamento antecipado no texto dos aludidos dispositivos. Ali apenas se estabelece que o pagamento concretizar-se-á mediante comprovação da prévia execução da prestação devida pelo contratado. A redação da lei retratou disciplina adequada à hipótese padrão, usualmente verificável na atividade administrativa. A lei visava a condicionar o pagamento à comprovação dos requisitos exigidos no ato convocatório. Como regra, o requisito seria o adimplemento por parte do contratado. Mas nada impediria que o ato convocatório estabelecesse outras hipóteses. (…) A Administração pode (deve) obter reduções de preço e outras vantagens, semelhantemente ao que se verifica no setor privado. Diante da possibilidade de pagar antecipadamente, deve ser reduzido o preço ou concedido outro benefício para o Estado.

     

    Em apoio a essa tese, recorre-se mais uma vez ao mestre da contabilidade pública, Prof. Heraldo Reis[26]:

    Nada na Lei 4.320/64 impede o pagamento de uma parcela por antecipação, mas a Administração deve precatar-se com cláusula contratual que garanta a realização da obra ou serviço; ou, em caso contrário, multa por inadimplemento contratual.

     

    Tanto é assim, que a prática na Administração Pública já assinala vários casuísmos nos quais se houve por bem permitir a antecipação de pagamento em relação à entrega do objeto. O caso mais clássico é o da assinatura de jornais, revistas e periódicos, cujo período contratado é adimplido integralmente como condição do início da vigência da assinatura. O objeto, a entrega dos exemplares, que nada mais é do que a execução do serviço, vai ocorrendo segundo a periodicidade do veículo, após a integralização do pagamento.

    Nas obras essa prática também é bastante comum, como por diversas vezes já analisou o Tribunal de Contas da União, de cujo repositório jurisprudencial, à guisa de exemplo, extrai-se os seguintes precedentes:

    Sobre o pagamento antecipado de 40% do valor total contratado, destaco, inicialmente, que o art. 15, III, da Lei de Licitações, prescreve que as compras, sempre que possível, deverão submeter-se às condições de aquisição e pagamento semelhantes às do setor privado, não sendo vedado pelo ordenamento jurídico a possibilidade de pagamento antecipado. Evidentemente essa não é a regra, mas a exceção. A jurisprudência desta Corte a admite em casos excepcionais. Cito os Acórdão 918/2005-TCU-Segunda Câmara (Ministro Walton Alecar) e nº 1.442/2003-Primeira Câmara (Ministro Marcos Vilaça). No caso concreto, a prática do mercado é que em aquisições de helicópteros e afins o pagamento seja, parcialmente, efetuado antecipadamente. Eventual adoção de condição de pagamento apenas contra entrega poderia inviabilizar a disponibilização dos helicópteros no prazo requerido pela Administração. Ressalto que, de acordo com o subitem 11.1.4. do edital correspondente ao Pregão Presencial nº 130/2010, a SSP/GO exigiu a constituição de garantia para cobrir o valor adiantado. (TCT, Acórdão no. 5.294/2010, Primeira Câmara, Rel. Min. Weder de Oliveira, julg. em 24/08/2010);

     

    Auditoria de conformidade envolvendo as obras de ampliação do sistema de drenagem urbana no Município de Nova Friburgo/RJ, beneficiado com recursos federais transferidos mediante contrato de repasse, constatou que o Contrato n.º 098/2008 - cujo objeto era a execução das obras de canalização do Rio Bengalas, galeria e adequação da microdrenagem nos bairros Prado e Santo André, no Distrito de Conselheiro Paulino - tinha, à época da fiscalização, apenas 25% de execução. Sobre o achado de auditoria referente à antecipação de pagamento no âmbito do aludido contrato, relativo ao item "superestrutura ponte/viaduto", cuja execução ainda não havia sido iniciada, o relator afirmou que a questão fora posteriormente regularizada, mediante glosa. Não obstante a correção da falha, ele considerou pertinente reforçar o entendimento de que a realização de pagamentos antecipados aos contratados somente poderá ocorrer com a conjunção dos seguintes requisitos: I) previsão no ato convocatório; II) existência, no processo licitatório, de estudo fundamentado comprovando a real necessidade e economicidade da medida; e III) estabelecimento de garantias específicas e suficientes, que resguardem a Administração dos riscos inerentes à operação. Considerando que tais requisitos não se fizeram presentes no caso examinado, o relator propôs e o Plenário decidiu expedir determinação corretiva à municipalidade. Precedentes citados: Acórdãos n.os 1.442/2003-1ª Câmara e 1.726/2008-Plenário. TCU, Acórdão n.º 1341/2010-Plenário, TC-000.283/2010-0, rel. Min-Subst. Marcos Bemquerer Costa, julg. em  09.06.2010);

     

    Por fim, vale citar decisão em que o TCU determinou a: “observância das fases da despesa pública, de modo que o empenho seja prévio ou contemporâneo à contratação, consoante artigos 58 a 70 da Lei nº 4.320/1964”. (TCU, Acórdão nº 1.404/2011, 1ª Câmara, Rel. Min. Ubiratan Aguiar, DOU de 11.03.2011.) Decisões no mesmo sentido: Acórdãos nºs 423/2011, 406/2010 e 1970/2010, todos do Plenário; Acórdãos nºs 1.130/2011 e 914/2011, ambos da 1ª Câmara e, por fim, Acórdãos nºs 2.816/2011 e 887/2010, ambos da 2ª Câmara.

     

    Como visto, a doutrina e a jurisprudência do Controle Externo Federal reconhecem a possibilidade jurídica de realização de pagamento antecipado, desde que tal hipótese seja tratada como exceção e presentes requisitos de cautela a fim de resguardar o interesse da Administração, o que será objeto de estudo mais adiante.

    Por fim, cumpre registrar que a Lei nº 14.133/2021, que traz o novo marco normativo das licitações e contratações da Administração Pública, já conta com dispositivo específico sobre o tema, assim dispondo:

    Art. 145. Não será permitido pagamento antecipado, parcial ou total, relativo a parcelas contratuais vinculadas ao fornecimento de bens, à execução de obras ou à prestação de serviços.

    § 1º A antecipação de pagamento somente será permitida se propiciar sensível economia de recursos ou se representar condição indispensável para a obtenção do bem ou para a prestação do serviço, hipótese que deverá ser previamente justificada no processo licitatório e expressamente prevista no edital de licitação ou instrumento formal de contratação direta. (GN)

     

    Pela redação acima, uma vez que o órgão/entidade passe a adotar o regime imposto pela nova lei, o que será obrigatório a partir de 1º de abril de 2023, o fundamento jurídico para adoção do formato de pagamento antecipado deixará de desafiar os Gestores Públicos.

     

     

    3.4 – A excepcionalidade do pagamento antecipado e o dever de a Administração respeitar as práticas usuais de mercado

    Avançando sobe a hipótese, consigne-se que se acha estabelecido na norma regente, o dever de a Administração Pública adotar, sempre que possível, a sistemática de contratação que é usualmente adotada no mercado privado. Trata-se do comando insculpido no art. 15, III da Lei Federal nº 8.666/1993:

    Art. 15. As compras, sempre que possível, deverão:

    [...]

    III - submeter-se às condições de aquisição e pagamento semelhantes às do setor privado;

     

    A norma faz bastante sentido. Seu conteúdo objetivo é direcionado a evitar a elevação do preço a ser contratado ou mesmo a inviabilização do projeto, provocado pela inovação, pela Administração, no formato de negócio em relação à estruturação para as quais as empresas já se encontram perfeitamente adaptadas.

    Resgatando o exemplo ofertado acima, sobre a contratação de assinatura de periódicos, caso a Administração insistisse no pagamento a posteriori, certamente esbarraria em tentativas frustradas de contratação, posto que as editoras se recusariam a modificar tal formato de pagamento. Daí a necessidade de a Administração se adequar e respeitar a prática do segmento editorial, encontrando seu fundamento de validade no dispositivo acima transcrito. Nesse diapasão, é dever do gestor manter, sempre que possível, o formato usualmente praticado pelo mercado privado nas suas contratações. Trata-se de “uma condição fundamental para a eficiência administrativa”, como ensina Marçal Justen Filho[27].

    Destaca-se que, em razão do bem jurídico tutelado pelo dispositivo em tela, a interpretação deve ser extensiva. Não faria qualquer sentido lógico que o dever de a Administração observar as práticas do mercado privado fosse restrito às compras, devendo ser aplicada também aos serviços e obras.

    Pois bem.

    A atividade comercial é determinada por fatores extrínsecos e intrínsecos os quais as empresas atuantes no mercado de bens, serviços e obras se submetem. A necessidade de se manter competitivo no mercado exige a equalização de custos e a redução dos riscos empresariais. O custo operacional (intrínseco) e a inadimplência (extrínseco), e.g., constituem fatores decisivos nos custos diretos do produto.

    Com o advento das compras eletrônicas, muitas empresas tradicionais migraram para a venda virtual, reduzindo ou até mesmo eliminando custos com a locação de lojas físicas, taxas condominiais, entre outras. Passaram a se servir de terceiros para transporte e montagem/instalação. Registre-se que o Estado também vem se modernizando (infelizmente, a passos mais lentos) e a emissão de notas fiscais eletrônicas são uma realidade em quase todos os recantos do País.

    As vendas eletrônicas são pautadas pelo imediatismo da contratação caracterizado justamente no pagamento antecipado do valor do bem a ser adquirido/contratado. O interessado acessa o site, escolhe o produto, cadastra a forma de pagamento, ao avançar no procedimento de compra, o site calcula o frete de acordo com o endereço e entrega informado no cadastro e emite o boleto bancário ou outra forma escolhida pelo adquirente, inclusive, via PIX, meio de pagamento recentemente implantado pelo BACEN e já disponível nas principais plataformas de e-commerce.

    Logo, é de se reconhecer que é prática usual do mercado privado que o pagamento pela aquisição de produtos vendidos em plataformas eletrônicas de vendas seja feito de forma antecipada.

    Ora, se a lei não veda à Administração contratar com lojas virtuais; se lhe impõe, sempre que possível, observar cláusulas e condições de pagamento usualmente praticado no mercado privado; e, se a compra em plataformas eletrônicas de vendas tem como prática usual o pagamento antecipado, significa que a Administração, poderá contratar com sites eletrônicos de vendas, com pagamento antecipado pelo produto, exatamente como o é nas relações comerciais privadas.

    Acrescente-se que, conforme bem destaca Rony Charles[28] no trabalho já referenciado, há vários países que admitem a antecipação de pagamento, desde que observadas certas condições. Exemplifica com o caso do art. 292 do Código dos Contratos Públicos, de Portugal; o art. 35, nº 18, do Codice dei Contratti Pubblici italiano; e ainda nos Estados Unidos, em que diversos dispositivos do Federal Acquisition Regulation se referem à hipótese de advance payment, autorizando a Administração Pública daquele País a pagar antecipado (ex. 18.122).

    Em conclusão e diante de tudo o que foi exposto, percebe-se, a olhos vistos, que milita favoravelmente na direção do alcance dos objetivos constitucionais da Administração Pública, ancorados nos princípios da economicidade, da eficiência e da razoabilidade, bem como na indisponibilidade do interesse público, que a Administração possa se utilizar de procedimentos de contratação utilizando as condições de pagamento do setor privado como um mecanismo de redução de custo que se presta para o Estado agir com melhor eficiência.

    Nada obstante a essa conclusão, devem ser observados alguns cuidados e procedimentos, a fim de que haja a perfeita sintonia entre esse desiderato e outros princípios, como o da juridicidade, da isonomia, da impessoalidade e da moralidade, bem como atenção à necessidade de se estabelecer controles internos eficazes.

     

    4. Cautelas para a contratação no formato e-commerce

    Em primeiro lugar é bom que se reforce duas premissas fundamentais: a) somente será possível a contratação com plataformas eletrônicas nos casos de dispensa de licitação, em que a hipótese albergada nos incisos do art. 24 da Lei nº 8.666/1993 (art. 75, da Lei nº 14.133/2021) for com esse tipo de contratação compatível, como por exemplo, nos casos de dispensa em razão do baixo valor (I e II); e, b) o pagamento antecipado a fornecedores/prestadores de serviço é exceção à regra geral de pagamento pós execução.

    Assim dito, de plano consigne-se que nem sempre a compra eletrônica se mostrará adequada. O uso de preços de produtos anunciados na internet já é utilizado há alguns anos para balizar a pesquisa de mercado das contratações públicas[29], mas exige alguns cuidados.

    Em primeiro lugar, a contratação deve ser precedida de todos os elementos legalmente previstos. Deve ser instaurado o competente processo de contratação; definição prévia das características técnicas do bem a ser adquirido; pesquisa de mercado, que deve incluir os preços praticados nas páginas de comércio eletrônico; prévio empenho; correto enquadramento da hipótese de afastamento do dever geral de licitar (CRFB, art. 37, XXI), inclusive com investigação de demanda interna a fim de se evitar o fracionamento ilegal de despesa; escolha do fornecedor pelo menor preço; extração das certidões fiscais federais, para atendimento ao disposto no art. 195, § 3º da CRFB; e, decisão da autoridade superior, autorizando a contratação.

    Cumpridos os requisitos formais, deve se ter cuidado com os sites nos quais se pretende realizar a compra. Não será correta a utilização de plataformas de pesquisa de preços (Buscapé; Bomdefaro), tampouco em sites que promovem vendas de produtos usados ou comercializados por pessoas físicas (OLX; Mercado Livre; Shopee).[30] A aquisição deve se dar nas respectivas plataformas das lojas virtuais ou nos portais de vendas das lojas físicas, quando seus preços forem mais vantajosos do que o proposto nos moldes tradicionais.

    Outro ponto a ser observado é que a compra em páginas eletrônicas de venda não é recomendável para os casos de aquisições em quantidades mais expressivas, uma vez que nas páginas de vendas, não há formação de preço com base em economia de escala[31]. Ao encontrar o produto, o cliente, desejando adquirir uma certa quantidade, verá, no avançar das páginas de confirmação de compra que o valor unitário será multiplicado pela quantidade pretendida. Numa licitação ou numa negociação direta com fornecedores, nos casos de compra direta, há uma tendência de o valor unitário decrescer em razão da quantidade a ser adquirida. É o órgão técnico que deve se manifestar sobre esse aspecto, ou seja, determinar, no caso concreto, se a quantidade pretendida interfere na precificação.

    Também é obrigatório que o valor do produto seja considerado com o custo do frete. No geral, os preços anunciados na internet não incluem tal componente de custo, que pode, inclusive, impactar significativamente seu valor final. Não raro, o custo do frete acaba saindo mais caro do que o preço do próprio produto.

    Não haverá óbice algum, entretanto, que a Administração opte por adquirir de um site que esteja oferecendo o produto com frete grátis, mesmo que o valor do bem esteja acima da oferta de outro site, mas que cobra o frete em apartado. No fim das contas, o que deve prevalecer é o menor preço total para a Administração, isto é, a menor despesa a ser realizada.

    Em homenagem aos princípios da isonomia, da moralidade e da impessoalidade, entende-se ser de bom alvitre que se dê oportunidade de negociação aos fornecedores que encaminharam propostas à Administração, antes de se decidir pela compra eletrônica. Se porventura houver tratativas positivas e a diferença de preços acabar sendo pouco significativa, poder-se-á optar pela contratação com o fornecedor físico, em razão da redução do risco de desatendimento às cláusulas contratuais, podendo, a este, ser oferecidas as mesmas condições de pagamento (antecipado ou concomitante).

    Por fim, se a aquisição necessitar envolver alguma condição customizada, não padronizada, como por exemplo, uma garantia estendida em prazo não usual (é comum na aquisição de itens de TIC), a contratação com páginas eletrônicas de vendas provavelmente não será a solução adequada. Mais uma vez, deverá o órgão técnico manifestar-se sobre a viabilidade ou não da aquisição pretendida poder ser formalizada nos meios virtuais.

     

    5. Requisitos para a adoção do pagamento antecipado

    No campo formal, será indispensável a verificação de alguns requisitos para a legitimação do pagamento antecipado.

    A Advocacia-Geral da União, por meio da Orientação Normativa – ON nº 37 da AGU[32], veio admitir o pagamento antecipado em contratos públicos celebrados pelos órgãos federais, estabelecendo as seguintes condições:

    A ANTECIPAÇÃO DE PAGAMENTO SOMENTE DEVE SER ADMITIDA EM SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS, DEVIDAMENTE JUSTIFICADA PELA ADMINISTRAÇÃO, DEMONSTRANDO-SE A EXISTÊNCIA DE INTERESSE PÚBLICO, OBSERVADOS OS SEGUINTES CRITÉRIOS; 1) REPRESENTE CONDIÇÃO SEM A QUAL NÃO SEJA POSSÍVEL OBTER O BEM OU ASSEGURAR A PRESTAÇÃO DO SERVIÇO, OU PROPICIE SENSÍVEL ECONOMIA DE RECURSOS; 2) EXISTÊNCIA DE PREVISÃO NO EDITAL DE LICITAÇÃO OU NOS INSTRUMENTOS FORMAIS DE CONTRATAÇÃO DIRETA; E 3) ADOÇÃO DE INDISPENSÁVEIS GARANTIAS, COMO AS DO ART. 56 DA LEI Nº 8.666/93, OU CAUTELAS, COMO POR EXEMPLO A PREVISÃO DE DEVOLUÇÃO DO VALOR ANTECIPADO CASO NÃO EXECUTADO O OBJETO, A COMPROVAÇÃO DE EXECUÇÃO DE PARTE OU ETAPA DO OBJETO E A EMISSÃO DE TÍTULO DE CRÉDITO PELO CONTRATADO, ENTRE OUTRAS.

     

    No que concerne à situação excepcional, vê-se que a compra na internet, de fato, é inegavelmente uma situação excepcional, porquanto somente será utilizada nos casos específicos em que esta contratação se mostrar a efetivamente mais vantajosa para a Administração. A instrução do processo deverá demonstrar tal circunstância.

    Em se adotando esse formato, por tudo que já foi aqui exposto, o pagamento antecipado será o único meio para assegurar a aquisição do bem, pois, do contrário, o processo de compra não avança no site; ao mesmo tempo se revelará a mais vantajosa.

    A previsão no instrumento da contratação direta estará atendida, por consectário lógico, no momento em que as empresas não virtuais que forem consultadas tiverem oportunidade de novamente apresentar propostas, agora com base na possibilidade de também receber o pagamento de forma antecipada ou em concomitância com a entrega do produto.

    Quanto às cautelas necessária, visando resguardar o interesse da Administração, não se falará em contratação com meios eletrônicos de venda com prestação de qualquer das garantias previstas no art. 56 da Lei nº 8.666/1993, vez que obviamente inviabilizaria a contratação. A busca em sites reconhecidamente confiáveis, bem como o fato de a contratação, o mais das vezes, envolver baixo valor e a extração das certidões federais são suficientes para mitigar em níveis aceitáveis os riscos envolvidos. De recordar que caso o fornecedor eletrônico falhe perante a Administração, com atrasos na entrega ou deixe de entregar o produto, a Administração poderá invocar a cláusula exorbitante contida no art. 87 da Lei nº 8.666/1993 e aplicar sanções administrativas ao contratado[33], além da possibilidade de reparação na via judicial dos prejuízos suportados.

     

    6. Proposta de soluções.

    Se é possível adquirir produtos em lojas virtuais com pagamento antecipado, o meio de pagamento poderá se dar por meio de boleto bancário? A resposta é positiva.

    Muito embora não seja prática comum, a Administração já o faz em relação a alguns prestadores de serviço, tais como as concessionárias de energia elétrica, gás e água. As contas são pagas por meio dos boletos de cobrança encaminhados. No início do exercício, empenha-se um valor estimativo para, a cada mês, extrair-se o pagamento. Assim, não se vislumbra qualquer óbice que o documento de liquidação da despesa seja o boleto bancário. Recorde-se que, ao receber o produto, o mesmo acompanhará a respectiva Nota Fiscal, que aperfeiçoará a fase de liquidação de despesa.

    Uma alternativa que pode ser aventada para tais situações, justamente pela excepcionalidade e baixo valor, é a utilização do regime de adiantamento, também conhecido como suprimento de fundos.

    Segundo a Controladoria-Geral da União:[34]

    Trata-se de adiantamento concedido a servidor, a critério e sob a responsabilidade do Ordenador de Despesas, com prazo certo para aplicação e comprovação dos gastos. O Suprimento de Fundos é uma autorização de execução orçamentária e financeira por uma forma diferente da normal, tendo como meio de pagamento o Cartão de Pagamento do Governo Federal, sempre precedido de empenho na dotação orçamentária específica e natureza de despesa própria, com a finalidade de efetuar despesas que, pela sua excepcionalidade, não possam se subordinar ao processo normal de aplicação, isto é, não seja possível o empenho direto ao fornecedor ou prestador, na forma da Lei nº 4.320/64, precedido de licitação ou sua dispensa, em conformidade com a Lei nº 8.666/93.

     

    Costumeiramente, utiliza-se por parâmetro financeiro para o regime de adiantamento os limites estabelecidos para a dispensa em razão do valor, que se encontra atualmente em R$ 17.600,00 (dezessete mil e seiscentos reais para compras e serviços), valor utilizado, por exemplo, pelo Governo Federal, com base na Portaria MF nº 95/2002. Vale lembrar que no regime instituído pela Lei nº 14.133/2021, o limite financeiro para a hipótese de dispensa de licitação em razão do valor é de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Em recente decisão, o Tribunal de Contas da União reconheceu a possibilidade de órgãos não vinculados ao Sistema de Serviços Gerais da União-SISG se utilizarem desses novos limites:

    Licitação. Contratação direta. Princípio da publicidade. Dispensa de licitação. Portal Nacional de Contratações Públicas. Diário Oficial da União.

    A dispensa de licitação prevista no art. 75 da Lei 14.133/2021 (nova Lei de Licitações e Contratos) pode ser utilizada por órgãos não vinculados ao Sistema de Serviços Gerais (Sisg), em caráter transitório e excepcional, até que sejam concluídas as medidas necessárias ao efetivo acesso às funcionalidades do Portal Nacional de Contratações Públicas – PNCP (art. 174 da mencionada lei). Nesse caso, em reforço à transparência e à publicidade necessárias às contratações diretas, deve ser utilizado o Diário Oficial da União (DOU) como mecanismo complementar ao portal digital do órgão, até a efetiva integração entre os sistemas internos e o PNCP. (Acórdão 2458/2021 Plenário (Administrativo, Relator Ministro Augusto Nardes)

     

    Nada obstante, é perfeitamente possível, e até mesmo recomendável que cada ente discipline especificamente esse tema, de maneira a estabilizar os procedimentos a serem adotados nas hipóteses futuras. Ao comentar os parágrafos do art. 63 da Lei nº 4.320/1964, o Prof. Heraldo Reis[35] adverte que neles se acham “a orientação básica para a liquidação da despesa. Nada impede que a Administração aprove instruções específicas, disciplinando o processo em seu âmbito interno.”

     

    7. Conclusões

    Diante de todo o exposto, conclui-se que:

    i. a Administração Pública não está condicionada a exigir que a empresa possua estabelecimento comercial físico para com ela entabular relações comerciais (contratação de coisas, obras e serviços), podendo se servir de empresas virtuais;

    ii. não há disposição legal que impeça a Administração Pública de realizar pagamento antecipado a contratos, desde que se trate de situação excepcional e guardadas as devidas cautelas;

    iii. a contratação com sites de e-commerce é perfeitamente viável, desde que se trate da melhor oferta para a Administração, considerando os princípios da economicidade, eficiência e razoabilidade e somente nos casos de contratação direta;

    iv. é usual no mercado de e-commerce a contratação de bens e serviços com a forma de pagamento antecipado, seja por boleto bancário ou cartão de débito/crédito, ou ainda outro meio;

    v. com fulcro no art. 15, III da Lei nº 8.666/1993, pode a Administração contratar com sites de venda eletrônica, realizando o pagamento nos moldes usuais, isto é, de forma antecipada, inclusive, por boleto bancário ou cartão corporativo;

    vi. o fato de se adquirir bens/serviços em sites de vendas eletrônicas, não exime a Administração de todas as obrigações formais quanto à instrução do processo, mormente aquelas relacionadas à fase de planejamento da contratação, bem como ao correto enquadramento da hipótese de permissibilidade de afastamento do dever geral de licitar, inclusive, com avaliação de possível fracionamento ilegal de despesa;

    vii. na escolha do site fornecedor, deve-se observar as recomendações acima listas, relativas à confiabilidade do varejista escolhido, quantitativos a serem contratados e comparação de custos, levando-se em conta o frete;

    viii. em homenagem aos princípios da isonomia e da competitividade, antes de se efetivar a compra do produto no site escolhido, deve-se dar oportunidade para que os fornecedores locais que apresentaram proposta à Administração possam apresentar novas propostas, oferecendo-lhes igual possibilidade de pagamento antecipado;

    ix. pode ser utilizado, como alternativa operacional o suprimento de fundos, desde que respeitados os limites da despesa e demais requisitos deste instituto;

    x. é recomendável que o ente discipline esse tema de forma a dar, além de transparência, a necessária estabilidade quanto aos aspectos dos trâmites e rotinas internas.

    Destarte, não se está a defender o uso irrefreado da cláusula de pagamento antecipado pela Administração Pública. O que se pretende é evitar que o apego ao formalismo acabe por inviabilizar a Administração de se utilizar de mecanismos mais modernos e atrativos para celebração de contratos, com fim último no atendimento ao interesse público. 



    [1] IKEHARA, Hideharu Carlos. A Reserva de mercado de informática no Brasil e seus resultados. Revista de Ciências Humanas da UNIPAR, v. 5 nº 18, 1997.

    [2] Disponível em: Anatel - Telefonia Móvel Acessado em 11/11/2021.

    [3] Fonte: UOL Disponível em Como Surgiu a Internet ? - Brasil Escola (uol.com.br) Acessado em 10/11/2021.

    [4] Dados do IPEA indicam que as compras públicas nos País no ano de 2019 alcançaram cerca de 15% do PIB. Fonte: IPEA. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/210707_cb_ocde_compras_publicas.pdf  Acessado em 04/11/2021, às 16:08.

    [5] FORTINI, Cristiana; PICININ, Juliana. Pagamento antecipado por bens adquiridos pelos órgãos públicos na pandemia. Disponível em: <<https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/pagamento-antecipado-por-bens-adquiridos-pelos-orgaos-publicos-na-pandemia-16042020>>. Acesso em: 03/11/2021, às 14:59.

    [6] NÓBREGA, Marcos. Novos marcos teóricos em Licitação no Brasil – Olhar para além do sistema jurídico. Revista Brasileira de Dir. Público – RBDP | Belo Horizonte, ano 11, n. 40, p. 47-72, jan./mar. 2013. Disponível em: http://www.direitodoestado.com.br/artigo/marcos-nobrega/novos-marcos-teoricos-em-licitacao-no-brasil-olhar-para-alem-do-sistema-juridico  Acessado em 29/10/2021, às 14:10.

    [7] Op. Cit.

    [8] [41]  FIÚZA. Eduardo P. S. LICITAÇÕES E GOVERNANÇA DE CONTRATOS: A VISÃO DOS ECONOMISTAS. Disponível em: <<https://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/q12_capt08_Fiuza.pdf>>.

    [9] Esse prazo pode ser tornar mais extenso, considerando que, a liquidação da despesa é fase que se inicia com a apresentação da fatura e demanda tempo de tramitação até que o pagamento propriamente dito seja realizado.

    [10] Ressalva-se o prazo de 05 (cinco) dias úteis para pagamento a fornecedores nos casos de dispensa de licitação em razão do valor, nos termos do art. 5º, § 3º, da L. 8.666/1993. Porém, raramente esse prazo é cumprido pela Administração.

    [11] Disponível em: https://www.ecommercebrasil.com.br/artigos/marketplace-vantagens-e-desvantagens/  Acessado em 29/10/2021, às 17:38.

    [14] Economia de Escala é um conceito econômico cujo significado é a possibilidade de reduzir o custo médio de um determinado produto pela diluição dos custos fixos em um número maior de unidades produzidas. Como os custos fixos são constantes até um determinado patamar, quanto maior o volume produzido, menor será o custo médio. Fonte: administradores.com. Disponível em: https://administradores.com.br/artigos/economia-de-escala-afinal-que-bicho-e-esse. Acessado em 04/11/2021, às 16:57.

    [15] Na técnica orçamentária, reserva-se o termo crédito para designar o lado orçamentário e recursos para o lado financeiro. O crédito é orçamentário, dotação ou autorização de gasto ou sua descentralização; e, recurso é financeiro, portanto, dinheiro ou saldo de disponibilidade bancária. (Fonte: Instituto Federal do Paraná, disponível em: Conceitos de Execução Orçamentária – Instituto Federal do Paraná (ifpr.edu.br), acessado em 03/11/2021, às 16:50.

    [16] REIS, Heraldo da Costa, A lei 4.320 comentada e a lei de responsabilidade fiscal, 35ª ed.. ed. IBAM, 2015, p. 167 e segs.

    [17] Op. Cit., p. 168.

    [18] Hermenêutica e Aplicação do Direito, Forense, 1993, p.180

    [19] Op. Cit.

    [20] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 27ª ed.,São Paulo: Atlas, 2014, P. 20.

    [21] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 40a ed., São Paulo: Malheiros, 2014, p. 94.

    [22] AMARAL, Antonio Carlos Cintra do. O princípio da eficiência no direito administrativo. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado, Salvador no. 5, MAR/ABR/MAI de 2066. Disponível em http://www.direitodoestado.com.br/codrevista.asp?cod=97. Acesso em 04/11/2021.

    [23] Curso de Direito Administrativo, 17ª ed., São Paulo, Malheiros, 2004, p. 101.

    [24] TORRES, Ronny Charles Lopes, PEDRA, Anderson Sant’Ana e OLIVEIRA, Rafael Sérgio, a mística da impossibilidade de pagamento antecipado pela administração pública. Disponível em: https://ronnycharles.com.br/a-mistica-da-impossibilidade-de-pagamento-antecipado-pela-administracao-publica/ Acessado em 28/10/2021.

     apud CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. 2. ed. Trad. A. Menezes Cordeiro. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1996. p. 14-15

    [25] DI PIETRO, Maria Sylvia Zannela. Direito Administrativo, São Paulo: Editora Atlas, 2014, p. 345

    [26] Op. Cit., pág. 168.

    [27] JUSTEN FILHO, Marçal, comentários à Lei de Licitações e contratos Administrativos, 15ª ed., Dialética. São Paulo, 2012, p. 215.

    [28] Op. Cit.

    [29] IN 05/2014/SEGES/MPDG, art. 2º, III.

    [30] CHAVES, Luiz Claudio de Azevedo. A Atividade de Planejamento e análise de Mercado nas Contratações governamentais, ed. JML, Curitiba: 2018, p. 185-186.

    [31] Op. Cit., p. 187-188.

    [33] As sanções administrativas, por se tratar de cláusulas exorbitantes, são implícitas em qualquer contrato administrativo, com exceção da multa (art. 87, II da Lei nº 8.666/1993), que exige cominação contratual. (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 10 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1999, p. 448)

    [34] Disponível em: https://www.gov.br/cgu/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/orientacoes-aos-gestores/arquivos/suprimento-de-fundos-e-cartao-de-pagamento.pdf Acessado em 05/11/2021.

    [35] Op. Cit., p. 171. 

     

     

    *Especialista em Direito Administrativo e professor da Escola Nacional de Serviços Urbanos-ENSUR e professor convidado da Fundação Getúlio Vargas e da PUC-Rio. Autor das obras: Curso Prático de Licitações-Os Segredos da Lei no. 8.666/93, Lumen Juris, 2011; Licitação Pública – Compra e Venda Governamental Para Leigos, Alta Books, 2016; A Atividade de Planejamento e Análise de Mercado nas Contratações Governamentais, JML, 2018; Gerenciamento de Riscos nas Aquisições e Contratações de Serviço da Administração Pública, Estatais e Sistema S, ed. JML, 2020.